terça-feira, 29 de abril de 2008

Provocações Conceptuais


Miroslav Vitous
Universal Syncopations II
ECM 2007
13/20

Miroslav Vitous nasceu na Checoslováquia em 1947 e abraçou o contrabaixo aos 13 anos de idade, depois de passar pelo violino e pelo piano. Formou-se no Conservatório de Praga antes de conseguir uma bolsa de estudo para o Berklee College em Boston. Poucos meses depois, em 1967 e quando tocava com Clark Terry, conheceu Miles Davis que o integrou no seu grupo, onde contactou com Herbie Hancock, Wayne Shorter e Tony Williams. Entre 1968 e 1970 trabalhou com Herbie Mann, Stan Getz e integrou os grupos de Chick Corea, Wayne Shorter e Joe Zawinul, iniciando igualmente a sua carreira como líder. Co-fundador dos Weather Report ajudou a mudar a direcção do jazz nos anos 70. Desde finais dessa década e pela ECM gravou com Terje Rypdal e Jack deJohnette, John Surman, Kenny Kirkland, Jon Christensen e John Taylor. Nos anos 80 foi chefe do Departamento de Jazz do New England Conservatory. Recentemente e sempre pela ECM tem surpreendido com trabalhos arrojados que alargam os horizontes conceptuais do jazz. Depois do aclamado Universal Syncopations de 2003, em que tocou, num raro quinteto de estrelas, com Jan Garbarek, Chick Corea, John McLaughlin e Jack deJohnette, explorou novos caminhos neste Universal Syncopations II, projecto pessoal gravado entre Novembro e Abril de 2005 e que consiste numa peça para ensemble, orquestra e coro, composta, arranjada, dirigida, produzida, misturada e masterizada por Miroslav Vitous. Conta ainda com a participação de Randy Brecker, Bob Malach, Bob Mintzer, Gary Campbell, Daniele di Bonaventura, Adam Nussbaum e Gerald Cleaver, além da voz da soprano checa Vesna Vasko-Caceres e da imensa biblioteca de sons patenteada de Vitous.
Uma obra arrojada, profundamente experimental e original, onde o jazz improvisado percorre caminhos novos de fusão com a música contemporânea vanguardista, designadamente pela adição de inúmeros elementos orquestrais e corais na peça.
O resultado é interessante mas dificilmente acessível ou apelativo. Aparte a incursão pelo lirismo mediterrânico de Mediterranean Love, muito por culpa do trabalho de Daniele di Bonaventura no bandoneón, o resto do disco percorre caminhos algo tortuosos onde o virtuosismo dos músicos envolvidos, mormente do contrabaixo de Vitous, omnipresente e com momentos de técnica verdadeiramente sublime, contrastam com o complexidade melódica, harmónica e até rítmica dos temas, o que não facilita o trabalho do ouvinte.
Ambientes intensos e dramáticos, particularmente os corais, de cariz abstracto e ocasionalmente surrealista, revelam uma obra quase provocatória, deliberadamente atentatória dos padrões musicais convencionais e do jazz em particular. Alguém lhe chamou uma amálgama de texturas deslocadas…
Em The Prayer, Vitous revela um ambiente fantástico com ecos do onirismo de Garbarek e em que a presença da orquestra consegue apaziguar os sons primordiais do ensemble (particularmente da percussão e sopros). Em Solar Giant é a grandiosidade dramática dos metais que desafia os sentidos do melómano. Há inclusivamente espaço para um lirismo impressionista e ambiental em temas como Mediterranean Love, Gmoong e Moment, em claro contraste com o coro misterioso e perturbador de Universal Evolution.
Uma obra soberba mas extremada. Uma viagem, guiada por extraordinários intérpretes liderados pelo contrabaixo de Vitous, pelas fronteiras da musicalidade contemporânea. Uma provocação assumida ao status quo do jazz actual.
Especialmente recomendada para os mais sedentos de conflitos conceptuais.

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