quinta-feira, 24 de abril de 2008

Laranja Doce


Demien Cabaud
Naranja
TAOP 2007
16/20

Demian Cabaud é um jovem contrabaixista argentino (nasceu em Buenos Aires em 1977) radicado em Portugal que, presentemente e no seu instrumento, é um dos músicos mais solicitados do panorama jazzístico nacional, integrando a Orquestra Jazz de Matosinhos e o mais recente projecto de Maria João, entre muitas outras e relevantes colaborações nacionais e estrangeiras.
Começou a sua formação musical na Argentina mas cedo se internacionalizou. Primeiro em São Paulo, no Brasil, depois com uma passagem marcante pelo Berklee Colege of Music em Boston e mais tarde em Portugal e na Escola de Jazz do HCP onde iniciou uma prolifera colaboração com a fina-flor do jazz nacional. E ainda bem que assim foi porquanto Cabaud tem-se mostrado um músico de enormes capacidades, uma indiscutível mais-valia para o jazz nacional, apesar da sua juventude.
Este é o seu primeiro disco como líder, gravado para a TOAP de André Fernandes nos Estados Unidos, com produção de Ohad Talmor, Zuco de Cromatizao e o próprio Damien Cabaud, com mistura e masterização de André Fernandes. E pode dizer-se que é uma estreia de luxo.
Composto exclusivamente por originais de Cabaud, escolheu para acompanhá-lo uma equipa de extraordinários músicos: os norte-americanos Phil Grenadier e Gerald Cleaver, respectivamente no trompete e bateria, o seu compatriota Leo Genovese no piano e o francês Ohad Talmor (que também co-produz o disco) no saxofone tenor. E a equipa revela-se plenamente conseguida.
Gerald Cleaver assina um impressionante registo na bateria, com um trabalho notável no enriquecimento rítmico dos temas de Cabaud. Seja pelo perfeito entendimento que revela com o argentino, seja ainda pela assinalável fantasia nos ritmos e texturas com que marca indelevelmente este trabalho. Cabaud está ao seu melhor nível de sempre. Se por um lado surpreende assinando todos os temas do disco, na sua maioria notáveis e apelativos, por outro mostra-se maduro e autoritário (no bom sentido) na liderança do grupo, legando solos (como em Naranja ou sobretudo em Olha) e contrapontos (Grounding ou Evanescente) inspirados, fruto de um inegável talento.
Apesar de ser, manifestamente, um disco comandado pela secção rítmica, revela ainda o talento de Talmor no sax tenor, sobretudo nos fluentes diálogos que trava com o trompete de Phil Grenadier. Este último exibe uma inegável originalidade na abordagem do seu instrumento, com um fraseado solto e eficaz, se bem que directo e algo metálico(por oposição à elegância dogmática da escola de Miles Davis). Quanto a Genovese mostra-se um pianista de amplos recursos com uma técnica notável e uma apurada capacidade inventiva no fraseado musical. Rigoroso mas fantasista e revelador de um assinalável swing é, também ele inevitavelmente, um personagem maior deste Naranja que surge pleno de sumo e com a doçura no ponto ideal.
Num disco essencialmente homogéneo, não posso contudo terminar sem fazer referência à ousadia criativa do tema The Painter, que encerra o álbum. É seguramente a composição mais ambiental e conceptual do disco, mas também a que mais arrisca. Assume musicalmente nada mais, nada menos do que o processo criativo artístico (que no título remete para o pintor, mas poderia muito bem encaixar com igual inspiração no músico ou no escritor). Das notas ambientais dispersas de um início confuso apura-se, ao piano, uma melodia e uma cadência, que vão crescendo e tomando forma ao sabor da entrada dos restantes instrumentos que compõem o quinteto. O tema corporiza-se num triunfalismo crescente e celebrante, quase apoteótico, da obra almejada e finalmente terminada. Uma verdadeira suite à criação artística este inspirado tema de Cabaud, que merece uma reverencial chapelada.

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