segunda-feira, 28 de abril de 2008
Nostalgia em Lugano
Enrico Rava & Stefano Bollani
The Third Man
ECM 2007
14,5/20
Enrico Rava e Stefano Bollani tocam juntos há mais de dez anos. Este disco é bem o exemplo do enorme grau de entendimento que conseguiram alcançar nessa sua longa colaboração, apesar da enorme diferença de idades (Bollani nasceu em 1972 ao passo que Rava em 1939).
Enrico Rava é indiscutivelmente um dos mais experientes e admirados trompetistas europeus da actualidade e em plena forma. A prová-lo esteve o belíssimo espectáculo com que presenteou o público português em 16 de Fevereiro passado no CCB, onde Bollani fez falta (como na altura tive ocasião de referir e com todo o respeito pelo inegável talento de Andrea Pozza).
Stefano Bollani é um dos mais talentosos pianistas da sua geração galardoado recentemente com o European Jazz Prize as Musician of the Year 2007.
Estes dois músicos excepcionais juntaram-se sob a batuta de Manfred Eicher no Auditorio Radio Svizzera em Lugano e elaboraram um disco belo e nostálgico, uma homenagem sentida e assumida ao film noir e a Orson Welles (depois de Rava em 2004 e também para a ECM ter homenageado Jacques Tati no seu disco homónimo).
O ambiente cinemático faz-se sentir sobremaneira neste trabalho, composto quase só por originais dos dois músicos envolvidos e aos quais juntaram o clássico de Tom Jobim, Retrato em Branco e Preto (em duas declinações, mais minimalista a primeira e mais lírica a segunda, onde Bollani exibe o mais belo solo do disco e demonstra o porquê da enorme admiração que vai suscitando, um pouco por todo o lado) e ainda o velhinho Estate de Bruno Martino, tema que se vai afirmando progressivamente como um standard, desde que Chet Baker pegou nele e o traduziu para a linguagem jazzística.
Um disco gravado apenas com piano e trompete assume-se forçosamente como um projecto carregado de lirismo. Se ainda por cima o transformam numa evocação nostálgica dos ambientes cinemáticos dos anos 30 a 40 esse lirismo adquire contornos românticos, uma estética nocturnal, onírica e impressionista digna de Debussy.
É esse marcadamente o caso deste Third Man (até o título é evocativo da mítica obra de Carol Reed, obra-prima do film noir de 1949) onde as referências cinematográficas não se esgotam no título que lhe dá nome ou sequer na celebrada obra de Orson Welles. Há neo-realismo italiano em Cumpari, vê-se Totó a correr pelas ruas semi-destruídas de Roma em In Search of Titina e não pude deixar de imaginar as angústias existênciais de Woody Allen em Manhattan ao ouvir o tema Felipe.
Ocasionalmente o lirismo nostálgico do disco exibe laivos de expressionismo, como em The Third Man, Birth of a Butterfly (primeira variação) ou Cumpari. Mas não chega nunca a arrefecer os ânimos. Rapidamente reentra na toada lenta e introspectiva de uma late night jazz.
Um disco belo para ouvir sozinho e pela noite dentro… Naquelas ocasiões em que a nostalgia ataca.
Oiçam o tema Spleen por Enrico Rava e Richard Galliano.
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