quarta-feira, 30 de abril de 2008

Dialéctica Musical


Marc Copland, Greg Osby, John Hebert & Bill Stewart
Grande Auditório da Culturgest (Lisboa), 29 de Abril de 2008
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Em última análise, toda a música colectiva resulta da síntese de processos criativos individuais dos respectivos intérpretes. Por isso, em rigor, dialéctica existe em toda a criação artística não singular (e até na singular pois ninguém está isento de influências externas). Mas se isto é uma evidência, ganha contornos muito especiais quando se fala de jazz. Na maioria dos estilos e escolas a técnica musical passa precisamente pela supressão (tanto quanto possível) da síntese dialéctica do processo criativo colectivo. A perfeição consiste assim na anulação da individualidade criativa do intérprete em benefício da visão artística do compositor, do director artístico, do maestro ou até do produtor. Ora no jazz deve passar-se precisamente o contrário. A dialéctica hegeliana aplicada à criação artística deve funcionar, para que da fusão das capacidades criativas e interpretativas de cada componente do grupo surja algo de novo, a obra jazzística.
Serve esta breve reflexão para concluir que dificilmente encontraríamos um grupo de músicos que melhor ilustrasse esta particularidade do jazz.
Este conjunto de músicos que se apresentou na Culturgest dificilmente constitui um quarteto (a não ser em sentido aritmético). Cada um deles é um autor e criador individual, líderes dos seus próprios projectos musicais, que se (nos) divertem apresentando uma síntese das suas enormes capacidades criativas. E a música que tocam espelha isso mesmo. Os temas (ou os respectivos arranjos) são da autoria de todos, individualmente considerados. A apresentação comporta elementos provenientes dos universos musicais individuais de cada um, reconstruídos sucessivamente pela sensibilidade do intérprete. Por isso, ao invés de homogeneidade ouvimos diversidade. Uma obra complexa constituída por elementos díspares como o lirismo de Copland, a exuberância de Hebert, o rigor de Stewart ou o blues de Osby. E o resultado tem momentos de puro fascínio.
Como arte que vive fundamentalmente da capacidade de improvisação do intérprete, este jazz dialéctico nem sempre se apresenta óbvio ou linear. Em contrapartida revela uma enorme facilidade para atingir o clímax ou a catástase da obra musical, mesmo considerando os mais restritos contornos do universo do jazz, com os evidentes benefícios no desenrolar dramaturgico dos temas.
Por outras palavras, fez-se jazz na Culturgest.

Ver video de Greg Osby, no tema Sanctus.
Ver Vídeo de Marc Copland, no tema Genesis.
Ver video de Bill Stewart, no tema Green Tea, integrando o trio de John Scofield.

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