domingo, 13 de abril de 2008

Contadora de Histórias


Marta Hugon
Story Teller
Iplay 2008 .
16/20

Cantora de formação clássica cedo despertou interesse pelo jazz, o que a levou inevitavelmente à escola do Hot Club de Portugal. Aí conheceu os músicos que haveriam de formar o seu quarteto: Filipe Melo no piano (autor igualmente dos arranjos deste Story Teller), Bernardo Moreira no contrabaixo e André Sousa Machado na bateria. Este disco conta ainda com a participação especial de André Fernandes na guitarra, nos temas Crash Into Me e Suburbano Coração e de João Moreira no trompete, no tema The Trouble With Me Is You. Gravado, misturado e masterizado nos estúdios de Mário Barreiros, pelo baterista portuense, conta com a produção da própria Marta Hugon e de Elvis Veiguinha. A impressão inicial do disco, ao escutar as primeiras faixas, é de que se trata de um trabalho de continuidade relativamente ao anterior Tender Trap, de 2006. Em temas como Good Morning Heartache, You’re Getting to Be a Habit With Me ou Just in Time, sentimos o mesmo ambiente revivalista (no bom sentido) que encontrámos em Tender Trap, com um jazz muito swingado fazendo uso dos bons e velhos valores dos anos dourados do jazz e de referências como Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan. Para isso contribuem manifestamente os arranjos de Filipe Melo, também ele, indiscutivelmente, um cultor das sonoridades clássicas dos swing years, que manipula na perfeição, imprimindo uma alegria contagiante em quase tudo o que toca, conseguindo que o seu jazz tenha um apelo dançável, como é raro ouvir-se. Mas não se pense que tudo são facilidades… (auditivas, entenda-se) Os temas estão soberbamente trabalhados, para isso contribuindo em muito os contrapontos de Bernardo Moreira no contrabaixo e, ocasionalmente, de André Sousa Machado na bateria. Relativamente a Tender Trap nota-se uma progressão notável no apuro do estilo, na maior complexidade dos arranjos e na segurança com que, todos eles, se aventuram no uso de novos recursos musicais. A voz de Marta Hugon é segura, carregada de swing e por vezes de uma alegria contagiante. Ocasionalmente notam-se influências da bossanova, como em You’re Getting to Be A Habit With Me, mas, até aí não há espaço para monotonias… É a bossa samba, alegre e cativante que surge. Em The Trouble With Me Is You há uma pequena incursão por territórios mais bopistas, fruto talvez da entrada em cena do trompete de João Moreira. Mas sente-se que não é este o ambiente natural do grupo. Menifestamente respira muito melhor no swing alegre e vincado dos temas anteriores... No entanto, e à medida que o disco se aproxima do fim, é possível vislumbrar novos caminhos neste projecto liderado por Marta Hugon. Há um Still Crazy After All These Years´, de Paul Simon, em blues lento mas bem marcado, até pelo solo de Filipe Melo, e sobretudo uma ousada incursão por territórios mais indie e experimentais em temas como Crash Into Me de Dave Matthews ou River Man de Nick Drake. Aqui surge com enorme a propósito a guitarra de André Fernandes a dar uma ajuda, de forma vincada, se bem que contida e ressalvando o carácter mais intimista dos temas. Crash Into Me resulta assim num dos mais belos temas do disco, apropriando-se dele Marta Hugon, com segurança e pertinência, e mostrando amplas capacidades a explorar, porventura, em futuros trabalhos. Pelo meio fica Suburbano Coração, de Chico Buarque. Uma canção menos conhecida do mítico compositor brasileiro mas muito bela, que Marta interpreta com qualidade e enorme sensibilidade. Também aqui aparece a guitarra eléctrica de André Fernandes a rubricar um excelente solo que só peca, a meu ver, pela estranheza da sua sonoridade eléctrica no ambiente puramente acústico e intimista do tema. Não é que fique mal… mas eu teria preferido o uso da guitarra acústica (e também dispensava o sotaque brasileiro na interpretação de Marta Hugon… esquisitices!). Em suma é uma obra notável, superiormente interpretada por Marta Hugon e os restantes músicos, com belíssimos arranjos de Filipe Melo e com uma participação muito conseguida de Bernando Moreira, que consegue introduzir um forte cunho pessoal no disco (tal como André Fernandes no tema Crash Into Me). Uma evidente evolução face ao anterior trabalho, que trilha já novos caminhos que podem e devem servir de inspiração para as futuras gravações. Ficamos à espera.

Veja o vídeo Too Close For Confort do Álbum Tender Trap (2006)

Sem comentários: