quarta-feira, 30 de abril de 2008

Greg Osby - Sanctus



Greg Osby, no sax, Andrew Hill, no piano, Jim Hall, na guitarra, Gary Thomas, na flauta, Scott Colley, no contrabaixo e Terri Lynne na bateria, no tema Sanctus de Jim Hall, num out take gravado nos estúdios da Blue Note, durante o registo do disco The Invisible Hand (2000) de Greg Osby.

Dialéctica Musical


Marc Copland, Greg Osby, John Hebert & Bill Stewart
Grande Auditório da Culturgest (Lisboa), 29 de Abril de 2008
****

Em última análise, toda a música colectiva resulta da síntese de processos criativos individuais dos respectivos intérpretes. Por isso, em rigor, dialéctica existe em toda a criação artística não singular (e até na singular pois ninguém está isento de influências externas). Mas se isto é uma evidência, ganha contornos muito especiais quando se fala de jazz. Na maioria dos estilos e escolas a técnica musical passa precisamente pela supressão (tanto quanto possível) da síntese dialéctica do processo criativo colectivo. A perfeição consiste assim na anulação da individualidade criativa do intérprete em benefício da visão artística do compositor, do director artístico, do maestro ou até do produtor. Ora no jazz deve passar-se precisamente o contrário. A dialéctica hegeliana aplicada à criação artística deve funcionar, para que da fusão das capacidades criativas e interpretativas de cada componente do grupo surja algo de novo, a obra jazzística.
Serve esta breve reflexão para concluir que dificilmente encontraríamos um grupo de músicos que melhor ilustrasse esta particularidade do jazz.
Este conjunto de músicos que se apresentou na Culturgest dificilmente constitui um quarteto (a não ser em sentido aritmético). Cada um deles é um autor e criador individual, líderes dos seus próprios projectos musicais, que se (nos) divertem apresentando uma síntese das suas enormes capacidades criativas. E a música que tocam espelha isso mesmo. Os temas (ou os respectivos arranjos) são da autoria de todos, individualmente considerados. A apresentação comporta elementos provenientes dos universos musicais individuais de cada um, reconstruídos sucessivamente pela sensibilidade do intérprete. Por isso, ao invés de homogeneidade ouvimos diversidade. Uma obra complexa constituída por elementos díspares como o lirismo de Copland, a exuberância de Hebert, o rigor de Stewart ou o blues de Osby. E o resultado tem momentos de puro fascínio.
Como arte que vive fundamentalmente da capacidade de improvisação do intérprete, este jazz dialéctico nem sempre se apresenta óbvio ou linear. Em contrapartida revela uma enorme facilidade para atingir o clímax ou a catástase da obra musical, mesmo considerando os mais restritos contornos do universo do jazz, com os evidentes benefícios no desenrolar dramaturgico dos temas.
Por outras palavras, fez-se jazz na Culturgest.

Ver video de Greg Osby, no tema Sanctus.
Ver Vídeo de Marc Copland, no tema Genesis.
Ver video de Bill Stewart, no tema Green Tea, integrando o trio de John Scofield.

Miroslav Vitous, Peter Erskine & Jan Garbarek

terça-feira, 29 de abril de 2008

Provocações Conceptuais


Miroslav Vitous
Universal Syncopations II
ECM 2007
13/20

Miroslav Vitous nasceu na Checoslováquia em 1947 e abraçou o contrabaixo aos 13 anos de idade, depois de passar pelo violino e pelo piano. Formou-se no Conservatório de Praga antes de conseguir uma bolsa de estudo para o Berklee College em Boston. Poucos meses depois, em 1967 e quando tocava com Clark Terry, conheceu Miles Davis que o integrou no seu grupo, onde contactou com Herbie Hancock, Wayne Shorter e Tony Williams. Entre 1968 e 1970 trabalhou com Herbie Mann, Stan Getz e integrou os grupos de Chick Corea, Wayne Shorter e Joe Zawinul, iniciando igualmente a sua carreira como líder. Co-fundador dos Weather Report ajudou a mudar a direcção do jazz nos anos 70. Desde finais dessa década e pela ECM gravou com Terje Rypdal e Jack deJohnette, John Surman, Kenny Kirkland, Jon Christensen e John Taylor. Nos anos 80 foi chefe do Departamento de Jazz do New England Conservatory. Recentemente e sempre pela ECM tem surpreendido com trabalhos arrojados que alargam os horizontes conceptuais do jazz. Depois do aclamado Universal Syncopations de 2003, em que tocou, num raro quinteto de estrelas, com Jan Garbarek, Chick Corea, John McLaughlin e Jack deJohnette, explorou novos caminhos neste Universal Syncopations II, projecto pessoal gravado entre Novembro e Abril de 2005 e que consiste numa peça para ensemble, orquestra e coro, composta, arranjada, dirigida, produzida, misturada e masterizada por Miroslav Vitous. Conta ainda com a participação de Randy Brecker, Bob Malach, Bob Mintzer, Gary Campbell, Daniele di Bonaventura, Adam Nussbaum e Gerald Cleaver, além da voz da soprano checa Vesna Vasko-Caceres e da imensa biblioteca de sons patenteada de Vitous.
Uma obra arrojada, profundamente experimental e original, onde o jazz improvisado percorre caminhos novos de fusão com a música contemporânea vanguardista, designadamente pela adição de inúmeros elementos orquestrais e corais na peça.
O resultado é interessante mas dificilmente acessível ou apelativo. Aparte a incursão pelo lirismo mediterrânico de Mediterranean Love, muito por culpa do trabalho de Daniele di Bonaventura no bandoneón, o resto do disco percorre caminhos algo tortuosos onde o virtuosismo dos músicos envolvidos, mormente do contrabaixo de Vitous, omnipresente e com momentos de técnica verdadeiramente sublime, contrastam com o complexidade melódica, harmónica e até rítmica dos temas, o que não facilita o trabalho do ouvinte.
Ambientes intensos e dramáticos, particularmente os corais, de cariz abstracto e ocasionalmente surrealista, revelam uma obra quase provocatória, deliberadamente atentatória dos padrões musicais convencionais e do jazz em particular. Alguém lhe chamou uma amálgama de texturas deslocadas…
Em The Prayer, Vitous revela um ambiente fantástico com ecos do onirismo de Garbarek e em que a presença da orquestra consegue apaziguar os sons primordiais do ensemble (particularmente da percussão e sopros). Em Solar Giant é a grandiosidade dramática dos metais que desafia os sentidos do melómano. Há inclusivamente espaço para um lirismo impressionista e ambiental em temas como Mediterranean Love, Gmoong e Moment, em claro contraste com o coro misterioso e perturbador de Universal Evolution.
Uma obra soberba mas extremada. Uma viagem, guiada por extraordinários intérpretes liderados pelo contrabaixo de Vitous, pelas fronteiras da musicalidade contemporânea. Uma provocação assumida ao status quo do jazz actual.
Especialmente recomendada para os mais sedentos de conflitos conceptuais.

Enrico Rava & Richard Galliano - Spleen



Um tema nostálgico excelentemente trabalhado por Rava no trompete e (provavelmente) por Rita Marcotulli no piano. Com Richard Galliano no acordeão e no contrabaixo Enzo Pietropaoli.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Nostalgia em Lugano


Enrico Rava & Stefano Bollani
The Third Man
ECM 2007
14,5/20

Enrico Rava e Stefano Bollani tocam juntos há mais de dez anos. Este disco é bem o exemplo do enorme grau de entendimento que conseguiram alcançar nessa sua longa colaboração, apesar da enorme diferença de idades (Bollani nasceu em 1972 ao passo que Rava em 1939).
Enrico Rava é indiscutivelmente um dos mais experientes e admirados trompetistas europeus da actualidade e em plena forma. A prová-lo esteve o belíssimo espectáculo com que presenteou o público português em 16 de Fevereiro passado no CCB, onde Bollani fez falta (como na altura tive ocasião de referir e com todo o respeito pelo inegável talento de Andrea Pozza).
Stefano Bollani é um dos mais talentosos pianistas da sua geração galardoado recentemente com o European Jazz Prize as Musician of the Year 2007.
Estes dois músicos excepcionais juntaram-se sob a batuta de Manfred Eicher no Auditorio Radio Svizzera em Lugano e elaboraram um disco belo e nostálgico, uma homenagem sentida e assumida ao film noir e a Orson Welles (depois de Rava em 2004 e também para a ECM ter homenageado Jacques Tati no seu disco homónimo).
O ambiente cinemático faz-se sentir sobremaneira neste trabalho, composto quase só por originais dos dois músicos envolvidos e aos quais juntaram o clássico de Tom Jobim, Retrato em Branco e Preto (em duas declinações, mais minimalista a primeira e mais lírica a segunda, onde Bollani exibe o mais belo solo do disco e demonstra o porquê da enorme admiração que vai suscitando, um pouco por todo o lado) e ainda o velhinho Estate de Bruno Martino, tema que se vai afirmando progressivamente como um standard, desde que Chet Baker pegou nele e o traduziu para a linguagem jazzística.
Um disco gravado apenas com piano e trompete assume-se forçosamente como um projecto carregado de lirismo. Se ainda por cima o transformam numa evocação nostálgica dos ambientes cinemáticos dos anos 30 a 40 esse lirismo adquire contornos românticos, uma estética nocturnal, onírica e impressionista digna de Debussy.
É esse marcadamente o caso deste Third Man (até o título é evocativo da mítica obra de Carol Reed, obra-prima do film noir de 1949) onde as referências cinematográficas não se esgotam no título que lhe dá nome ou sequer na celebrada obra de Orson Welles. Há neo-realismo italiano em Cumpari, vê-se Totó a correr pelas ruas semi-destruídas de Roma em In Search of Titina e não pude deixar de imaginar as angústias existênciais de Woody Allen em Manhattan ao ouvir o tema Felipe.
Ocasionalmente o lirismo nostálgico do disco exibe laivos de expressionismo, como em The Third Man, Birth of a Butterfly (primeira variação) ou Cumpari. Mas não chega nunca a arrefecer os ânimos. Rapidamente reentra na toada lenta e introspectiva de uma late night jazz.
Um disco belo para ouvir sozinho e pela noite dentro… Naquelas ocasiões em que a nostalgia ataca.

Oiçam o tema Spleen por Enrico Rava e Richard Galliano.

domingo, 27 de abril de 2008

The Bob Belden Orchestra (com Marc Copland) - Genesis



Marc Copland integrando a Orquestra de Bob Belden, com Tim Hagans no trompete e Lawrence Feldman no saxofone alto, nos estúdios da Sony em Nova Iorque, em Maio de 2000. Excerto do documentário Black Dahlia.

Marc Copland Quarteto na Culturgest


Marc Copland nasceu em 1948 em Philadelphia, Pennsylvania. Abraçou muito cedo o jazz, primeiro como saxofonista, onde alcançou alguma projecção na sua cidade natal, antes de se mudar para Nova Iorque e conhecer John Abercrombie e Chico Hamilton, com quem começou a tocar. Insatisfeito com a sua música desistiu do sax e foi aprender piano… Só passados 10 anos (já na década de 80) reapareceu, agora como pianista de inegável talento. Como sideman tocou com Bob Belden, Jane Ira Bloom, Joe Lovano, Tim Hagans, James Moody e Wallace Roney entre muitos outros.
Formou então o seu trio com Gary Peacock e Billy Hart com quem gravou At Night, para a Sunnyside e Paradiso para a Soul Note. Já nos anos 90 gravou três obras marcantes para a Savoy com o quinteto formado com Randy Bracker, Bob Berg e Dennis Chambers e em quarteto com John Abercrombie, Drew Gress e Billy Hart. Gravou ainda em duo com Gary Peacock, Bill Carrothers e com Greg Osby, para além de trabalhos e espectáculos a solo.
Nos seus trabalhos mais recentes encontramo-lo em trio ao lado de Gary Peacock, Paul Motian, Bill Stewart, John Abercrombie e Kenny Wheeler. Em duo com Randy Brecker ou Greg Osby, ou a solo.
Mas é em quarteto que vamos ter ocasião de o ouvir esta semana na Culturgest, acompanhado do saxofone de Greg Osby, da bateria de Bill Stewart (que regressa assim a Portugal, escassas duas semanas após a sua memorável actuação na Aula Magna com John Scofield) e do contrabaixista John Hebert.
Um espectáculo a não perder, no mesmo dia em que os portuenses vão poder ouvir Jason Moran na Casa da Música, outro pianista de enormes recursos que pudemos admirar em 2007 em Lisboa, na Culturgest, a acompanhar Charles Lloyd num concerto extraordinário. Há semanas assim…

Vejam Marc Copland integrando a Orquestra de Bob Belden no tema Black Dhalia

Agenda Jazz (28 de Abril a 4 de Maio)


2ª Feira - 28 de Abril

22.00h – Casa da Música (Porto) - Bernardo Sassetti & convidados «Homenagem a Charlie Parker - Bebop, Bird & Beyond»
22.00h – Forúm Fnac (Coimbra) - Jacinta

3ª Feira – 29 de Abril

18.30h – Fórum Fnac (Almada) – Couple Coffee
21.30h – Culturgest (Lisboa) - Marc Copland Trio
21.30h – Fórum Fnac (Alfragide) – Joel Xavier
22.00h – Casa da Música (Porto) - Jason Moran «In My Mind: Monk at Town Hall, 1959»
22.30h – Ondajazz (Lisboa) - Big Band Reunion (dir. Claus Nymark)
22.30h – Forum Fnac (Coimbra) – Júlio Pereira
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Júlio Resende Trio + Perico Sambeat

4ª Feira – 30 de Abril

21.00h - Fórum Fnac (Cascais) – Couple Coffee
21.30h – Coliseu dos Recreios (Lisboa) – Joe Satriani
21.30h - Teatro Cine (Torres Vedras) - Meredith Monk & Vocal Ensemble
22.00h - Espaço Cultural Pedro Remy (Braga) - Septeto do Hot Clube de Portugal
22.00h – Centro Cultural Olga Cadaval (Sintra) – Jacinta
22.30h - Fórum Fnac (Cascais) – Joel Xavier
22.30h – Ondajazz (Lisboa) - Triângulo
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Yuri Daniel Quartet
23.00h – Hot Five (Porto) - Jam Session Porto All Stars

5ª Feira – 1 de Maio

21.30h - Coliseu (Porto) – Joe Satriani
22.00h – Centro de Artes do Espectáculo (Portalegre) – Meredith Monk & Vocal Ensemble
22.45h – Cafetaria Quadrante CCB (Lisboa) - Zé Pedro Coelho, Jeffery Davis, Demian Cabaud
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Jorge Reis, Luís Cunha, Afonso Pais, Nelson Cascais e João Rijo

6ª Feira – 2 de Maio

23.00h – Hot Five (Porto) – Miguel Braga “Transa Atlântica”
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Jorge Reis, Luís Cunha, Afonso Pais, Nelson Cascais e João Rijo
23.30h – Ondajazz (Lisboa) - Júlio Resende, Perico Sambeat, João Custódio, José Salgueiro

Sábado – 3 de Maio

21.30h – Culturgest (Lisboa) - Sei Miguel
23.00h - Hot Five (Porto) – Miguel Braga “Transa Atlântica”
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Jorge Reis, Luís Cunha, Afonso Pais, Nelson Cascais e João Rijo
23.30h – Ondajazz (Lisboa) – Filipe Gonçalves & The Shortcuts 5tet

Domingo – 4 de Maio

22.00h – Auditório Municipal (Lousada) - António Pinho Vargas e Zé Nogueira

Samuel Quinto - La Fiesta



Admirem o virtuosismo de Samuel Quinto no piano, descontraindo à volta do clássico La Fiesta de Chick Corea...

Magia Latina


Samuel Quinto Trio
Latin Jazz Thrill
Numérica 2007
17/20

Samuel Quinto é um pianista brasileiro de 34 anos, radicado em Portugal (mais precisamente na cidade do Porto) desde 2004. Com os seus compatriotas Edamir Costa (docente na escola de jazz do Porto) e Gil “Batera” formou em 2005 o Samuel Quinto Trio e tem feito o giro dos bares de jazz do norte e centro do país, particularmente da cidade invicta (podem vê-los regularmente no Hot Five).
Em 2007 gravaram para a Numérica este seu primeiro CD ”Latin Jazz Thrill”, gravado ao vivo nos estúdios da editora em Paços de Brandão, com produção de Fernando Rocha.
E posso afirmar que o título do disco não é nada optimista… Se peca por alguma coisa é por defeito, tanto é o talento e a energia investidos neste trabalho!
Quinto é um pianista de amplos recursos, de técnica soberba e com um ritmo contagiante como só os latino-americanos sabem demonstrar. Autor de três originais incluídos no disco bem como de todos os arranjos do mesmo, encontrou em Edamir Costa e Gil “Batera” os parceiros ideais para espalhar o seu talento pelas salas de espectáculo do mundo. O primeiro é um baixista talentoso e versátil. Além de se entender superiormente com os seus pares no suporte rítmico dos temas, mostra-se capaz de acompanhar melodicamente as arrancadas virtuosas do pianista (por vezes com recurso ao slap bass) de forma enérgica e inspirada. O segundo é um poço de energia, capaz de transformar o seu instrumento numa bateria de escola de samba que cativa os ouvintes pela riqueza rítmica que transmite e que se mostra tão à-vontade nas salsas e rumbas cubanas quanto nos baiões e sambas do seu Brasil natal. Um verdadeiro fenómeno responsável por uma parte significativa do sucesso desta gravação.
As influências notórias do trio vêm das Caraíbas, nomeadamente do dominicano Michel Camilo (sobretudo os trabalhos desenvolvidos com o seu trio) do cubano Gonzalo Rubalcaba e até do norte-americano Chick Corea, que contribui com dois temas para o disco (Spain e Armando’s Rhumba), que constituem dois dos pontos mais altos do mesmo. Os outros temas emprestados são os standards norte-americanos Night And Day, de Cole Porter, e Summertime, de George Gershwin (ambos completamente remodelados pela estética latina do trio e com exuberantes solos de percussão) e temas brasileiros: Água de Beber, de Tom Jobim (que está fantástico, com uma alegria e vivacidade contagiantes, que ultrapassam amplamente o original), o medley nordestino Asa Branca/Qui Nem Jiló, de Luiz Gonzaga (uma incursão plenamente conseguida pelo baião) a balada Caçador de Mim, de Milton Nascimento e a fechar o samba clássico baiano de Ary Barroso, Sandália de Prata.
Apesar da indiscutível qualidade demonstrada pelo jazz nacional nos últimos anos, há ainda pouca gente a dedicar-se ao maravilhoso mundo dos sons latinos (mesmo os poucos trabalhos de fusão que têm teimosamente aparecido, esbarram frequentemente com a inércia das editoras, incapazes de apostar na diferença riquíssima destes projectos). É pois duplamente de saudar este Latin Jazz Thrill do Samuel Quinto Trio: pela enorme qualidade dos músicos envolvidos e do trabalho realizado e pela “ousadia” da Numérica (obscura editora portuense) em apostar neles. Oxalá outros lhes seguissem o exemplo.

Vejam o tema La Fiesta de Chick Corea, em solo de piano por Samuel Quinto.

sábado, 26 de abril de 2008

Novos Discos




Roberta Gambarini - My Shining Hour


Tema gravado ao vivo no Jazz Baltica 2004 e onde a cantora italiana é acompanhada por Slide Hampton, no trombone, Johnny Griffin, no saxofone e Roy Hargrove no trompete.

Late Night Jazz com Roberta Gambarini


Roberta Gambarini & Hank Jones
You Are There
Emarcy 2007
15,5/20

Roberta Gambarini é uma jovem cantora italiana, natural de Turim. Depois de se dedicar ao clarinete durante a adolescência começou a cantar aos dezassete anos pelos bares da sua cidade natal e mais tarde de Milão, onde ganhou notoriedade. Em 1998 mudou-se para os Estados Unidos, aproveitando uma bolsa de estudo de dois anos no New England Conservatory em Boston, e resolveu inscrever-se no prestigiado Thelonious Monk International Jazz Vocal Competition, onde conseguiu um terceiro lugar (a vencedora foi Jane Monheit…). Aparentemente foi o suficiente para começar a ser requisitada pelos mais emblemáticos músicos de jazz norte-americanos de Herbie Hancock a Toots Thielemans. Em 2004 passou pela Dizzy Gillespie All Star Big Band onde actuou com James Mood, Paquito d’Rivera e Roy Hargrove, entre outros. Formou o seu trio em 2006, ano em que editou igualmente o primeiro disco “Easy to Love”, imediatamente nomeado para o Grammy de melhor disco de jazz vocal do ano…
Este é pois o seu segundo trabalho discográfico, com a particularidade, desta feita, de ser acompanhada apenas pelo piano de Hank Jones, com quem Gambirini já vem trabalhando desde 2001 (ao que parece o entendimento entre os dois é tal que o disco foi gravado numa tarde, quase sempre ao primeiro take…).
“You Are There” é um disco de standards, embora seja notória uma preocupação de fugir dos temas mais gravados do cancioneiro popular norte-americano (ainda assim estão lá Lush Life de Billy Strayhorn ou Stardust de Hoagy Carmichael), aproveitando antes excelentes composições esquecidas mas renovadas pela bela, límpida e sensual voz de Gambarini, acompanhada pelo experiente Hank Jones ao piano (o lindíssimo tema de abertura que dá título ao disco, da autoria de Johnny Mandel, ou o blues Suppertime de Irving Berlin, são bons exemplos disso mesmo).
Apesar desse esforço repristinatório (ou porventura por causa dele) o tom geral do álbum é o de uma late night jazz, extremamente competente mas informal e essencialmente revivalista. Não há grande espaço para inovação nem os músicos arriscam muito, mas indiscutivelmente o que fazem, fazem-no muito bem. Gambarini tem uma voz perfeita, brilhante e carregada de swing (a ponto de já lhe terem chamado a herdeira de Ella Fitzgerald… mas quantas vezes já ouvimos este epíteto?) e Hank Jones é um pianista da velha guarda, particularmente à-vontade nos blues (o seu solo em Just Squeeze Me, de Duke Ellington, é magnífico) e perfeitamente enquadrado nos objectivos e ambições deste trabalho.
Seguramente um disco talhado para o sucesso.

Veja Roberta Gambarini no tema My Shining Hour ao vivo no Jazz Baltica 2004.

Tomasz Stanko Quartet - Tale



Oiçam o tema "Tale" de Tomasz Stanko, acompanhado por Marcin Wasilewski no piano, Slawomir Kurkiewicz no contrabaixo e Michal Miskiewicz na bateria, admirando as belas imagens do Inverno polaco, num inspirado slideshow da autoria de Olek Cortazar.

Jazz Impressionista


Marcin Wasilewski Trio
January
ECM 2008
16/20

Marcin Wasilewski é um jovem pianista polaco, nascido em 1975, formado pelo Koszalin High School of Music, onde conheceu Slawomir Kurkiewicz, datando a sua colaboração desde os tempos de escola, com apenas 15 anos de idade. Pouco depois conheceram Michal Miskiewicz e formou-se o trio. O reconhecimento internacional surgiria em 2001, pela sua colaboração na gravação do disco “Soul of Things” de Tomasz Stanko. Desde então passaram a integrar a formação do veterano trompetista polaco, quer em múltiplas digressões internacionais (passaram pela Culturgest em 20 de Fevereiro passado), quer em posteriores registos como o mais recente “Lontano”.
Enquanto trio gravaram em 2004 para a ECM o Simple Acoustic Trio, disco de estreia auspiciosa onde se puderam constatar as enormes capacidades do trio e o seu estilo elegante e coloquial de interpretar o jazz, claramente influenciado pela escola nórdica (ao que não será de todo alheia a produção de Manfred Eicher).
Este novo trabalho foi gravado em 2007 em Nova Iorque, uma vez mais com produção de Eicher para a ECM. É composto por cinco originais de Wasilewski aos quais juntaram os temas Vignette de Gary Peacock, Cinema Paradiso de Ennio Morricone (o tema romântico do filme), King Korn de Carla Bley, Balladyna do seu mentor Tomasz Stanko (gravado originalmente para a ECM no preciso ano do nascimento de Wasilewski) e ainda o inesperado Diamonds & Pearls de Prince.
Se quisesse resumir este trabalho numa única palavra teria se lhe chamar impressionista. Na verdade o modo elegante, sofisticado e por vezes coloquial como os temas são trabalhados pelo trio remetem de imediato para as pinceladas inspiradas de Monet, Degas ou Renoir. Wasilewski é um pianista capaz de transmitir uma profunda beleza nas suas melodias, entendendo-se maravilhosamente com o excelente Kurkiewicz no contrabaixo, com um fraseado atraente e fantasista, capaz de partilhar melodias com o piano ou contrapô-las com enorme à-vontade e a propósito (rubrica solos notáveis nomeadamente nos temas Balladyna, The Cat e The Young and Cinema). Miskiewicz por seu turno é um baterista minimalista que enriquece o som do trio através de subtis mas rebuscadas texturas.
O resultado é um som inconfundível, marcadamente ECM naquilo que a etiqueta alemã melhor representa no jazz moderno. Inspirado e inspirador.
Um disco extremamente homogéneo com dois ligeiros desvios, em Balladyna e sobretudo em King Korn, onde se sentem laivos de jazz mais livre e abstracto e também em The Young and Cinema onde o carácter cinemático do tema remete para ambientes mais swingados e revivalistas dos sixties.
Indiscutivelmente um trabalho maior de três dos melhores representantes da nova geração do jazz polaco e europeu, digno de uma audição atenta e amplamente compensadora.

Veja-se o trio em acção com Tomasz Stanko no tema "Little Thing Jesus" e bem assim no tema "Tale".

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Perico Sambeat Trio & Pat Metheny


O tema é Soul Cowboy e foi gravado pela TVE no Festival de Jazz de Vitoria-Gasteiz de 2003. A acompanhar Sambeat e Metheny estão Marc Miralta na bateria e Chris Higgins no contrabaixo.

Júlio Resende & Perico Sambeat no Salão Brasil em Coimbra


O JACC - Jazz ao Centro Clube celebra na próxima quarta-feira dia 30 de Abril o seu quinto aniversário. Aqui ficam desde já os meus parabéns.
Para o celebrar irá fazer a apresentação pública do programa do "Jazz ao Centro - Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra, 2008", no Salão Brasil em Coimbra, seguindo-se um concerto com o Júlio Resende Trio "da Alma" acompanhado pelo saxofonista convidado Perico Sambeat, com José Salgueiro na bateria e João Custódio no contrabaixo.

Em jeito de antecipação deste magnífico concerto (que, recordo aos lisboetas, também vai passar pelo Hot Club, Ondajazz e Braço de Prata) aqui ficam as palavras inspiradoras deste talentoso e jovem pianista português:

"Diz-se que é nos sonhos que as almas abandonam a sua prisão-corpo e viajam sem os constrangimentos das leis físicas, atravessando paredes, quebrando distâncias. Daí que nos sonhos possamos fazer coisas sobre-humanas. Somos nos sonhos maiores do que o próprio mundo, porque nos sonhos somos o próprio mundo, criamo-lo. O que anseio da minha música é esta liberdade criadora que a alma possui nos sonhos, e é no Jazz e na sua valorização da liberdade que a minha alma encontrou o seu sonho.»

Júlio Resende

Laranja Doce


Demien Cabaud
Naranja
TAOP 2007
16/20

Demian Cabaud é um jovem contrabaixista argentino (nasceu em Buenos Aires em 1977) radicado em Portugal que, presentemente e no seu instrumento, é um dos músicos mais solicitados do panorama jazzístico nacional, integrando a Orquestra Jazz de Matosinhos e o mais recente projecto de Maria João, entre muitas outras e relevantes colaborações nacionais e estrangeiras.
Começou a sua formação musical na Argentina mas cedo se internacionalizou. Primeiro em São Paulo, no Brasil, depois com uma passagem marcante pelo Berklee Colege of Music em Boston e mais tarde em Portugal e na Escola de Jazz do HCP onde iniciou uma prolifera colaboração com a fina-flor do jazz nacional. E ainda bem que assim foi porquanto Cabaud tem-se mostrado um músico de enormes capacidades, uma indiscutível mais-valia para o jazz nacional, apesar da sua juventude.
Este é o seu primeiro disco como líder, gravado para a TOAP de André Fernandes nos Estados Unidos, com produção de Ohad Talmor, Zuco de Cromatizao e o próprio Damien Cabaud, com mistura e masterização de André Fernandes. E pode dizer-se que é uma estreia de luxo.
Composto exclusivamente por originais de Cabaud, escolheu para acompanhá-lo uma equipa de extraordinários músicos: os norte-americanos Phil Grenadier e Gerald Cleaver, respectivamente no trompete e bateria, o seu compatriota Leo Genovese no piano e o francês Ohad Talmor (que também co-produz o disco) no saxofone tenor. E a equipa revela-se plenamente conseguida.
Gerald Cleaver assina um impressionante registo na bateria, com um trabalho notável no enriquecimento rítmico dos temas de Cabaud. Seja pelo perfeito entendimento que revela com o argentino, seja ainda pela assinalável fantasia nos ritmos e texturas com que marca indelevelmente este trabalho. Cabaud está ao seu melhor nível de sempre. Se por um lado surpreende assinando todos os temas do disco, na sua maioria notáveis e apelativos, por outro mostra-se maduro e autoritário (no bom sentido) na liderança do grupo, legando solos (como em Naranja ou sobretudo em Olha) e contrapontos (Grounding ou Evanescente) inspirados, fruto de um inegável talento.
Apesar de ser, manifestamente, um disco comandado pela secção rítmica, revela ainda o talento de Talmor no sax tenor, sobretudo nos fluentes diálogos que trava com o trompete de Phil Grenadier. Este último exibe uma inegável originalidade na abordagem do seu instrumento, com um fraseado solto e eficaz, se bem que directo e algo metálico(por oposição à elegância dogmática da escola de Miles Davis). Quanto a Genovese mostra-se um pianista de amplos recursos com uma técnica notável e uma apurada capacidade inventiva no fraseado musical. Rigoroso mas fantasista e revelador de um assinalável swing é, também ele inevitavelmente, um personagem maior deste Naranja que surge pleno de sumo e com a doçura no ponto ideal.
Num disco essencialmente homogéneo, não posso contudo terminar sem fazer referência à ousadia criativa do tema The Painter, que encerra o álbum. É seguramente a composição mais ambiental e conceptual do disco, mas também a que mais arrisca. Assume musicalmente nada mais, nada menos do que o processo criativo artístico (que no título remete para o pintor, mas poderia muito bem encaixar com igual inspiração no músico ou no escritor). Das notas ambientais dispersas de um início confuso apura-se, ao piano, uma melodia e uma cadência, que vão crescendo e tomando forma ao sabor da entrada dos restantes instrumentos que compõem o quinteto. O tema corporiza-se num triunfalismo crescente e celebrante, quase apoteótico, da obra almejada e finalmente terminada. Uma verdadeira suite à criação artística este inspirado tema de Cabaud, que merece uma reverencial chapelada.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Jazz Ao Centro 2008



Vai decorrer de 2 a 15 de Junho mais uma edição do festival Jazz ao Centro, que contará, desta feita, com a presença dos músicos Carlos Zíngaro, Simon H. Fell, Júlio Resende, Agustí Fernandez, Barry Guy, Ramón Lopez Aurora, Michaël Attias, JWO, Ravish Momin, Heléne Labarriérre e Alberto Pinton.

Programa do Hot Club de Portugal para Maio


1, 2 e 3 de Maio às 23:00
J. Reis/L. Cunha/A. Pais

Jorge Reis sax alto
Luís Cunha tromb
Afonso Pais guitar
Nelson Cascais ctb
João Rijo bat
João Rijo

8, 9 e 10 de Maio às 23:00
Pedro Madaleno "Dissidentes"

Pedro Madaleno guitar
Miguel Amado bx
Bruno Pedroso bat

15, 16 e 17 de Maio às 23:00
Albert Sanz Trio

Albert Sanz piano
Masa Kamaguchi ctb
R. J. Miller bat

21 e 22 de Maio às 23:00
Nelson Cascais Quinteto

Pedro Moreira sax ten
João Paulo piano
André Fernandes guitar
Nelson Cascais ctb
Iago Fernandes bat

23 e 24 de Maio às 23:00
Alípio C. Neto Trio

Alípio C. Neto sax ten
Masa Kamaguchi ctb
Clarence Becton bat

29, 30 e 31 de Maio às 23:00
Carlos López Quarteto

Voro García tp
Oscar da Graça piano
Kin García ctb
Carlos López bat

terça-feira, 22 de abril de 2008

Jazz na Culturgest

A Culturgest já nos habituou a uma programação riquíssima na área do jazz ( e não só...), a qual associada à excelente qualidade dos seus auditórios e à atractiva política de preços dos bilhetes (comedidos e aos quais se juntam muitos e variados descontos) faz da apresentação de cada um dos seus programas um acontecimento importante que não pode passar despercebido a nenhum jazzómano convicto.
Da programação para os meses de Abril, Maio, Junho e Julho de 2008, recentemente divulgada, destacam-se os seguintes concertos, seguramente a não perder:

29/04/2008 - Grande Auditório (21.30h) - Marc Copland, Greg Osby, John Hebert & Bill Stewart;


03/05/2008 - Pequeno Auditório (21.30h) - Sei Miguel


07/05/2008 - Grande Auditório (21.30h) - Luiz Tatit


30/05/2008 - Grande auditório (21.30h) - Toumani Diabaté


09/06/2008 - Pequeno Auditório (21.30h) - Michaël Attias Quintet


21/06/2008 - Grande Auditório (21.30h) - Carlos Bica + Matéria-Prima


Eu já garanti presença e é minha intenção dar notas destes excelentes concertos neste blogue.

Rendez Vous - Festival Jazz de Setúbal


E como não há duas sem três, também em Julho vai ter lugar a primeira edição do Rendez-Vous, Festival de Jazz de Setúbal, dividido entre o Fórum Municipal Luísa Todi e a Sociedade Musical Capricho Setubalense.
Com preços simpáticos (Passe de 3 dias - 35€; Bilhete diário (Plateia) - 15€; Bilhete diário (Tribuna) - 10€, à venda a partir de dia 14 de Abril na bilheteira do Fórum Municipal Luísa Todi, e nas lojas Bliss, Fnac, Livraria Bulhosa (OeirasPark e C.C.Cidade do Porto), Lojas Viagens ABREU, Worten Postos Megarede e http://www.ticketline.pt), apresenta o seguinte programa provisório:

1º Dia (Quinta, 10 de Julho)
21:30 - Acto de Abertura do Festival
21:35 – JOÃO PAULO / RICARDO DIAS / PETER EPSTEIN (Fórum Municipal Luísa Todi)

2º Dia (Sexta, 11 de Julho)
21:30 – BERNARDO SASSETTI (Fórum Municipal Luísa Todi)
00:00 – AFTER HOURS (artista por definir) (Sociedade Musical Capricho Setubalense)

3º Dia (Sábado, 12 de Julho)
21:30 – Acto de Encerramento 21:35 – JÚLIO RESENDE 4TETO (Fórum Municipal Luísa Todi) 00:00 – AFTER HOURS (artista por definir) (Sociedade Musical Capricho Setubalense)

Ficam aqui os votos do maior sucesso a mais esta iniciativa meritória de divulgação do jazz e dos seus bons intérpretes.

Festival Allgarve Jazz 2008


Julho vai ser o mês de todos os festivais... Quem não puder deslocar-se ao Estoril por estar de férias no Algarve, não desespere! O Jazz vai consigo de férias com o Allgarve Jazz 2008. Herbie Hancock, Dee Dee Bridgewater e Manhattan Transfer fazem parte do programa.
É caso para ponderar bem a marcação das suas férias.

Estoril Jazz 2008



Já estão à venda os bilhetes para o Estoril Jazz 2008. Chamo a atenção para a campanha antecipada de assinaturas: quem comprar até 15 de Maio pode assistir aos sete concertos por 80,00€ (poupando 100,00€)! Aproveitem enquanto é tempo...

Melody Gardot - Worrisome Heart

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Simples e Profundo


Melody Gardot
Worrisome Heart
Verve 2008
17/20

Melody Gardot tem 22 anos e é o novo fenómeno de popularidade da música norte-americana. Nasceu em 1985 em New Jersey mas é em Philadelphia que vive e despertou para a música. Aos 19 anos sofreu um grave acidente de bicicleta que a colocou numa cadeira de rodas e a deixou com graves lesões cerebrais. A terapia pela música ajudou-a a recuperar mas também a iniciar uma carreira de sucesso. Gravou temas tocados e cantados por si (ainda hospitalizada) que acabaram compilados num disco, Some Lessons, The Bedroom Sessions. Um DJ da rádio local (que já tinha ajudado a lançar Amos Lee e Norah Jones) ouviu e gostou. Fê-la conquistar o airplay de Philadelpia primeiro e depois a Internet, com o disco a bater records de download. Assim começou a carreira musical de Melody Gardot, que rapidamente assinou contrato com a Verve e gravou este Worrisome Heart, composto exclusivamente por originais escritos por si e produzido pela própria e por Glenn Barratt, produtor já galardoado com um Grammy, acompanhada por excelentes músicos como o guitarrista Jef Lee Johnson (habituado a acompanhar Aretha Franklin ou Billy Joel) ou o organista Joel Bryant (Aretha Franklin e Harry Connick Jr.).
O resultado é excelente. Um disco intimista e homogéneo, composto sobretudo por baladas, numa verdadeira homenagem à Americana. Junta influências do blues (particularmente do R&B que a presença do órgão imediatamente evoca), do folk e country (nomeadamente em temas como Sweet Memory ou One Day) e até do jazz (Goodnite, talvez o tema mais conseguido do álbum). O som retro e fortemente inspirado nos anos cinquenta e sessenta (embora revisto e actualizado pela excelente produção) relembra os sucessos recentes de Norah Jones, Madeleine Peyroux ou Katie Melua, mas com uma personalidade própria marcada pela voz segura e expressiva de Gardot, bem como pelas conseguidas presenças da guitarra de Jef Lee Johnson, do órgão de Bryant ou do trompete de Patrick Hughes. O blues é rei neste disco, seja em toada lenta como na litania Love Me Like a River Does, seja na forma alegre e quase dançável de Quiet Fire. O dramatismo é acentuado pela presença ocasional das cordas nos temas Gone e Some Lessons. Em suma, uma obra de grande valor que augura os maiores sucessos para esta jovem cantora norte-americana.

Veja o tema Worrisome Heart ao vivo na NBC

domingo, 20 de abril de 2008

sábado, 19 de abril de 2008

Marta Hugon - Too Close For Confort

Destaque da Semana – Steve Smith & Vital Information


Nascido no Massachussets, em 1954, começou a estudar bateria com 9 anos, em 1963, com Bill Flanagan, com quem tocou durante os anos 60 em Big Bands. Em 1972 ingressou no Berklee College of Music, em Boston, onde estudou com professores como Gary Chaffee e Alan Dawson.

Iniciou a carreira profissional em 1974, com 19 anos, na Big Band de Lin Biviano, onde permaneceu e gravou durante dois anos. Durante esse período tocou ainda com Buddy deFranco e fez parte do grupo de free jazz, The Fringe, com George Garzone. Em 1976 iniciou a sua colaboração com Jean-Luc Ponty com quem gravou o disco "Enigmatic Ocean" (Atlantic 1977) o qual contou ainda com a colaboração do guitarrista Allan Holdsworth.

Nessa altura conheceu Ronnie Montrose que o convidou a fazer parte do grupo rock Journey, com quem viajou por todo o mundo e gravou inúmeros álbuns de sucesso entre os quais "Escape" (Columbia 1981) e "Frontiers" (Columbia 1983). Com os Journey vendeu mais de 50 milhões de discos, em todo o mundo!

Em 1985 deixou os Journey para se dedicar à sua antiga paixão pelo jazz. Não deixou, no entanto e como sideman, de tocar e gravar com alguns dos maiores ícones do pop e rock mundiais, entre eles Mariah Carey, Bryan Adams, Zucchero, Andrea Bocelli, Ray Price e Savage Garden.

A sua banda de jazz de fusão, Vital Information, foi fundada em 1983, ainda membro dos Journey. Dela fazem parte Tom Coster nos teclados, Baron Browne no baixo e Vinny Valentino na guitarra. O seu último disco é datado de 2007 e chama-se “Vitalization”, gravado pela Hudson Music. É este o trabalho que será apresentado em Lisboa, no Cinema São Jorge.

Mantém ainda outra banda de jazz a Steve Smith’s Jazz Legacy, mais direccionada para o free jazz e que conta com Andy Fusco no saxofone alto, Walt Weiskopf no saxofone tenor e soprano, Mark Soskin no piano e Baron Browne no baixo.

Um espectáculo obrigatório para os apaixonados pelo jazz de fusão.

Veja o tema Side Way Blues, por Steve Smith & Vital Information.

Agenda Jazz - Semana 21 a 27 de Abril de 2008


2ª-feira, 21de Abril
21.30h – Cinema São Jorge (Lisboa) - STEVE SMITH AND VITAL INFORMATION – Steve Smith, bateria; Tom Coster, Teclados; Baron Browne, baixo; Vinny Valentino, guitarra

3ª-feira, 22 de Abril
22.30h – Ondajazz (Lisboa) – Big Band Reunion (Direcção Claus Nymark)
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Communion - Phil Grenadier tp; João Paulo piano; Nelson Cascais ctb; João Lencastre bat

4ª-feira, 23 de Abril
19.00h – Trem Azul (Lisboa) - Trisonte
23.00h – HotFive (Porto) – Jam Session Porto All Stars
23.00h – Ondajazz (Lisboa) - Triângulo - Thierry Riou: Piano; Carlos Massa: baixo; Milton Batera: bateria
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Communion - Phil Grenadier tp; João Paulo piano; Nelson Cascais ctb; João Lencastre bat

5ª-feira, 24 de Abril
22.30h – Braço de Prata (Lisboa) - Night Memories, António Cobra e Miguel Samora
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Benny Lackner Trio - Benny Lackner piano; Nelson Cascais ctb; Mathieu Chazarenc bat
23.00h – HotFive (Porto) – Combos da Escola de Música Valentim de Carvalho
23.00h - Servartes (Porto) – Quarteto Paulo Bandeira

6ª-feira, 25 de Abril
21.00h – Grande Auditório do CCB (Lisboa) - 20 Canções para Zeca Afonso
21.30h – Europarque (Santa Maria da Feira) - Jacinta
22.00h – Acert (Tondela) – Couple Coffee & Trigo Limpo – Co’as Tamaquinhas do Zeca
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Benny Lackner Trio - Benny Lackner piano; Nelson Cascais ctb; Mathieu Chazarenc bat
23.00h – Braço de Prata (Lisboa) – Júlio Resende
22.00h – Grande Auditório CC Vila Flor (Guimarães) – Steel Drumming toca Zeca Afonso
23.00h – Café Jazz CC Vila Flor (Guimarães) – Trio Nuno Marinho
23.00h - Servartes (Porto) – Trio Fino (Acácio Salero & Hugo Carvalhais)
23.30h – Malaposta (Odivelas) – Matita Pere –Tributo a Tom Jobim

Sábado, 26 de Abril
21.00h – Grande Auditório CCB (Lisboa) – Meredith Monk
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Benny Lackner Trio - Benny Lackner piano; Nelson Cascais ctb; Mathieu Chazarenc bat
23.00h – Bejazz (Barreiro) - Michel Mounier Trio + Alice Mexia
23.00h – HotFive (Porto) - Samuel Quinto Trio (Latin Jazz Thrill)
23.00h – Teatro Virgínia (Torres Novas) – Nicole Eitner
23.30h – Ondajazz (Lisboa) – Lusitânia - Carlos Martins: saxofone; Júlio Resende: piano; André Fernandes: guitarra; João Custodio: contrabaixo; João Rijo: bateria

Domingo, 27 de Abril
21.00h – Braço de Prata (Lisboa) - Nicole Eitner
21.00h - Bacalhoeiro (Lisboa) – Alípio C. Neto Trio

Steve Smith & Vital Information - Side Way Blues

Para Que Conste


John Scofield & Horns
18 de Abril de 2008 – 21.00h
Aula Magna – Lisboa
*****

Há concertos bons.
Há até músicos capazes de nos levarem às lágrimas…
E há aqueles que transmitem emoções inesquecíveis. Marcas indeléveis nos espíritos, tão profundas que os anos não conseguem apagar.
John Scofield tem esse dom.
Perdoem-me a toada melodramática, mas acabei de chegar do espantoso concerto que este guitarrista realizou na Aula Magna e estou ainda fora de mim, sob o efeito hipnótico da sua guitarra.
Não é tanto pela técnica, que é fabulosa. Isso seria (pasme-se!) demasiado banal. Nem tão pouco pela invejável capacidade de inovar, de alargar os horizontes do jazz e do seu instrumento, como poucos. Nem sequer pela forma admirável como Scofield se consegue renovar após mais de 30 anos de carreira discográfica. Prova insofismável de juventude e inteligência.
É sobretudo pela entrega. Verdadeiramente única.
Durante o espectáculo a sua guitarra transformou-se em parte integrante e essencial do próprio guitarrista. Uma fusão do homem e instrumento numa sublime metamorfose.
O resultado foi genial. E olhem que eu não acredito em génios (dos que brotam de lâmpadas ou das penas apressadas de escribas, que como eu, tentam em vão lavrar autos de emoções).
Mas acredito na genialidade. Na capacidade única do artista se despir esporadicamente da banalidade do cidadão comum e elevar-se, nas salas de espectáculos ou em qualquer outro local onde a arte, nas suas variadas formas, se materialize, perante os sentidos atónitos dos espectadores.
Hoje pude presenciar este fenómeno (quase paranormal).
Rendi-me à genialidade da obra do grande John Scofield e seus pares. Matt Penman no contrabaixo esteve exuberante (o neo-zelandês substituiu primorosamente o ausente Steve Swallow). Bill Stewart na bateria, poderoso e incansável. Phil Grenadier no trompete e fluguelhorn, um líder nos metais que soube elevar a actuação de Scofield a níveis estratosféricos, bem ajudado por Tom Olin e Frank Vacin, nos saxofones.
E sinto uma obrigação imperiosa de o registar (que mais posso fazer?).
Para que conste.

Vejam o vídeo do John Scofield Trio no Blue Note, NYC - Green Tea

quinta-feira, 17 de abril de 2008

TrioAngular


Bruno Santos
com Bernardo Moreira, Bruno Pedroso e Pedro Moreira
TOAP 2007
15/20

Bruno Santos é um jovem e talentoso guitarrista madeirense, uma das maiores promessas do jazz nacional actual. Nascido em 1976 no Funchal, iniciou os seus estudos no Conservatório local de onde transitou para o de Faro. Aí conheceu Zé Eduardo, o contrabaixista que já dirigiu a escola do Hot Club de Portugal, e começou a sua carreira ligada ao jazz. O passo seguinte foi naturalmente a escola de jazz Luís Villas-boas do HCP, em Lisboa, onde concluiu os estudos em 2000 e começou a leccionar em 2001.
Como líder, este é o segundo álbum que edita (depois de Wrong Way em 2005) ambos pela TOAP de André Fernandes (seu antigo professor na escola do Hot).
TrioAngular foi gravado entre o estúdio de Paulo Ferraz, no Funchal, a mítica sala do Hot Club na Praça da Alegria e o estúdio da TOAP, também em Lisboa, com produção do próprio Bruno Santos, mistura e masterização de André Fernandes. Conta com a participação de Bernardo Moreira no contrabaixo, Bruno Pedroso na bateria e ainda de Pedro Moreira no saxofone tenor em três temas: Glue, 343 e Soul Eyes.
Comparativamente a Wrong Way é um disco mais ambicioso, melhor produzido e nitidamente mais maduro. Desde logo porque Bruno Santos assina oito dos dez temas (os outros dois são Think of One de Thelonious Monk e Soul Eyes de Mal Waldron, com arranjos do próprio Bruno Santos). Mas também porque o guitarrista arrisca consideravelmente mais neste trabalho. Ao invés de buscar “protecção” num ensemble que, de alguma forma, assegure de forma distribuída a responsabilidade criativa e interpretativa do disco, aposta numa formação em trio (como referi apenas em três temas aparece o saxofone de Pedro Moreira) em que a guitarra assume total protagonismo e as maiores despesas melódicas e ocasionalmente harmónicas, bem secundada por uma secção rítmica composta pelo contrabaixo e a bateria. O resultado pode parecer por vezes minimalista, mas a guitarra de Bruno Santos soa maravilhosamente bem, como nunca conseguiu soar em Wrong Way.
Bruno Santos tem um fraseado musical muito próprio, rendilhado e sedutor, verdadeira filigrana na forma rica e delicada como se apropria dos temas. Ocasionalmente busca referências nos ritmos sul-americanos, particularmente na bossanova. Mas além de uma extraordinária técnica mostra ainda um assinalável talento como compositor e arranjador (é ele o pulmão por detrás dos recentes projectos do Septeto do Hot), sem contar com uma humildade e simpatia verdadeiramente ímpares.
Porém este TrioAngular não é um disco fácil. Longe disso. É uma obra de grande qualidade mas que exige tempo e paciência para se mostrar em toda a sua plenitude. Há temas que seduzem à primeira abordagem como Submerso (talvez o mais apelativo de todos), Aqui outra vez ou Hexágono. Mas na sua maioria, o carácter mais intimista e por vezes minimalista dos arranjos (quando comparado com os do quarteto Bruno Santos e Filipe Melo), dificulta a empatia imediata e exige do ouvinte um esforço adicional para conseguir penetrar no universo musical que lhe é proposto. Mas esse esforço é amplamente recompensado pelo brilhantismo dos solos, reforçado pelos contrapontos de Bernardo Moreira no contrabaixo e por vezes de Bruno Pedroso na bateria.
Uma pérola escondida este TrioAngular. Mas como sucede frequentemente nesses casos, são as que acabam por revelar maior pureza e brilho.

Á falta de vídeos deste TrioAngular, reveja-se e oiça-se o belíssimo trabalho do guitarrista madeirense no Angra Jazz, integrado no trio de Filipe Melo (com Bernardo Moreira no contrabaixo). Os temas são Moose the Mooche; When Lights Are Low e Kells & Blues

terça-feira, 15 de abril de 2008

Destaque da Semana - John Scofield


Esta semana o destaque vai inteirinho para o concerto de John Scofield na Aula Magna.
Nascido em Dayton, Ohio, em 26 de Janeiro de 1951, Scofield é um enorme guitarrista e compositor que colaborou com lendas do jazz como Miles Davis, Joe Henderson, Herbie Hancock, Pat Metheny, Pat Martino, Mavis Staples, George Duke ou Jaco Pastorius, entre outros.
Formado pelo prestigiado Berklee College of Music, acabou por deixar a escola para gravar com Chet Baker e Gerry Mulligan. Gravou em 1976 com Charie Mingus e foi substituir Pat Metheny no quarteto de Gary Burton.
No Outono de 1976 assinou contrato com a Enja e gravou o seu primeiro disco como líder: John Scofield, lançado em 1977.
Em 1982 juntou-se a Miles Davis em cuja banda permaneceu três anos e meio, durante os quais gravou três discos com o mestre: Star People, You're under Arrest e Decoy. No início dos anos 90 formou o seu quarteto com Joe Lovano.
Já com a Blue Note, gravou nesse período ainda com Charlie Haden, Jack deJohnette, Bill Stewart, Bill Frisell e Joey Baron.
Em 1994 gravou com Pat Metheny, Bill Stewart e Steve Swallow o álbum I Can See Your House From Here.
Em 1997 iniciou o seu período funk com o disco A Go-Go, com o trio Medeski, Martin & Wood bem como uma colaboração com o compositor britânico Mark-Anthony Turnage, com quem gravaria Scorched para a Deutsche Grammophon.
Nos seus trabalhos mais recentes gravou Überjam em 2002 e Up All Night em 2004 e no mesmo ano um disco ao vivo no Blue Note, em Nova Iorque, com Steve Swallow e Bill Stewart.
Em 2005 gravou um álbum de homenagem a Ray Charles que originou uma série de concertos com Mavis Staples.
Já em 2006 gravou This Meets That para a Emarcy ainda com o seu trio composto por Swallow, no contrabaixo, e Stewart na bateria, ao qual adicionou uma secção de metais composta por Phil Grenadier (trompete e fluguelhorn), Tom Olin (saxofone tenor e flautas) e Frank Vacin (sax barítono e clarinete).
Exerce funções de professor adjunto no Departamento de Jazz da New York University's Steinhardt School of Education.
É pois uma lenda viva do jazz que vamos poder ouvir esta sexta feira em Lisboa, na Aula Magna, apresentando precisamente o seu último trabalho gravado para a Emarcy.
Um espectáculo a não perder.
Para abrir o apetite aqui fica o tema Green Tea, ao Vivo em 2004 no Blue Note, em Nova Iorque.

6ª Feira, 18 de Maio, às 21.00h na Aula Magna em Lisboa.

Green Tea ao vivo no Blue Note, NYC

John Scofield - Green Tea

domingo, 13 de abril de 2008

Contadora de Histórias


Marta Hugon
Story Teller
Iplay 2008 .
16/20

Cantora de formação clássica cedo despertou interesse pelo jazz, o que a levou inevitavelmente à escola do Hot Club de Portugal. Aí conheceu os músicos que haveriam de formar o seu quarteto: Filipe Melo no piano (autor igualmente dos arranjos deste Story Teller), Bernardo Moreira no contrabaixo e André Sousa Machado na bateria. Este disco conta ainda com a participação especial de André Fernandes na guitarra, nos temas Crash Into Me e Suburbano Coração e de João Moreira no trompete, no tema The Trouble With Me Is You. Gravado, misturado e masterizado nos estúdios de Mário Barreiros, pelo baterista portuense, conta com a produção da própria Marta Hugon e de Elvis Veiguinha. A impressão inicial do disco, ao escutar as primeiras faixas, é de que se trata de um trabalho de continuidade relativamente ao anterior Tender Trap, de 2006. Em temas como Good Morning Heartache, You’re Getting to Be a Habit With Me ou Just in Time, sentimos o mesmo ambiente revivalista (no bom sentido) que encontrámos em Tender Trap, com um jazz muito swingado fazendo uso dos bons e velhos valores dos anos dourados do jazz e de referências como Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan. Para isso contribuem manifestamente os arranjos de Filipe Melo, também ele, indiscutivelmente, um cultor das sonoridades clássicas dos swing years, que manipula na perfeição, imprimindo uma alegria contagiante em quase tudo o que toca, conseguindo que o seu jazz tenha um apelo dançável, como é raro ouvir-se. Mas não se pense que tudo são facilidades… (auditivas, entenda-se) Os temas estão soberbamente trabalhados, para isso contribuindo em muito os contrapontos de Bernardo Moreira no contrabaixo e, ocasionalmente, de André Sousa Machado na bateria. Relativamente a Tender Trap nota-se uma progressão notável no apuro do estilo, na maior complexidade dos arranjos e na segurança com que, todos eles, se aventuram no uso de novos recursos musicais. A voz de Marta Hugon é segura, carregada de swing e por vezes de uma alegria contagiante. Ocasionalmente notam-se influências da bossanova, como em You’re Getting to Be A Habit With Me, mas, até aí não há espaço para monotonias… É a bossa samba, alegre e cativante que surge. Em The Trouble With Me Is You há uma pequena incursão por territórios mais bopistas, fruto talvez da entrada em cena do trompete de João Moreira. Mas sente-se que não é este o ambiente natural do grupo. Menifestamente respira muito melhor no swing alegre e vincado dos temas anteriores... No entanto, e à medida que o disco se aproxima do fim, é possível vislumbrar novos caminhos neste projecto liderado por Marta Hugon. Há um Still Crazy After All These Years´, de Paul Simon, em blues lento mas bem marcado, até pelo solo de Filipe Melo, e sobretudo uma ousada incursão por territórios mais indie e experimentais em temas como Crash Into Me de Dave Matthews ou River Man de Nick Drake. Aqui surge com enorme a propósito a guitarra de André Fernandes a dar uma ajuda, de forma vincada, se bem que contida e ressalvando o carácter mais intimista dos temas. Crash Into Me resulta assim num dos mais belos temas do disco, apropriando-se dele Marta Hugon, com segurança e pertinência, e mostrando amplas capacidades a explorar, porventura, em futuros trabalhos. Pelo meio fica Suburbano Coração, de Chico Buarque. Uma canção menos conhecida do mítico compositor brasileiro mas muito bela, que Marta interpreta com qualidade e enorme sensibilidade. Também aqui aparece a guitarra eléctrica de André Fernandes a rubricar um excelente solo que só peca, a meu ver, pela estranheza da sua sonoridade eléctrica no ambiente puramente acústico e intimista do tema. Não é que fique mal… mas eu teria preferido o uso da guitarra acústica (e também dispensava o sotaque brasileiro na interpretação de Marta Hugon… esquisitices!). Em suma é uma obra notável, superiormente interpretada por Marta Hugon e os restantes músicos, com belíssimos arranjos de Filipe Melo e com uma participação muito conseguida de Bernando Moreira, que consegue introduzir um forte cunho pessoal no disco (tal como André Fernandes no tema Crash Into Me). Uma evidente evolução face ao anterior trabalho, que trilha já novos caminhos que podem e devem servir de inspiração para as futuras gravações. Ficamos à espera.

Veja o vídeo Too Close For Confort do Álbum Tender Trap (2006)

Agenda Jazz (14 a 20 de Abril)


3ª feira 15
22.30h Ondajazz - Big Band Reunion (direcção Claus Nymark)
23.00h Hot Club Portugal - João Lencastre Group (Dave Binney sax a, André Fernandes guitar, Benny Lackner piano, Mário Franco ctb, João Lencastre bat)

4ª feira 16
21.30h Convento de São Francisco (Coimbra) – Joel Xavier
23.00h Hot Club Portugal (Lisboa) - João Lencastre Group (Dave Binney sax a, André Fernandes guitar, Benny Lackner piano, Mário Franco ctb, João Lencastre bat)
23.00h Ondajazz (Lisboa) – Trângulo (Thierry Riou: Piano, Carlos Massa: baixo, Milton Batera: bateria)

5ª feira 17
22.00h - Braço de Prata (Lisboa) - Wolfgang Haffner /"Acoustic Shapes"
23.00h Hot Club Portugal (Lisboa) - "Grand Pianoramax" (Leo Tardin piano, fender rhodes, minimoog, MC JP spoken words/rap, Yoann Serra bat)
23.00h Ondajazz (Lisboa) – João Lencastre Group + David Binney (David Binney: saxofone, Andre Fernandes: guitarra, Nelson Cascais: contrabaixo, João Lencastre: bateria)
23.00h - Braço de Prata (Lisboa) - Júlio Resende
23.00h Servartes (Porto) - Trio Pedro Guedes

6ª feira 18
21.00h Aula Magna (Lisboa) – John Scofield & Horns
23.00h Hot Club Portugal (Lisboa) - "Grand Pianoramax" (Leo Tardin piano, fender rhodes, minimoog, MC JP spoken words/rap, Yoann Serra bat)
23.00h Fábrica Braço de Prata (Sala Nietzsche) Lisboa – João Lencastre Group + David Binney (David Binney: saxofone, Andre Fernandes: guitarra, Nelson Cascais: contrabaixo, João Lencastre: bateria)
23.00h Bejazz (Barreiro) – André Mendes, piano solo
23.00h Centro Cultural Vila Flor (Guimarães) - Trio de Jazz de Sérgio Pelágio
23.00h - Servartes (Porto) - Quinteto Mário Santos
23.30h Ondajazz (Lisboa) – Paula Oliveira (Paula Oliveira: voz, Bernardo Moreira: contrabaixo, João Moreira: trompete e fluguel, Bruno Santos: Guitarra, Alexandre Frazão: bateria)
01.00h - Braço de Prata (Lisboa) - Zeca Neves Quarteto

Sáb 19
18.00h Centro Cultural de Belém (Lisboa) - António Pinho Vargas & Zé Nogueira
23.00h Hot Club Portugal (Lisboa) - European Tuba Trio (Anthony Caillet eufónio, Sérgio Carolino tub, François Thuillier tub)
23.00h Bejazz (Barreiro) – Júlio Resende Quarteto (Júlio Resende: Piano, Mário
23.00h - Hot Five (Porto) - Johnny Blues BandDelgado: Guitarra, João Custódio: Contrabaixo, Jorge Moniz: Bateria)
23.00h - Servartes (Porto) - Isabel Ventura Quarteto
23.30h Ondajazz (Lisboa) – Paula Oliveira (Paula Oliveira: voz, Bernardo Moreira: contrabaixo, João Moreira: trompete e fluguel, Bruno Santos: Guitarra, Alexandre Frazão: bateria)
23.30h Centro Cultural de Belém (Lisboa) - Bernardo Sassetti & Will Holshouser Trio
00.00h Maus Hábitos (Porto) - João Lencastre Communion
00.00h - Braço de Prata (Lisboa) - Abdul Moimême (saxofone), Hernâni Faustino (contrabaixo) e Rodrigo Pinheiro (piano).

Dom 20
15.00h - Centro Cultural de Belém (Lisboa) - Mário Laginha Trio
22.00h - Braço de Prata (Lisboa) - Carlos Zíngaro (violino), W.Joode(contrabaixo) e D. Regef (Sanfona)

sábado, 12 de abril de 2008

Apresentação de "Cubo" na RTP2

André Fernandes - Cubo


com Mário Laginha, Nelson Cascais e Alexandre Frazão
TOAP 2007
15/20

André Fernandes é um jovem guitarrista português, formado pela escola de jazz do Hot Club de Portugal (mas também pelo Berklee College of Music, onde foi bolsista em 1996). Desde então tem sido uma das figuras mais activas do panorama jazzistico nacional quer pelos discos que lançou desde 2002 (este é já o quarto, todos pela TOAP), quer pelos projectos em que se envolveu como sideman (onde se destacam o Lee Konitz Nonet, o Quarteto de Perico Sambeat, ou projectos com Maria João e a Orquestra Jazz de Matosinhos, entre outros), quer ainda pelos discos que ajudou a lançar, através da editora que fundou, a Tone of a Pitch, que tem tido um papel relevante na edição de obras de jovens músicos de jazz nacionais, como Bruno Santos, Demian Cabaud, Nelson Cascais, Nuno Ferreira ou Mário Franco, entre outros.
Este seu quarto disco, denominado Cubo, é um projecto ambicioso gravado no estúdio de Mário Barreiros, em Vila Nova de Gaia, mas misturado e masterizado em Nova Iorque, respectivamente por Pete Rende e Michael Perez, com produção do próprio André Fernandes. Conta com a colaboração de dois dos mais categorizados músicos nacionais, Mário Laginha no piano e rhodes e Alexandre Frazão na bateria, para além do jovem Nelson Cascais no baixo e contrabaixo e da participação ocasional de Tiago Maia na guitarra de 12 cordas e na voz.
É composto exclusivamente por originais, sete da autoria do próprio André Fernandes e um de Tiago Maia, o tema Foi-se Embora, que fecha o disco.
É uma obra que revela maturidade e onde, além das influências próprias do guitarrista e dos excelentes músicos que o acompanham, se sente a vontade criativa de um músico experiente e capaz de inovar.
Uma das faixas mais conseguidas é, em minha opinião, a balada acústica Perto, desenvolvida ao piano por Mário Laginha num crescendo criativo onde se vão juntando os restantes instrumentos, com destaque para um bom solo de contrabaixo de Nelson Cascais e claro, para o solo de guitarra acústica de André Fernandes, onde esporadicamente se vislumbram influências orientais, talvez indianas.
Também em Sal o disco atinge um dos seus pontos mais altos. Um tema longo e com uma apelativa cadência que abre caminho para um prolongado e belo solo de guitarra, bem marcado pelo piano e bateria, seguido de um espectacular solo de piano de Mário Laginha, que começa intimista (quase romântico) mas se desenvolve, salmodicamente, até atingir uma crescente complexidade onde os dotes técnicos do pianista são postos à prova de modo brilhante. Um solo que quase se diria que começa clássico, desenvolve-se contemporâneo, para terminar em blues…
Aliás existe um manifesto lado romântico neste disco, não apenas proveniente da pureza acústica do piano nestes dois temas (e da guitarra em Perto), mas também pelos laivos impressionistas expressos nos ambientes negros e algo conceptuais que se vislumbram em temas como Belzebu is in the Building e o próprio Sal.
Por outro lado os temas Not the Vibe, Dog Speak ou Trinta Dias fazem apelo a valores mais clássicos do jazz, onde o excelente trabalho de Alexandre Frazão na bateria e de Mário Laginha no Rhodes (em Not the Vibe e Trinta Dias) e no piano (em Dog Speak) servem de pretexto para o desenvolvimento por André Fernandes de solos inspirados carregados de efeitos, como é seu apanágio. Em Dog Speak são mesmo notórias algumas influências methenianas.
Em Vibes André Fernandes regressa à guitarra acústica, mostrando talento no desenvolvimento sozinho do tema ou acompanhado apenas pela bateria de Alexandre Frazão, antes de este se intensificar (e electrificar) pela adição do Rhodes, do baixo e da guitarra eléctrica (e até pelo uso do tambor insuflado por Alex Frazão).
O álbum fecha com Foi-se Embora de Tiago Maia, um tema interessante se bem que algo deslocado do resto do disco. Uma balada cantada por Tiago Maia em ritmo pop em que, apesar de alguma irreverência estrutural (que assegura apelatividade a um tema melodicamente limitado), o jazz está quase sempre ausente, se exceptuarmos o solo blues de André Fernandes.
No entanto este é seguramente um trabalho maduro de um excelente guitarrista de jazz.

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sexta-feira, 11 de abril de 2008

Carlos Martins no Hot


Quarteto Carlos Martins
10 de Abril de 2008 – 23.00h
Hot Club de Portugal – Lisboa
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O alentejano Carlos Martins (nasceu em Grândola, em 1961) é hoje um dos mais importantes saxofonistas nacionais, fundador do Quinteto Maria João e do Sexteto de Jazz de Lisboa, com cinco discos gravados, desde 1995, como líder. Além de intérprete exímio do saxofone (tenor e soprano) Carlos Martins é um importante compositor com uma ampla obra gravada onde cruza, como poucos, o universo musical tradicional português com o jazz.
Frequentador assíduo do palco do Hot (desde há 25 anos, segundo o próprio) escolheu para acompanhá-lo neste concerto (o primeiro de três) o consagrado Alexandre Frazão na bateria, bem como os jovens Júlio Resende no piano e o argentino Demian Cabaud no contrabaixo, aos quais se juntou André Fernandes na guitarra, convidado de última hora que transformou o programado quarteto num quinteto.
O reportório incidiu só sobre temas originais de Carlos Martins aos quais foram dados novos arranjos pelo compositor, adaptando-os às especificidades da formação em palco.
Apesar de um início um pouco nervoso (parece que, afinal, 25 anos de carreira não chegam para eliminar o nervoso miudinho dos grandes músicos, na hora da verdade…) Carlos Martins agarrou bem nos temas e rubricou uma actuação notável, nos solos, inventivo e tecnicamente evoluído, nos arranjos, perfeitamente adaptados à sonoridade da sua obra musical e ao inegável talento dos músicos em palco, e bem assim na direcção musical, segura e sabendo dar protagonismo aos colegas de palco quando a ocasião assim o impunha.
Não posso porém deixar de realçar o extraordinário trabalho de Alexandre Frazão na bateria. Foi o pulmão da actuação desta noite, assinando nada menos de que três solos (um deles verdadeiramente fenomenal, no tema “O Infante”) numa actuação fantástica, daquelas só ao alcance de músicos de excepção. Parafraseando Fernando Trueba a propósito do pianista dominicano Michel Camilo, só posso dizer que, cada vez que vejo Alexandre Frazão actuar, tenho a sensação de ser testemunha de um prodígio, de tal modo este luso-brasileiro consegue encantar as audiências com a sua abordagem fenomenal da percussão. Um músico extraordinário.
Bem esteve também Demian Cabaud no contrabaixo. Seguro, fantasista quando era preciso, entendendo-se às mil maravilhas com Alex Frazão na bateria e assegurando com classe o comando rítmico da apresentação quando se impunha. Apesar de ainda jovem (editou recentemente o seu primeiro disco como líder), este argentino está um contrabaixista de mão cheia. Seguramente uma mais valia para o património musical e jazzistico nacional.
Mais discreto esteve Júlio Resende. Apesar de ser, indiscutivelmente, um dos maiores valores do piano que existem presentemente em Portugal (seguramente o melhor da sua geração), mostrou-se um pouco preso à pauta, talvez por não estar tão ambientado com o reportório de Carlos Martins, disso se ressentindo a sua actuação, sobretudo na criatividade e mesmo nalguma exuberância que a costumam caracterizar. Ainda assim exibiu mestria nalguns solos e mostrou uma incansável entreajuda nas harmonias, em prol do som do grupo, que resultou seguramente mais rico pela sua presença.
Falta apenas falar do convidado de última hora na guitarra, André Fernandes, que esteve como já nos habituou: seguro, personalizado, com uma presença inconfundível na guitarra que enriquece o som do grupo e uma invejável capacidade de improvisação nos solos. É notável a pertinência com que André Fernandes se integra nas mais variadas formações (por vezes à ultima hora, como parece ter sido o caso), com rigor, à-vontade e valor acrescentado. Outro grande músico da escola do Hot…
O som a cargo de Luís Hilário, esteve excelente, como é aliás costume no Hot.
Um excelente concerto.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Chris Cheek

OJM & Chris Cheek


Orquestra Jazz de Matosinhos & Chris Cheek
28 de Março de 2008 – 21.30h
Grande Auditório da Culturgest – Lisboa
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Confesso que não sou um grande apreciador de Big Bands. Jazzómano convicto, revejo-me contudo mais na liberdade criativa dos solos do que no rigor académico das pautas. Não obstante, não hesitei em comparecer neste concerto da Orquestra Jazz de Matosinhos. Desde logo porque a presença de um solista da craveira de Chris Cheek, assim o pedia… Mas o mérito deste projecto recai integralmente no talento e iniciativa de Carlos Azevedo e Pedro Guedes. Pela ousadia de organizarem e impulsionarem uma big band de jazz em Portugal. Pelo inconformismo demonstrado em dotarem essa big band de um reportório próprio, composto quase exclusivamente por originais da sua autoria. Por partilharem as orquestrações e direcção de orquestra, com inquestionável talento. Mas também por catapultarem este projecto para um inegável reconhecimento nacional e internacional, bem expresso nas colaborações com nomes sonantes do jazz norte-americano, como este Chris Cheek ou Lee Konitz, entre outros, imortalizadas em disco mas bem mais desfrutáveis (e desfrutadas…) nestes espectáculos ao vivo, como o desta noite na Culturgest.
Longe de um seguidismo revivalista, que caracterizou durante algum tempo os projectos big band (e que motivou, em princípio, a minha desconfiança), esta Orquestra Jazz de Matosinhos vive do talento de composição (mas também de orquestração) dos seus membros, todos reputados músicos nacionais com provas dadas em inúmeros projectos, particularmente dos seus mentores e directores Carlos Azevedo e Pedro Guedes. Mas a completá-lo, à laia de cereja em cima do (já delicioso) bolo, vive também da inteligente e bem conseguida interligação com os solistas convidados. Dessa forma, cria um ambiente que cruza o universo big band com o mais simples ensemble ou mesmo, ocasionalmente, com o trivial quarteto de jazz. Estabelece assim uma ponte entre o jazz moderno, improvisado e individualista, e o mais clássico que, embora bebendo nas fontes ancestrais dos mestres Duke Ellinton ou Count Basie, não deixa nunca de nos surpreender, pela riqueza harmónica das orquestrações. Até porque a escassez de projectos desta envergadura faz com que os melómanos modernos (onde modestamente me incluo) raramente estejam familiarizados com a estética musical característica de uma big band de jazz.
Está pois duplamente de parabéns a Orquestra Jazz de Matosinhos. Pela inegável qualidade e profissionalismo atingido e reconhecido. Mas também (e não é de somenos…) pelo apreciável trabalho de recuperação de um género em desuso, que fez as delicias da geração dos nossos pais, e que tanto ofereceu, e tem ainda para oferecer, ao jazz.

André Fernandes

Julian Argüelles


Julian Argüelles Quarteto
21 de Março de 2008 – 23.00h
Hot Club de Portugal – Lisboa
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Afinal este quarteto de Julian Argüelles foi um quinteto, pela adição de última hora da guitarra de André Fernandes ao conjunto… Deste modo seria de antecipar uma reedição do memorável concerto de Novembro de 2007, com a particularidade do piano estar entregue a Bernardo Sassetti ao invés de Mário Laginha. Se nalguns temas o paralelismo foi evidente, particularmente nos mais fortes que encerraram cada um dos sets (5th & Broadway no primeiro e Evan’s Freedom Pass no segundo) onde a banda puxou dos galões e rubricou impressionantes apresentações plenas de virtuosismo e entrega (com Alexandre Frazão a puxar pelos restantes em solos carregados de classe), já a inclusão de dois originais lusitanos, Smoke de André Fernandes e um tema de Bernardo Sassetti, deram um toque de novidade à apresentação. Por outro lado a presença deconstrutiva do piano de Sassetti foi suficiente, só por si, para imprimir um toque de originalidade contemporânea à música deste improvisado quinteto. Onde Laginha é virtuosismo e swing, Sassetti é irreverência e ousadia interpretativa. Os seus solos são intimistas, rebuscados e fortemente influenciados pela música clássica e contemporânea. O resultado é um som novo e ousado que tem em Alexandre Frazão um intérprete de excepção (ou não fosse ele o baterista do trio de Sassetti, uma das mais originais formações de jazz lusitanas) e que os restantes músicos acompanharam com assinalável talento e capacidade de entrosamento. A guitarra de André Fernandes acompanhou a irreverência interpretativa de Sassetti e Frazão com riffs e solos capazes de enriquecer o som mais minimalista que a caracteriza. Julian Argüelles casou de forma superior o seu universo musical com essa contemporaneidade, alternando baladas inspiradas, onde a sua superior técnica instrumental e criativa se mostraram em pleno com temas arrojados de free jazz, geralmente impulsionados pelas poderosas arrancadas de Frazão na bateria, bem acompanhadas por um inspirado Bernardo Moreira no contrabaixo. O resultado foi um concerto de enorme qualidade, com uma entrega e virtuosismo assinaláveis, como bem constatou e aplaudiu o exigente público do Hot (hoje, com uma das maiores enchentes que já presenciei), que bem merecia ser imortalizado em disco. Quem sabe, agora que a iconográfica sala da Praça da Alegria se prepara para lançar a sua marca no mercado discográfico, numa colecção “Ao vivo no Hot” que legará seguramente registos notáveis à posteridade, talvez este quinteto de Julian Argüelles seja um dos primeiros projectos a alcançar os escaparates das Fnac deste país… Bem o merecia.

Rever o video Broadway Blues

Saxofones


Ensemble de Saxofones do Hot Club de Portugal
7 de Março de 2008 – 23.00h
Hot Club de Portugal – Lisboa
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Uma aposta inovadora esta de reunir no (pequeno, para tanta gente…) palco do Hot, cinco dos melhores saxofonistas nacionais, Pedro Moreira e César Cardoso, nos tenores, Jorge Reis e Zé Maria, nos altos, e Guto Lucena no barítono, acompanhados de uma secção rítmica de luxo, composta por Filipe Melo no piano, Bruno Santos na guitarra, Bernardo Moreira no contrabaixo e Alexandre Frazão na bateria (substituição de última hora, face ao programado André Sousa Machado). O resultado foi, no mínimo, original. Este noneto, composto com cinco saxofones, soou por vezes como uma big band e outras como um quarteto ou quinteto, permitindo aos excelentes saxofonistas que o compuseram, apresentar com detalhe os seus dotes de solistas de modo alternado (e por vezes sucessivo, gerando uma espécie de competição amigável entre eles). Entre os saxofones o maior destaque (ainda por cima alcançado de modo comparativo, mano a mano…) vai integralmente para Guto Lucena no barítono. Dono de uma fraseado seguro, expressivo e potente, encantou nos solos e destacou-se nas harmonias, contribuindo decisivamente para o sucesso da apresentação. Pedro Moreira esteve bem nos arranjos e direcção musical, consolidando um projecto raro, difícil e só ao alcance de músicos experimentados como os que estiveram em palco. Também Filipe Melo teve momentos de grande qualidade nos solos, sobretudo nos temas mais bopistas, em que a sua capacidade de improvisação se solta mais entusiasticamente, embalando-o para apresentações de pura classe jazzistica. Excelente trabalho ainda para Bernardo Moreira no contrabaixo que, confrontado com trabalho redobrado (ou quintuplicado…) face às numerosas presenças em palco, segurou de forma notável a apresentação com um fraseado seguro, potente e inventivo no contrabaixo. O mesmo se dirá de Alexandre Frazão, com um trabalho discreto (tocou vários temas pela pauta…), para os seus enormes dotes artísticos, mas de enorme segurança. Uma aposta ganha, daquelas que só o Hot consegue fazer.

Guto Lucena em vídeo

Pascal Schumacher Quartet - Monday Night at The Cat Club

Thursday Night at The Hot Club


Pascal Schumacher Quartet
28 de Fevereiro de 2008 – 23.00h
Hot Club de Portugal – Lisboa
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Um original quarteto composto pelo luxemburguês Pascal Schumacher, no vibrafone, pelos belgas Jef Neve e Christophe Devisscher, respectivamente no piano e contrabaixo (eléctrico) e pelo alemão Jens Düppe na bateria. À parte a curiosidade maior que constituiu a aparição do vibrafone (que apesar de amplamente usado no jazz, ainda não tinha merecido a minha estreia num concerto…) foi um espectáculo surpreendente e memorável. Pelo brilhantismo exibido pelos músicos, que no caso de Pascal Schumacher e de Jef Neve atingiu mesmo o sublime virtuosismo, pela beleza do reportório tocado, integralmente original (da autoria dos vários músicos que compõem o quarteto), sem esquecer a simpatia e capacidade de comunicação demonstrada pelo grupo. O jazz deste quarteto é profundamente original, intensamente expressivo, vai buscar influências despudoradamente à música clássica e barroca, aos autores contemporâneos, é minimalista quando assim o quer para, logo a seguir, intensificar o fraseado musical numa panóplia de sons e referências que não conseguem deixar ninguém indiferente. Schumacher é tecnicamente irrepreensível e de uma enorme capacidade de expressão, num instrumento original e nada fácil. Jef Neve é brilhante na abordagem do piano, com uma invejável capacidade interpretativa que extravasa o jazz e entra por caminhos reservados àqueles músicos eleitos que ainda conseguem, apesar de tudo já ter sido feito e ouvido, surpreender o público. Christophe Devisscher e Jens Düppe foram mais discretos, mas nem por isso menos brilhantes. Rubricaram solos e duos de grande talento e demonstraram uma integração notável com o grupo, em boa parte responsável pela conseguida apresentação. Num Hot à pinha, a sala foi pequena para tanto talento com que estes jovens músicos norte-europeus a encheram. Um concerto só ao alcance de músicos de grande classe.

Mayra Andrade

Sereia Crioula


Mayra Andrade
24 de Fevereiro de 2008 – 21.00h
São Luiz Teatro Municipal – Lisboa
UGURU
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A nova diva da música cabo-verdeana presenteou os portugueses com uma digressão nacional que incluiu este concerto no São Luiz, no qual se apresentou acompanhada de José Luís Nascimento, na bateria e percussão, Ricardo Feijão, na viola baixo, Nelson Ferreira e Tarcísio Gondim, nas violas, cavaquinhos e guitarra portuguesa e ainda da convidada Celina de Piedade, no acordeão.
O repertório incidiu sobretudo nos temas constantes do seu único disco, Navega, aos quais se juntaram alguns originais, porventura em ante estreia do previsível lançamento para breve do novo disco e ainda de um belíssimo fado original, em jeito de homenagem à cidade de Lisboa, e de uma velha morna, no primeiro encore, que trouxe a nostalgia atlante até à antiga sala lisboeta.
Seguríssima na voz e na presença, belíssima como poucas, Mayra soube encantar a plateia lisboeta com o seu canto melodioso de sereia crioula, ao qual juntou, sempre que pôde, um toquezinho de swing, proveniente da sua apreciável capacidade de improvisação e scat singing, à volta dos temas originais mas profundamente enraizados na cultura cabo-verdiana, que compõem o seu reportório, parcialmente composto por si.
Os músicos estiveram bem a acompanhá-la, apesar de alguns pequenos problemas técnicos terem impedido, sobretudo durante os temas iniciais do espectáculo, a percussão, bem entregue a José Luís Nascimento, de brilhar ao nível que merecia. Felizmente foram paulatinamente sendo resolvidos, a tempo de este brindar o público com um excelente solo de percussão, pleno de sensibilidade e bom gosto. Também as guitarras estiveram bem entregues, alternando os seus intérpretes em solos que enriqueceram o universo musical de Mayra Andrade com um sabor tropical que a sua deslumbrante imagem, só por si, já inspira. Em bom nível esteve também a viola baixo acústica (a fidelidade às origens assim obriga) e ocasionalmente a eléctrica entregues a Ricardo Feijão e bem assim a participação ocasional da sempre bem disposta Celina da Piedade, que até cantou com Mayra, fazendo coro nos temas mais emblemáticos da jovem cantora, nascida em Cuba, mas profundamente cabo-verdiana no sentimento expresso pelas suas músicas.
Foi mais uma belíssima noite musical de Cabo Verde, servida por uma das suas mais jovens, mais belas, mas também mais expressivas intérpretes, num São Luiz esgotado e rendido aos encantos da bela Mayra. Eu pelo menos rendi-me…