quinta-feira, 10 de abril de 2008

A Mãe de Todas as Músicas


Jan Garbarek Group
11 de Novembro de 2007 – 21.30h
Grande Auditório da Culturgest (Lisboa)
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Um dos Big Four do jazz norueguês (juntamente com Terje Rypdal, Arild Andersen e Jon Christensen) Jan Garbarek tem uma linguagem musical muito própria e distinta de tudo o resto. Há quem diga que ele encarna melhor que ninguém o som ECM de Manfred Eicher, uma música que seja “o mais belo som depois do silêncio”.
Rui Eduardo Paes na brochura de apresentação do espectáculo afirma que “o país musical de Jan Garbarek pode ser mitológico e estar habitado por faunos e amazonas, mas quando ouvimos o seu saxofone só podemos concluir que existe mesmo”.
Para mim é precisamente esse dualismo que fascina na obra de Garbarek, por um lado temos uma faceta fantástica povoada de seres e lendas mitológicas, embebida nos anais dos tempos remotos e até nos costumes imemoriais. Mas por outro há uma ligação tão forte à Terra, à cultura europeia e mediterrânica (à Eurásia como dizem alguns… mas a África também por lá aparece!), ao folclore profundo presente nas raízes culturais de cada um de nós, que é impossível ao ouvinte não se identificar com aquelas melodias e ritmos que, de uma forma clara e irresistível, se entranham na alma de todos nós. Há muito de Portugal na música de Garbarek: de Giacometti a Rão Kyao, passando por Zeca Afonso e por Carlos Paredes. Mas também há muito do folclore escandinavo, turco, marroquino, alemão ou afegão! A sua busca pelas raízes musicais da cultura europeia chegou tão fundo, que tocou nos veios primordiais de onde tudo floresceu em tempos ignotos, anteriores à própria história! Nada menos do que o Gaal musical! Garbarek toca a mãe de todas as músicas!
É pois uma experiência profunda assistir a um concerto destes! Foram duas horas ininterruptas (mal se conseguiu arranjar tempo para aplaudir…) de pura transcendência. As almas foram tocadas no que têm de mais íntimo e os corações maravilharam-se em uníssono, rendidos à magia musical deste druida de saxofone na mão!
E os seus companheiros de viagem não beliscaram minimamente o encantamento colectivo. Rainer Brüninghaus entende-se com o mago norueguês como ninguém. Os seus teclados são o complemento essencial dos saxofones de Garbarek, garantindo-lhe a profundidade e expressividade que tanto o caracterizam. Um verdadeiro alter-ego musical que ainda assim teve tempo para mostrar virtuosismo em solos ao piano acústico e sintetizado. Manu Katché é um poço de energia, impressionante no modo como conjuga a subtileza exigida por alguns temas, com a exuberância primordial de outros, assegurada pela percussão, elemento essencial do som fantástico criado por Garbarek.
Finalmente uma palavra para a surpresa da noite, a inclusão do “nosso” Yuri Daniel (ele é brasileiro de nascimento, mas tal como Alex Frazão, já é português no coração, no dele e nos nossos…) no conjunto, ao invés do habitual Eberhard Weber. E muito bem esteve o baixista que nos habituámos a ver e ouvir a acompanhar Maria João e Mário Laginha. Perfeitamente integrado, com solos belíssimos, a aguentar todo o espectáculo sem consultar uma única pauta! Um mimo que já lhe garantiu a realização do resto da tournée mundial do grupo. E sabe muito bem ver músicos portugueses (não tanto por serem portugueses mas por afirmarem internacionalmente a sua qualidade!) a tocar com ícones do jazz internacional como é indiscutivelmente Jan Garbarek. Uma experiência mística, este concerto na Culturgest!

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