domingo, 28 de junho de 2009

Segunda Semana do Estoril Jazz



Prossegue esta semana o Estoril Jazz.
O segundo e último fim-de-semana do Estoril Jazz (3, 4 e 5 de Julho) será preenchido com três concertos susceptíveis de “aquecer” ao rubro o auditório do Centro de Congressos do Estoril, já que os três grupos neles participantes apresentarão um jazz que não deixará indiferentes todos os que a eles assistirem, em termos musicais mas também emocionais. Em palco estarão, sucessivamente, David Murray com o seu quarteto, ou seja, um dos maiores saxofonistas/clarinetistas do jazz moderno, ele próprio membro fundador do histórico World Saxophone Quartet; o septeto que, sob a chancela Mingus Dynasty, perpetua no tempo a extraordinária obra de mestre Charles Mingus; e ainda o quinteto de Christian McBride, contrabaixista dos mais poderosos da cena actual, tanto pelo som amplo como pelo tempo metronómico.



David Murray “Black Saint Quartet”
Sexta-Feira, 3 de Julho -21:30

O nome de David Murray, saxofonista e clarinetista dos mais conceituados nas décadas de evolução e reconfiguração convulsiva do jazz moderno, tem já o seu lugar reservado na história desta música, sobretudo pelo papel que desempenhou em períodos-chave desse percurso ao lado de outros protagonistas maiores de uma caminhada que trouxe a primeiro plano os nomes de Cecil Taylor, Dewey Redman, Anthony Braxton, Oliver Lake ou Don Cherry, com os quais tocou nos anos de brasa do free jazz.
Colaborando com Hamiett Bluiett, Lester Bowie e Frank Lowe no âmbito da chamada Energy Band, esta experiência levou-o a estar na fundação do famoso World Saxophone Quartet, uma formação de referência que constituiu com o mesmo Bluiett e ainda Oliver Lake e Julius Hemphill e no seio da qual sempre se reafirmou a força telúrica da grande música afro-americana, num experimentalismo que aliou, de forma muito original, o espírito da música religiosa negra, as influências ancestrais das poliritmias africanas, a modernidade do free jazz e as batidas da música popular urbana.
No decurso da sua extensa carreira, David Murray (hoje radicado em Paris) sentiu-se também atraído pelo estudo e pela prática das músicas das Áfricas e das Caraíbas, quantas vezes materializada na constituição de grupos de maior ou menor amplitude com a participação de inúmeros músicos oriundos dessas paragens, numa constante viagem e convivência entre o jazz e a world music.
Mas Murray nunca deixou de se afirmar nas linguagens da música afro-americana, tendo frequentado as companhias de Max Roach, Randy Weston ou Elvin Jones, entre tantos outros, até passar a privilegiar os seus próprios grupos, desde a mais ampla big band até ao octeto de dimensão média, fixando-se por último em múltiplas apresentações públicas nesta mais familiar formação de quarteto, como é o "Black Saint Quartet" à frente do qual actua no Estoril Jazz 2009 e cujo nome tem, na sua origem, o da conhecida editora independente italiana, para a qual o multi-instrumentista gravou inúmeros discos.
Constituído ainda por Lafayette Gilschrist (piano). Jaribu Shahid (contrabaixo) e Hamid Drake (bateria), o quarteto Black Saint é o contexto por excelência para o desenvolvimento cada vez mais expressivo e concludente da faceta de compositor de David Murray, que o multi-instrumentista, de forma peremptória e calorosa, cada vez mais pretende desenvolver.

David Murray no Vanguard




Mingus Dinasty Septeto
Sábado, 4 de Julho -21:30

Com o desaparecimentro prematuro de um dos maiores génios de todo o jazz - Charles Mingus - é impossível de prever o que continuaria a ser-nos proporcionado, em termos de invenção e de avanços estéticos, por um dos mais irreverentes e criativos instrumentistas e compositores do jazz moderno.

Mas seria também impossível - revelando-se, aliás, extremamente injusto - deixar de realçar o papel supletivo e relevante que a sua viúva, Sue Mingus, vem desenvolvendo, após a morte do contrabaixista, no sentido de preservar e continuar a divulgar, em actuações públicas e em múltiplas gravações que vão sendo editadas, o extraordinário legado composicional e a mensagem mobilizadora que a música do grande mestre transporta para a vivência transformadora desse jazz contemporâneo.

Esta actividade de revitalização do acervo de Mingus vem sendo assegurado por três formações instrumentais - três grupos "de repertório" - que, com amplitude muito diversa, melhor correspondem aos vários tipos de composições com a impressão digital do compositor: são elas a Mingus Orchestra, a Mingus Big Band e a Mingus Dynasty.

As duas primeiras distinguem-se entre si, sobretudo, pela maior preponderância que, respectivamente, o peso da composição ou o peso da improvisação e do mérito solístico representam nas suas performances. Quanto à Mingus Dynasty, esta formação de septeto, pela maior facilidade de reunião e movimentação, é aquela que mais digressões internacionais leva a cabo, actuando precisamente nesta 28ª. Edição do Estoril Jazz.

Uma particularidade interessante é que todos estes grupos instrumentais mantêm, nas suas fileiras, músicos que, num dado momento das suas carreiras, passaram pelas várias formações do próprio Charles Mingus, transmitindo à sua maneira aos novos músicos, que não tiveram essa ventura, a fidelidade a um estilo que se impôs pela sua originalidade e pelo especial poder de comunicação e afirmação.

Noutro local deste programa, a simples consulta dos músicos que compõem nesta digressão a Mingus Dynasty levará seguramente à conclusão de que estaremos perante um dos seus melhores line up.



Christian McBride Quinteto
Domingo, 5 de Julho - 19:00

Tendo surgido na cena do jazz em finais dos anos de 1980, Christian McBride é, tipicamente, o produto de uma fornada de jovens talentos que, sob a genérica chancela young lions, nessa época se apresentaram como novas revelações, quando não expoentes, em praticamente toda a panóplia do instrumentário do jazz. Mas a especial versatilidade de que sempre deu provas, tanto no contrabaixo acústico como no baixo eléctrico, permitiu-lhe uma polivalência instrumental e estética numa carreira que imediatamente o colocou em plano de destaque na cena do jazz, pela multitude de projectos aos quais emprestou o seu virtuosismo de instrumentista bem apetrechado tecnicamente.

Solicitado pelas mais variadas figuras de distintas áreas musicais - de Diana Krall a Sting, passando por McCoy Tyner ou Kathleen Battle - McBride aprofundou ao mesmo tempo a sua prática musical de forma a enfrentar os mais variados contextos musicais. Não admira, assim, que, no campo estrito do jazz "puro e duro", o contrabaixista (herdeiro moderno de mestres como Ray Brown ou Paul Chambers) tenha feito lugar nos grupos de Bobby Watson, Benny Golson, Roy Hargrove, Kenny Barron, John Hicks, Larry Willis, Gary Bartz, Freddie Hubbard ou Benny Green.

O seu primeiro opus discográfico - "Gettin' to It" (Verve) - data de 1994 e, desde então até hoje, Christian McBride vem demonstrando as várias tendências das suas apostas musicais. Entre estas, as frequentes incursões na música popular urbana (pop, funk, fusão) chegaram a desempenhar papel de relevo, detectável por entre um conjunto de 8 álbuns que entretanto gravou como líder.

Ultimamente virado para uma faceta de compositor, a sua coroa de glória foi uma obra intitulada "Bluesin' in Alphabet City", já apresentada em público pela Lincoln Center Jazz Orchestra, sob a direcção de Wynton Marsalis, e que resultou de uma encomenda do próprio Jazz at Lincoln Center.

Ainda em 1998, uma outra encomenda da Arts Society de Portland em conjunto com o National Endowment for the Arts resultou na composição de "The Movement, Revisited", uma obra que retrata a luta pelos direitos cívicos dos negros norte-americanos nos anos de 1960, escrita para quarteto de jazz e um coro gospel de 30 vozes.

Textos de Manuel Jorge Veloso

Christian McBride

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