quinta-feira, 31 de julho de 2008
Os Novos Silêncios de Cristal
Chick Corea & Gary Burton
The New Crystal Silence
Concord Records 2008
Este duplo CD marca o 35º aniversário da edição do disco homónimo que o duo gravou em 1972, para a ECM, e que constituiu a sua primeira colaboração (que no entanto foi estendida em múltiplas e regulares ocasiões de então para cá). Mas não é nem uma mera reedição comemorativa do mesmo nem tão pouco uma revisita refrescante aos temas constantes desse disco histórico. Na verdade apenas dois dos temas originais são agora revisitados: Crystal Silence e Señor Mouse, o primeiro numa versão orquestrada e o segundo interpretado em duo.
Este novo Crystal Silence divide-se claramente em duas partes completamente distintas, ambas registadas ao vivo. Um primeiro disco em que os solistas são acompanhados pela Orquestra Sinfónica de Sydney, com direcção e arranjos de Tim Garland, e um segundo disco, em duo, gravado no festival de Molde, na Noruega (à excepção do tema Senõr Mouse, gravado também ao vivo mas em Tenerife, nas ilhas Canárias).
O primeiro disco afirma-se sobretudo pela monumentalidade do trabalho de composição e orquestração exibido. Uma obra ambiciosa e tecnicamente soberba. O jazz, magnificamente representado pelos dois solistas, concerta-se com o trabalho orquestral de forma elegante, sofisticada mesmo, através de arranjos brilhantes que o elevam musicalmente, mas sem nunca o descaracterizar. Estamos assim perante um verdadeiro concerto para piano, vibrafone e orquestra, gravado ao vivo, onde várias influências confluem, lembrando ora os trabalhos de Gershwin quando os temas puxam para o blues (como é o caso de Duende), ora para manifestações impressionistas ou mesmo evocativas do nacionalismo musical que lembram os trabalhos orquestrais de compositores como Maurice Ravel, Igor Stravinsky ou Manuel de Falla. Isso é particularmente evidente nas abordagens ao flamenco em La Fiesta ou mesmo em Love Castle. Ocasionalmente surgem ainda ambientes mais cinemáticos onde as influências dos grandes compositores do cinema como John Williams (ou nas ambiências mais negras, de Danny Elfman) se tornam evidentes.
O segundo disco conta apenas com os dois solistas, adquirindo por isso um carácter necessariamente mais intimista. É um brilhante repositório do enorme talento e virtuosismo dos dois músicos envolvidos.
De uma alegria contagiante revela, a cada tema, as infindáveis capacidades técnicas dos músicos mas nunca de forma meramente gratuita ou exibicionista. Afigura-se, pelo contrário, como uma obra evocativa, não apenas de duas carreiras recheadas de talento e de sucesso, mas também de um património musical de que ambos são devedores, de Bud Powell a Bill Evans, passando por Nina Simone ou Wayner Shorter, ou pelos trabalhos de Corea com os Return to Forever como em No Mystery, Senõr Mouse, La Fiesta ou Brasília (esta do disco 1).
Estamos pois perante uma obra monumental e invulgar, um daqueles raros momentos mágicos em que a sensação de que se fez história transpira a cada compasso. Como amante do jazz "de câmara" confesso que me sinto mais em casa no intimismo do segundo disco. Porém tal não belisca minimamente a valia do trabalho registado no primeiro CD, absolutamente fantástico!
Um clássico, desde a hora em que foi colocado nos escaparates das lojas...
Absolutamente imperdível.
De Chick Corea já tudo foi dito e escrito, cotando-se como um dos mais importantes e prolíficos músicos dos últimos 40 anos, versando com a mesma mestria o jazz vanguardista, o bebop, a música infantil, a fusão, os sons latinos ou a música clássica.
Nasceu Armando Anthony Corea em Chelsea, Massachusetts, no dia 12 de Junho de 1941. Na sua formação (iniciada aos 4 anos de idade) foram importantes pianistas como Bud Powell (homenageado com um tema neste disco) ou Horace Silver (fundador dos Jazz Messangers, nascido Horace Ward Martin Tavares Silva, filho de pai cabo-verdeano, que homenageia no seu disco de 1965, The Cape-Verdean Blues). Ainda nos anos sessenta colaborou com ícones latinos como Mongo Santamaria ou Willie Bobo o que veio a revelar-se uma influência marcante ao longo da sua carreira. A sua estreia discográfica, como líder, aconteceu em 1966 com o disco “Tones for Joan’s Bones” com o trompetista Woody Shaw, o saxofonista e flautista Joe Farrell, o contrabaixista Steve Swallow e o baterista Joe Chambers. Em Março de 1968 grava Now He Sings, Now He Sobs, com Miroslav Vitous e Roy Haynes, um disco que ganhou o estatuto de clássico. Antes porém colaborou ainda com músicos tão importantes quanto Cal Tjader, Stan Getz, Dizzy Gillespie, Sarah Vaughn ou Donald Byrd, qualquer deles referências fundamentais neste período formativo da personalidade musical do jovem Chick Corea.
O ano de 1968 é marcante para Corea pois é chamado a substituir Herbie Hancock na banda de Miles Davis, com quem grava discos tão importantes na renovação do jazz quanto Filles de Kilimanjaro, In a Silent Way, Bitches Brew, Live-Evil e Live at the Fillmore East. Em finais de 1970 deixa, juntamente com o contrabaixista Dave Holland, o grupo de Miles Davis e funda, com Holland, o baterista Barry Altschul e o saxofonista Anthony Braxton, o quarteto Circle. Em 1971 muda novamente de direcção gravando a solo Piano Improvisations, Vol. 1 and 2, e fundando os Return do Forever com Stanley Clarke no baixo acústico, Joe Farrell no sax e flauta, Airto Moreira na bateria e percussão e a mulher deste, Flora Purim, na voz. Em Novembro de 1972, Chick grava o sublime Crystal Silence (pela ECM), a sua primeira colaboração com o vibrafonista Gary Burton.
A partir de 1973 os Return to Forever, nas suas sucessivas formações, vão-se afirmando, cada vez mais, como uma das mais importantes bandas de fusão, o novo movimento do jazz-rock tão em voga naqueles dias, com a entrada de músicos como Bill Connors, Lenny White ou o guitarrista virtuoso Al di Meola que, em 1974 e com apenas 19 anos, substitui Connors na formação liderada por Corea.
A ascensão do grupo a estrelas de rock não impediu contudo Corea de gravar, durante este período, discos mais pessoais e intimistas como The Leprechaun (Polydor, 1975) ou em 1976 My Spanish Heart, onde deu largas à sua paixão pelo flamenco. Em 1978 junta-se a Herbie Hancock e grava, a dois pianos, Homecoming para a Polydor e em 1980, pela Columbia, An Evening With Herbie Hancock and Chick Corea.
Em 1982 regressa ao flamenco em Compadres (com Paco de Lucia, Al di Meola, Lenny White e Stanley Clarke) e volta a colaborar com Gary Burton em Lyric Suite for Sextet, em que o duo se faz acompanhar por um quarteto de cordas.
No início de 1984 grava Three Quartets com Michael Brecker, Eddie Gomez e Steve Gadd e reedita o Trio com Miroslav Vitous e Roy Haynes, 13 anos depois, no disco Trio Music, gravado para a ECM.
A sua paixão pela fusão leva-o a fundar a Chick Corea Elektric Band, com o baterista Dave Weckl, o saxofonista Eric Marienthal, o baixista John Pattitucci e o guitarista Frank Gambale, gravando para a GRP várias obras entre 1986 e 1991. Mas Corea não esqueceu a música acústica mantendo, em simultâneo, a sua Akoustic Band, também com Patittucci e Weckl, com quem grava dois discos em 1989 e 1990.
Em 1992 Corea realiza o sonho antigo de fundar a sua própria editora, a Stretch Records, gravando, no início, projectos de Bob Berg, John Patitucci, Eddie Gomez e do guitarrista de blues Robben Ford. Os seus próprios trabalhos só transitam contudo para a Stretch, já integrada no universo da Concord Records, a partir de 1996, data em que termina a sua ligação à GRP. A sua primeira gravação para a Stretch foi Remembering Bud Powell, lançado em 1997, com o jovem saxofonista tenor Joshua Redman, Kenny Garrett no sax alto, Wallace Roney no trompete, Christian McBride no contrabaixo e Roy Haynes na bateria (que chegou a tocar com Powell nos anos 60). Ainda nesse ano grava com a Orquestra de Câmara de St. Paul, dirigida por Bobby McFerrin, com Gary Burton o disco Native Sense–The New Duets, e funda o sexteto Origin com Avishai Cohen, Steve Wilson, Steve Davis, Tim Garland e Jeff Ballard.
O novo milénio começa para Corea com “Corea Concerto” (Sony Classical, 2000) gravado com a London Philharmonic Orchestra e onde Chick apresenta o seu Concerto nº 1 para piano e orquestra, além de uma versão orquestrada de Spain.
Em 2001 apresenta um novo trio com o baterista Jeff Ballard e o contrabaixista israelita Avishai Cohen, em Past, Present & Futures (Stretch), envolvendo-se também em trabalhos em dueto com Bobby McFerrin, Gary Burton e o cubano Gonzalo Rubalcaba.
Em 2004 Corea reúne novamente a sua Elektric Band para o projecto, baseado na obra de ficção científica de L. Ron Hubbard, To The Stars, que prossegue em 2005 em The Ultimate Adventure, um exótica mistura de flamenco, de influências da música do Norte de África e do Médio Oriente.
Ao longo da sua carreira recebeu já 11 Grammys entre muitas outras distinções por todo o mundo.
Gary Burton nasceu em Indiana em 1943 e foi um auto didacta do vibrafone até entrar, muito tardiamente, no Berklee College of Music em Boston. Grava pela primeira vez aos 17 anos de idade, em Nashville, com os guitarristas Hank Garland e Chet Atkins. Toca com George Shearing e depois com Stan Getz, entre 1964 e 1966. Em 1967 deixa Getz e forma o seu próprio quarteto, com quem grava três discos para a RCA e estabelece uma sólida reputação como músico de fusão entre o jazz e o rock. É eleito, em 1968, Jazzman of the Year pela revista Down Beat. O Burton Quartet foi-se alargando e incluiu, nos anos 70, o jovem guitarrista Pat Metheny. Ainda neste período Burton grava em dueto com o contrabaixista Steve Swallow, o guitarrista Ralph Towner e o pianista Chick Corea.
Inicia também em 1971 a sua carreira como professor de percussão e improvisação no Berklee College of Music. Em 1985 é elevado a Dean of Curriculum, em 1989 recebe um doutoramento honoris causa e, em 1996, é eleito vice-presidente executivo da instituição. Abandona contudo o ensino em 2003.
Durante as décadas de 80 e 90 Burton grava para a GRP várias obras de que se destacam as colaborações com Pat Metheny e Chick Corea. A partir de 1997 grava, já pela Concord, Departure e Native Sense bem como dois discos dedicados a Astor Piazzolla, e mais recentemente, em 2002, dedica-se ao repertório clássico na companhia do pianista japonês Makoto Ozone.
A partir de 2003, liberto do seu trabalho como professor, funda o grupo Generations, composto por jovens talentos como o guitarrista de 16 anos, Julian Lage, ou o pianista russo Vadim Nevelovskyi, com quem tem apresentado, desde então, vários trabalhos, que intercala com colaborações com velhos e novos amigos como Pat Metheny, Chick Corea, Steve Swallow, António Sanchez, Makoto Ozone, o compositor e pianista espanhol Polo Orti, ou o acordeonista francês Richard Galliano.
Foi já galardoado com cinco Grammys, entre muitas outras distinções.
A ilustrar esta obra prima de Chick Corea e Gary Burton deixo-vos com o tema Waltz for Debby, um original de Bill Evans, composto nos anos 60, acompanhado de maravilhosas fotografias a preto e branco de Nova Iorque, da autoria de Didier Vanderperre.
quarta-feira, 30 de julho de 2008
Fim de Semana Musical No Braço de Prata
É sempre com dificuldade que vou tomando nota dos eventos musicais na Fábrica Braço de Prata, porquanto, nas palavras de um dos seus principais responsáveis, a Fábrica não tem um programa mas antes uma agenda. As coisa acontecem por lá, na medida da disponibilidade do tempo dos músicos e do espaço disponível.
Mesmo elaborando a agenda de jazz com uma escassa semana de antecedência esbarro quase sempre com a inexistência de um programa previsto para a Fábrica Braço de Prata.
Assim, se queremos estar informados sobre os importantes eventos culturais e musicais que aí sempre decorrem, temos de andar "em cima" do respectivo site http://www.bracodeprata.org/ ou então, melhor ainda, fazer-lhe umas visitas regulares na certeza de que há sempre alguma coisa a acontecer naquele extraordinário espaço lisboeta.
Deixo-vos pois com uma actualização da agenda, relativa aos eventos musicais da Fábrica Braço de Prata neste fim de semana , que no entanto, não garanto não venha a ser aditada...
5ª feira, 31 de Julho
22.00h - KORASONS Afro fusion world music
23.00h - Júlio Resende + Perico Sambeat
23.00h - Choro Livre
24.00h - Infrasonic – Free Jazz
01.00h - Pura Mistura – Percussão
6ª feira, 1 de Agosto
22.00h - Free Fucking Notes - Marta Plantier & Luís Barrigas
22.30h - Trisonte
23.00h - Júlio Resende Trio
24.00h - Soaked Lamb - Concerto de Blues
Sábado, 2 de Agosto
22.00h - João Paulo Trio
22.00h - Recital de guitarra com João Bastos
23.30h - Fados, com Hélder Moutinho e convidados
24.00h - Nicole Eitner (voz e piano)
24.00h - Uma coisa em forma de assim
terça-feira, 29 de julho de 2008
Perto de André Fernandes
André Fernandes
Cubo
TOAP 2007
Já aqui tinha dado nota do lançamento do disco Cubo, pelo jovem guitarrista português André Fernandes, com a participação de Mário Laginha no piano, Nelson Cascais no contrabaixo, Alexandre Frazão na bateria e Tiago Maia na guitarra de 12 cordas e na voz.
Faltou na altura apresentar-vos um vídeo deste excelente trabalho, gravado em 2007 em Vila Nova de Gaia, nos estúdios de Mário Barreiros, e masterizado em Nova Iorque pela mão de Pete Rende e Michael Perez, com produção do próprio André Fernandes. Foi lançado no final de 2007 pela Tone of a Pitch, editora dirigida pelo próprio guitarrista e que tem desenvolvido um extenso e meritório trabalho no apoio aos jovens valores do jazz nacional.
Deixo-vos pois com o tema Perto, original de André Fernandes inserido no disco Cubo, com fotos do grego Yiannis Pavlis.
Para uma crítica mais desenvolvida a este disco vejam o artigo André Fernandes – Cubo, publicado em 12 de Abril passado.
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Callas e Pasolini
Stefano Battaglia
Re: Pasolini
ECM 2007
Stefano Battaglia nasceu em Milão, em 1965. Formou-se no Conservatório local e actuou como solista na European Youth Orchestra. Venceu o prémio de melhor pianista jovem do Johann Sebastian Bach festival em Dusseldorf em 1986 e mais tarde o de melhor jovem pianista europeu, pela Rádio Nacional de Bruxelas (1996). A sua ligação ao Siena Jazz é também antiga, participando activamente em vários seminários de Verão e fundando os grupos Triplicity e Theatrum, Laboratório Permanente di Ricerca Musicale de Siena, workshop permanente para o desenvolvimento musical.
Cedo desenvolveu apetência pelo Jazz. Fundou em 1987 o seu próprio grupo, gravando pela Splasc(h) e mais recentemente pela ECM. Foi eleito em 1988 pela Revista italiana Musica Jazz como o melhor talento do ano. Tem desde então tocado com alguns dos melhores músicos de jazz italianos e não italianos, como Aldo Romano, Lee Konitz, Kenny Wheeler, Richard Galliano, Dewey Redman, John Clayton ou Marc Johnson, entre muitos outros.
Já editou cerca de 60 discos, em múltiplas formações, mantendo actualmente projectos a solo, em duo (com Pierre Favre, Michele Rabia) em trio, com Paolino dalla Porta e Fabrizio Sferra e no quarteto Changes (Battaglia, Cisi, Leveratto, Sferra). Toca ainda nos projectos Triplicity com Dominique Pifarely e vários músicos convidados e no grupo Theatrum de Siena.
O tema que vos trago de Stefano Battaglia faz parte do disco Re: Pasolini, uma ambiciosa homenagem ao controverso cineasta italiano, editado em 2007 pela ECM e de que já dei nota nas presentes páginas. Denomina-se Callas e conta com o piano de Battaglia, o contrabaixo de Salvatore Maiore e a bateria de Roberto Dani. As belas fotos são da autoria de Catherine D.
Para mais informações sobre este trabalho de Stefano Battaglia vejam o artigo publicado em 9 de Abril, sob o título Pasolini.
domingo, 27 de julho de 2008
Agenda Jazz 28 de Julho a 3 de Agosto
2ª feira 28 de Julho
19.30h – Hotel D. Filipa (Almancil) – Orquestra de Jazz de Lagos
3ª feira 29 de Julho
22.00h – Marina de Albuifeira – Diana Krall
22.30h – Ondajazz (Lisboa) – Big Band Reunion
4ª feira 30 de Julho
21.30h – Jazz ao Norte (Porto) – Duo Almok
22.00h – Jardim Marquês de Pombal (Oeiras) – Diana Krall
22.30h – Ondajazz (Lisboa) – Joana Rios
23.30h – Rossio (Lisboa) – Box of Blues
5ª feira 31 de Julho
21.30h – Fundação Eugénio de Almeida (Évora) – Bernardo Sassetti “Ascent”
22.30h – Ondajazz (Lisboa) – Susana Travassos
22.45h – Cafetaria Quadrante – CCB (Lisboa) – Sérgio Pelágio e Mário Franco 4tet
23.00h – Hot Club (Lisboa) – Demian Cabaud Quartet
6ª feira 1 de Agosto
19.00h – Museu do Oriente (Lisboa) – Quarteto Laurent Filipe
21.30h – Gulbenkian (Lisboa) - Otomo Yoshihide New Jazz Orchestra & Axel Dörner, Cor Fuhler, Mats Gustafsson
23.00h – Hot Club (Lisboa) – Demian Cabaud Quartet
23.30h – Ondajazz (Lisboa) – Diego Figueiredo
Sábado 2 de Agosto
21.30h – Gulbenkian (Lisboa) - Satoko Fujii Min-Yoh Ensemble
21.30h – Centro Cultural Cascais – Maria Anadom Quarteto
22.00h – São Martinho do Porto - Rabih Abou-Khalil
22.00h – Convento Capuchos (Almada) – Paula Sousa Quarteto
22.00h – Centro Congressos(Caldas da Rainha) - Joachim Kühn /Louis Sclavis
23.00h – Hot Club (Lisboa) – Demian Cabaud Quartet
23.30h – Rossio (Lisboa) - Trio Bárbara Lagido
23.30h – Ondajazz (Lisboa) – Diego Figueiredo
24.00h – Braço de Prata (Lisboa) - Nicole Eitner
Domingo 3 de Agosto
17.00h – Parque Eduardo VII (Lisboa) - Groove 4tet
18.30h – Gulbenkian (Lisboa) – PAAP
21.30h – Gulbenkian (Lisboa) - John Zorn & Fred Frith
22.00h – São Martinho do Porto - Toumani Diabaté & The Symmetric Orchestra
Noites Cubanas
Charlie Haden
Nocturne
Verve 2001
O interesse de Charlie Haden pela música latina já vem de longe quando, em 1969, fundou a Liberation Music Orchestra, cuja obra fundia o jazz vanguardista com influências cubanas e espanholas. Este Nocturne é uma pérola produzida pelo próprio Charlie Haden e pelo pianista cubano Gonzalo Rubalcaba, integralmente dedicado ao bolero e aos seus grandes compositores como Arturo Castro, Cesar Portillo de La Luz, Marta Valdés, Martin Rojas e Maria Teresa Lara, a que juntou três originais, dois seus, Moonlight e Nighfall e um de Rubalcaba, Transparence. Foi gravado em Miami em Agosto de 2000 e lançado em 2001 pela Verve. Venceu o Grammy para o melhor álbum de jazz latino em 2002.
Nesta aventura cubana Haden reuniu uma equipa de luxo, composta por ele próprio no contrabaixo, os seus compatriotas Joe Lovano no sax e Pat Metheny na guitarra e ainda os cubanos Gonzalo Rubalcaba no piano, Federico Britos Ruiz no violino, Ignacio Berroa na percussão e David Sanchez no saxofone.
Charlie Haden nasceu em Shenandoah, uma pequena povoação com 5000 habitantes, no Estado norte-americano de Iowa, em Agosto de 1937. Ainda nos anos 50 mudou-se para Los Angeles e trabalhou como sideman para músicos como o saxofonista Art Pepper e o pianista Hampton Hawes. Em 1959 juntou-se a Ornette Coleman, um dos mais controversos e inovadores músicos de jazz, tendo integrado o seu quarteto (com o baterista Billy Higgins e o trompetista Don Cherry) até 1961. Tempo suficiente para lhe granjear a fama de um dos mais originais e revolucionários contrabaixistas da sua geração.
Em 1969 funda a Liberation Music Orchestra, um projecto que fundia a música e o activismo político, gravando temas revolucionários da Guerra Civil de Espanha ou de homenagem ao herói da Revolução Cubana, Che Guevara. Foi o inicio do seu período latino que o levou a memoráveis colaborações com o brasileiro Egberto Gismonti, o argentino Dino Saluzzi e o português Carlos Paredes e lhe construiu uma reputação internacional como músico de intervenção e o respeito e admiração dos muitos músicos latinos que, à época, cantavam a Revolução.
Nos anos 80 contudo, Charlie Haden acalmou. Fundou o Quartet West em 1986, com Billy Higgins, Alan Broadbent e Ernie Watts, e a sua música tornou-se nostálgica e evocativa das grandes orquestras norte-americanas e do bop dos anos 40.
Charlie Haden e Gonzalo Rubalcaba conheceram-se em 1986 em Havana quando ambos participavam no Jazz Plaza Festival, Haden com a sua Liberation Music Orchestra e Rubalcaba com o Grupo Proyecto, de que era pianista. Apesar de ter apenas 23 anos na altura, impressionou de tal forma Charlie Haden que este não resistiu, após assistir extasiado à sua apresentação, a ir visitá-lo aos bastidores e convidá-lo a integrar os seus projectos musicais nos Estados Unidos. Tal não foi possível de imediato devido ao embargo norte-americano. Porém Haden tornou-se um dos principais impulsionadores da carreira de Rubalcaba, conseguindo levá-lo ao Festival de Jazz de Montreal em 1989 e que este assinasse um contrato com a Blue Note no princípio dos anos 90. Foi Haden quem produziu o primeiro disco de Rubalcaba nos Estados Unidos, Discovery: Live at the Montreaux Jazz Festival, e chamou o cubano a integrar a formação que gravaria o seu disco The Blessing, em 1991.
O tema En La Orilla del Mundo é um original de Arturo Castro, compositor, guitarrista e pianista mexicano dos anos 50 do séc. XX, e conta com a participação de Haden, Rubalcaba, Lovano, Britos Ruiz e Berroa. As soberbas fotos de Cuba que o acompanham são da autoria de Claudio Viezzoli. Um dos muitos temas deliciosos que preenchem este fantástico disco de Charlie Haden e Gonzalo Rubalcaba, imprescindível em qualquer colecção que se preze. Especialmente indicado para ouvir à noite, de preferência com um bom rum velho e um charuto. Cubanos, claro está!
sábado, 26 de julho de 2008
Respiri di Tempo
Já por duas ocasiões trouxe a estas páginas o trabalho de Paolo Damiani. A propósito do seu disco Al Tempo Che Fará (Egea, 2007) cujo tema Villanela, da autoria de Gianluigi Trovesi, ilustrou os ecos de Sefarad na música italiana e também pela sua direcção da Orchestre National de Jazz no disco Charmediterraneén (ECM, 2002), que exemplificou as influências magrebinas e judaicas na música contemporânea francesa.
No entanto, apesar da enorme versatilidade deste contrabaixista, violoncelista e compositor italiano, nenhum dos citados temas é verdadeiramente representativo do seu trabalho (senão da diversidade do mesmo) pelo que não resisti a trazer-vos outro vídeo com um tema extraído do disco Al Tempo Che Fará, este sim, profundamente transalpino nas suas influências, se bem que primorosamente trabalhado e traduzido para um universo jazzístico universal, que o músico indubitavelmente domina.
Nascido em Roma, em 1952, Damiani distingue-se nos anos 70 pela participação nos grupos de jazz-rock Buon Vecchio Charlie e Bauhaus. Profundamente dedicado à música ajuda a fundar a escola Testaccio e o Comité dos músicos italianos. Foi professor no conservatório de Milão e L’Aquila, tendo igualmente fundado o IS Ensemble, uma orquestra de jazz de 20 membros, para jovens músicos. Ainda no começo dos anos 80 evidencia-se em várias colaborações com o saxofonista e clarinetista Gianluigi Trovesi, entre outros músicos de destaque como Paolo Fresu ou Aldo Romano, bem como com Norma Winstone, Kenny Wheeler e John Taylor. A partir dos anos 90 distingue-se pelos seus trabalhos orquestrais, dirigindo a Italian Instabile Orchestra, a que se seguem a Cívica Jazz Band e a direcção da já citada Orchestre National de Jazz francesa. Pelo meio ficam várias colaborações, com o saxofonista italiano Eugénio Colombo (com ele membro fundador da Italian Instabile Orchestra) com os franceses Eric Mouquet e Michel Sanchez, no projecto Deep Forest, com Kenny Wheeler, Gialuigi Trovesi, Stefano Battaglia e Maria Pia de Vito no projecto Song Tong ou dirigindo os projectos Eso Octet, com os italianos Danilo Rea, Gianluigi Trovesi, Paolo Fresu, Roberto Gatto, Antonio Isaevoli, Sabina Macculi e Raffaella Siniscalchi, ou o Italian String Trio de repertório clássico, com Renato Geremia e Bruno Tommaso.
O tema que apresento, denominado Respiri di Tempo, faz parte do disco Al Tempo Che Fará, que foi eleito o melhor disco de jazz italiano de 2007, e conta com Gianluigi Trovesi no sax contralto e clarinete, o argentino Javier Girotto na flauta, sax soprano e sax barítono, Diana Torto na voz, Danilo Rea no piano e acordeão, Bebo Ferra na guitarra, Paolo Damiani no contrabaixo e violoncelo e Walter Paoli na bateria.
As belas fotos da Toscânia são da autoria de Alan Sislen.
Origens na Alma
Lura
Origens na Alma
Centro Cultural Olga Cadaval (Sintra)
Auditório Jorge Sampaio
25 de Julho de 2008, 22.00h
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Lura nasceu em Lisboa em 1975, o ano da independência de Cabo Verde. Começou a sua carreira musical em 1996, aos 21 anos de idade, lançando o primeiro disco Nha Vida. O sucesso desse disco levou-a ao projecto Red Hot & Lisbon, que juntou grandes nomes da música lusófona. Em 1998 abriu o espectáculo de Cesária Évora na Expo 98 e acompanhou a diva de pé descalço a Paris onde participou numa série de concertos. Em 2002 lançou o seu segundo disco In Love. No ano seguinte participou no projecto Women of Cabo Verde, uma série de concertos realizados no Reino Unido que difundiram por aquele país os ritmos do arquipélago atlante das mornas e coladeras e lhe valeram inúmeros convites para actuar pelo mundo fora. 2005 foi um ano de viragem na carreira de Lura com o lançamento do disco Di Korpu Ku Alma, onde as hesitações estilísticas iniciais dos seus trabalhos, marcados por algumas influências soul e zouk, se desvanecem para dar lugar à Lura actual que se impôs como uma das mais importantes intérpretes da música tradicional de Cabo Verde, não apenas das famosas mornas e coladeras mas também dos ritmos menos conhecidos do arquipélago, como a Mazurca (de origem polaca e que por razões insondáveis se instalou há muito em terras criolas), o batuku de Orlando Pantera, o incontornável funaná (proibido nos tempos coloniais pela sensualidade bestial que supostamente exalaria) ou ainda os ritmos badíos importados da África continental. Valeu-lhe também o maior sucesso da sua carreira, o tema Na Ri Na, convertido rapidamente no ex-libris da cantora e ganhando um lugar no panteão das canções cabo-verdianas mais populares.
O álbum M’bem di Fora, lançado em 2006, consagra esta diva da música cabo-verdiana internacionalmente a afirma-a como um nome maior da World Music, admirada e aclamada pelas mais variadas plateias, de Portugal à China, sem esquecer os Estados Unidos e Canadá.
O enorme sucesso de Lura radica, em minha opinião, em dois factores essenciais: a enorme voz e presença em palco da cantora e os belíssimos arranjos de Toy Vieira, inspirados no repertório tradicional do arquipélago africano e que assenta nesta bela criola dividida entre Lisboa, Santiago e Boavista, como uma luva.
Poucos artistas demonstram uma entrega em palco como Lura. Dotada vocalmente como poucas resiste contudo a fazer das suas apresentações uma mera montra das suas invulgares capacidades vocais. Um concerto de Lura é festa, antes de mais. E se o público não se entrega à dança (nem todas as plateias têm sangue africano a correr nas veias…) Lura e os seus pares encarregam-se da despesa. O ritmo brota de cada movimento da cantora que, reiteradamente, se converte em dançarina, em percussionista ou simplesmente em entertainer, brincando e provocando o público, que rapidamente se entrega rendido aos encantos dos ritmos africanos. Há qualquer coisa de mágico e de profundamente contagiante na entrega desta mulher em palco! Algo que não se transmite pelos discos, por muito bem produzidos e interpretados que sejam. Que é necessário viver, in loco, para se sentir na alma, que se entranha e vicia!
Esta noite no Olga Cadaval Lura apresentou-se acompanhada de Toy Vieira ao piano, Guillaume Singer no violino, Vaiss Dias na guitarra, Jair na percussão (outro poço de energia africana, o único com verdadeira “pedalada” para acompanhar o fenómeno Lura), Carlos Paris na bateria e Russo no baixo, em mais uma viagem inesquecível aos ritmos quentes de Cabo Verde.
Não chegou propriamente ao deslumbramento do memorável concerto do Tivoli, em Novembro de 2007 (de que já dei nota nas presentes páginas), por várias razões, desde a configuração da sala ao som, passando pela substituição de Adérito por Vaiss na guitarra e pelo próprio público, mais frio em Sintra do que em Lisboa (a menor presença da comunidade Cabo-verdiana notou-se). Não obstante foi uma noite vibrante de ritmo e paixão pela música e pela vida, desta grande mulher africana que o acaso do destino fez nascer em Lisboa. Grande Lura!
sexta-feira, 25 de julho de 2008
Sons de Sefarad (8)
A Música Bizantina
Por música bizantina entende-se a música oriunda dos antigos contornos do império bizantino, composta de acordo com o clássico sistema modal de origem grega, seja ela cerimonial, festiva ou eclesiástica.
Já atrás vimos que a música sefardita deve os seus contornos orientais precisamente à herança litúrgica bizantina, que alguns remontam ao rito oriental adoptado pelos visigodos que se instalaram na península ibérica a partir do séc. V da nossa era.
No entanto não podemos esquecer que, nos primórdios do cristianismo (que se desenvolveu precisamente por terras do Mediterrâneo oriental), pouco separava o rito cristão do judaico e que, por isso, a construção musical da liturgia cristã terá sido fortemente influenciada pela judaica, de onde deriva, em primeira análise, sobretudo do judaísmo egípcio (o próprio Eusébio, um dos mais antigos historiadores da Igreja, associou o rito judaico alexandrino ao cristão do seu tempo, quatro séculos posterior).
Deste modo são inegáveis as influência judaicas na música bizantina (e vice-versa), quer nas suas origens, quer depois pela convivência secular das duas culturas, antes e depois da diáspora sefardita. A estas influências primordiais, pagã, cristã e judaica juntou-se a otomana a partir de 1453, data da conquista de Constantinopla pelos turcos.
A constância da tradição melódica da liturgia oriental assenta na convicção pré-apocaliptica (podem encontrar-se vestígios desta tradição em textos do Antigo Testamento dos profetas Isaías e Ezequiel) da transmissão angélica do canto sagrado, isto é, da origem divina dos padrões musicais usados na liturgia que uniam homens e anjos na oração. Esta crença, de origem judaica, foi mantida nos primórdios na Igreja Cristã e defendida por pais da Igreja como S. Clemente de Roma, Santo Inácio de Antioquia, Atenágoras de Atenas ou o pseudo Dionísio Areopagita.
A música bizantina surge assim conservadora, estável na defesa da tradição e avessa ao contributo individual do intérprete (a sua origem divina impede a inovação, que revestiria um carácter quase blasfemo). Essa estabilidade esteve na origem do desenvolvimento de técnicas de notação pelos bizantinos a partir do séc. IX. Devemos-lhes pois a invenção da escrita musical (a forma mais segura de transmissão da tradição).
O alargamento musical na liturgia oriental surge sobretudo a partir do séc. V com o aparecimento do “kontakion”, inovação de origem siríaca que consiste numa homília dramática e cantada que, de forma longa e silábica, apresenta paráfrases e narrativas bíblicas, geralmente no ofício matinal. Esta forma evolui por volta do séc. VII para o “kanon”, com Santo André de Creta ou S. João de Damasco, hino mais complexo e melismático composto por nove odes associadas aos nove cânticos bíblicos sagrados (as canções do mar e de Moisés, as orações de Hannah, Habakkuk, Isaías, Jonas e Azarias, a canção das três crianças sagradas, o Magnificat e o Benedictus). Estas formas primitivas foram adoptadas pelo movimento monástico que as desenvolveu e divulgou por todo o mundo cristão (acabaria, no ocidente, por originar o canto gregoriano, que mais não é do que o “kanon” grego, expurgado por ordem do papa Gregório I, o Grande, de alguns “indesejáveis” elementos judaico-egípcios).
O maior contributo sefardita porém aparece na música secular. Embora de raiz musical comum a Espanha judaica medieval adoptou a riqueza da poesia árabe e levou para a sinagoga a música secular através de várias formas, o romance, as complas, as canticas e as endechas. Com a diáspora sefardita estas formas de música popular difundiram-se por todo o mundo mediterrânico, designadamente pelos espaço ocupado pelo império otomano (os turcos tinham tomado Constantinopla em 1453) e perpetuaram-se na música tradicional de muitos países do Mediterrâneo, da Península Ibérica à Palestina e de Marrocos ao Egipto, muitas vezes preservando a língua ladina original.
Vassilis Tsabropoulos Anja Lechner
Chants, Hymns & Dances
ECM 2004
Chants, Hymns & Dances é um projecto fascinante desenvolvido pelo pianista e compositor grego Vassilis Tsabropoulos e pela violoncelista alemã Anja Lechner, editado em 2004 com a chancela da ECM. Definido como um projecto sobre os cruzamentos musicais do mundo procura esbater as divisões entre Ocidente e Oriente, entre o tradicional e o contemporâneo, em termos musicais. Para tal parte de um repertório do próprio Tsabropoulos e também do filósofo e compositor arménio Georges Ivanovitch Gurdjieff (c.1877-1949), inspirado nos cânticos tradicionais bizantinos e ainda nas melodias e ritmos, sagrados e seculares, do Cáucaso, Médio Oriente e Ásia Central, ao qual junta os belíssimos arranjos de Tsabropoulos e alguma inspiração e improvisação (o pianista grego já tinha alguma experiência jazzística, desenvolvida em trabalhos como Achirana (ECM, 1999) e The Triangle (ECM, 2003) em que colaborou, em trio, com os músicos de jazz Arild Andersen e John Marshall). Lechner, enquanto membro do Rosamunde Quartet, tinha já trabalhado com o compositor arménio Tigran Mansurian, e Tsabropulos editado um disco de originais dedicado à tradição oral da música bizantina (Akroasis, ECM 2002), pelo que o projecto se colocou com naturalidade aos dois intérpretes.
Deixo-vos pois na encruzilhada dos mundos musicais (oriental e ocidental, tradicional e erudito), com o tema Dance, um original de Vassilis Tsabropoulos inserido no trabalho Chants, Hymns & Dances. As belas fotos de Istambul são da autoria de Rafael Angelus.
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Sideways, por Jacob Young e John Lamb
Já tive ocasião de tecer rasgados elogios ao último trabalho discográfico do guitarrista norueguês, de ascendência norte-americana, Jacob Young, entitulado Sideways e lançado em 2007 pela editora alemã ECM.
Faltou apenas ilustrar tais elogios com um vídeo que melhor convencesse o leitor atento dos méritos do aludido trabalho.
Suprida pois essa lacuna, deixo-vos com o tema que dá nome ao álbum, Sideways, da autoria de Jacob Young, com o mesmo na guitarra, acompanhado por Mathias Eick, no trompete, Mats Eilertsen, no contrabaixo, Vidar Johansen no clarinete baixo e saxofone tenor e Jon Christensen na bateria.
Quanto ao mais remeto-vos para o artigo já publicado nestas páginas com o título Olhando as Estrelas.
As magníficas fotos monocromáticas da Nova Zelândia, que compõem o video, são da autoria de John Lamb.
quarta-feira, 23 de julho de 2008
Espaço Para a Criatividade
Mário Laginha Trio
Espaço
Clean Feed, 2007
Em 2007 o pianista e compositor português Mário Laginha reuniu o seu trio, composto por ele próprio no piano, Bernardo Moreira no contrabaixo e o luso-brasileiro Alexandre Frazão na bateria, e gravou pela Clean Feed um dos mais admiráveis trabalhos da sua carreira, denominado Espaço.
Encomendado pela Trienal de Arquitectura de Lisboa 2007, “Espaço” é um trabalho musical inspirado pela arquitectura. A música como arquitectura líquida, nas palavras de Iannis Xenakis. As linhas contínuas e descontínuas, as superfícies planas e distorcidas, o espaço e a sua ausência são transferidos para o universo musical pelo génio criativo de Laginha e dos seus pares numa obra consistente e inspirada, plena de sensibilidade, eleita pela crítica como Melhor CD Jazz Nacional Novidade em 2007.
Já me tinha referido a ela nestas páginas num comentário à brilhante apresentação do trio no Maxime, faz agora um ano. A obra foi editada em 8 de Junho de 2007 e foi originalmente apresentada na Culturgest a 26 de Junho de 2007.
Laginha nasceu em Lisboa em 1960 e estudou piano no Conservatório Nacional com os professores Jorge Moyano e Carla Seixas, tendo terminado o Curso Superior de Piano com a classificação máxima. Foi um dos fundadores do Sexteto de Jazz de Lisboa, em 1984. O seu primeiro disco, HOJE, foi gravado em 1994, em quinteto com o saxofonista inglês Julian Argüelles, o guitarrista Sérgio Pelágio, o contrabaixista Bernardo Moreira e o baterista Alexandre Frazão, editado pela Farol.
Quer como pianista, quer como compositor, Mário Laginha tem estado directamente ligado à carreira de Maria João. Gravaram juntos dez álbuns e deram centenas de concertos por todo o mundo, em eventos tão prestigiados como Festival de Jazz de Montreux, Festival do Mar do Norte, Festival de Jazz de San Sebastian, Festival de Jazz de Montreal, entre muitos outros.
Em LOBOS, RAPOSAS E COIOTES compôs e arranjou para a Orquestra Filarmónica de Hannover, dirigida pelo Maestro Arild Remmereitt, em 1999 (Universal/Verve).
Como compositor, Mário Laginha tem escrito para diversas formações, como a Big Band da Rádio de Hamburgo, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Orquestra Filarmónica de Hannover, Remix, Drumming e Orquestra Nacional do Porto.
Tem também tocado ao lado de prestigiados nomes, tais como Ralph Towner, Manu Katché, Dino Saluzzi, Cristof Lauer, Nguyen Lê, Julian Argüelles, Steve Argüelles, Kai Ekkart, Trilok Gurtu e Howard Johnson.
A ilustrar este trabalho de Mário Laginha deixo-vos com um dos mais belos temas do disco, denominado “Tanto Espaço”, acompanhado de belas fotos de Steve Morris, integradas num trabalho do fotógrafo a que chamou “Shrewsbury in soft light”.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Jazz em Agosto na Gulbenkian
Vai decorrer de 1 a 9 de Agosto a 25ª edição do Jazz em Agosto na Fundação Calouste Gulbenkian, subordinada ao tema Extensões. Para Rui Neves, o seu director artístico, numa altura em que, mais do que nunca, o jazz questiona a sua própria identidade, fruto de contínuas trocas intercontinentais e mesmo interdisciplinares, o Jazz em Agosto pretende sobrepor-se a querelas e excomunhões, alimentadas por uma ideia de pensamento único, e seguir simplesmente o trajecto criativo dos músicos, compreendê-los, aceitá-los, veiculá-los e apresentá-los em condições adequadas.
O conceito de Extensões abrange assim a ideia globalizada e conceptualmente alargada do jazz actual, mas também deve ser entendido em sentido geográfico pretendendo a organização apresentar músicos de vários continentes, unidos sob a ideia cada vez mas difusa e discorrente do jazz.
O Jazz em Agosto é, desde 1984, um dos mais importantes eventos dedicados ao jazz a decorrer no nosso país, tendo, ao longo da sua existência, programado e apresentado pela primeira vez em Portugal importantes músicos que se inscreveram na História dos últimos 25 anos, uma lista vasta que inclui, entre outros, Bill Frisell, Joe Lovano, Terje Rypdal, Art Ensemble of Chicago, Jimmy Giuffre, George Russell, Dave Douglas, Matthew Shipp, Don Byron, Tim Berne, World Saxophone Quartet.
O programa completo é o seguinte:
Sexta, 1 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
OTOMO YOSHIHIDE NEW JAZZ ORCHESTRA feat AXEL DÖRNER, COR FUHLER, MATS GUSTAFSSON
Sábado, 2 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
«Last Date» (92’) DVD
Filme documental sobre Eric Dolphy com a presença do realizador, Hans Hylkema
Sábado, 2 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Satoko Fujii MIN-YOH ENSEMBLE
Domingo, 3 Ago 2008, 15:30 - Auditório Dois
«A Bookshelf on Top of The Sky» (82’) DVCAM
Filme documental sobre John Zorn da realizadora Claudia Heuermann
Domingo, 3 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
PAAP
Domingo, 3 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
JOHN ZORN / FRED FRITH
Quinta, 7 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
«Misha Mengelberg Afijn» (80’) DVCAM
Filme documental sobre Misha Mengelberg com a presença da realizadora e montadora Jellie Dekker e editor de som Dick Lucas
Quinta, 7 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Taylor Ho Bynum SEXTET
Sexta, 8 Ago 2008, 15:30 - Auditório Dois
«The Changing Scene»
Mesa Redonda moderada por Bill Shoemaker com a participação dos músicos Joe McPhee, Taylor Ho Bynum, Mary Halvorson e Barre Phillips
Sexta, 8 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
Memorize the Sky
Sexta, 8 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Sylvie Courvoisier LONELYVILLE
Sábado, 9 Ago 2008, 15:30 - Auditório Dois
FRITZ HAUSER (solo percussão)
Sábado, 9 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
PASCAL CONTET/BARRE PHILLIPS
Sábado, 9 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Peter Brötzmann CHICAGO TENTET
Mais informações poderão ser obtidas através do site http://www.musica.gulbenkian.pt/jazz/
Nostalgia Paneuropeia
Wolfert Brederode Quartet
Currents
ECM 2007
O holandês Wolfert Brederode nasceu em Den Haag em 1974, e estudou piano clássico e jazz no Real Conservatório de Haia. É conhecido pelas suas colaborações com a cantora Susanne Abbuehl (que assina um dos originais deste disco “As You July Me” ) com quem pôs em evidência a sua abordagem poética do piano, particularmente adequada à voz da cantora suiça (também ela estudante de jazz na Holanda, com Jeanne Lee). Tem composto para teatro na Holanda e trabalhou ainda como sideman para músicos como Dave Liebman, Jeanne Lee, John Ruocco, Arve Henriksen, Trygve Seim, Wolfgang Puschnig, entre outros, além da fadista portuguesa radicada na Holanda Cristina Branco, com quem colaborou num trabalho acompanhado pela Amsterdam Sinfonietta.
Tem agora a sua oportunidade na ECM, lançando este Currents (ECM, 2007), o seu primeiro disco para a editora alemã (antes já tinha gravado para editoras como a A-Records, Daybreak, Buzz Records e Jazz in Motion), a qual reuniu um quarteto pan-europeu de músicos jovens e talentosos. Além do holandês participam neste disco o clarinetista suíço de origem italiana, Claudio Puntin (que colaborou anteriormente com Hermeto Pascoal, Jim Black, Dave Douglas, Nils Wogram, Anders Jormin e o nosso João Paulo, no trio COR do qual faz igualmente parte o baterista Samuel Rohrer), o contrabaixista norueguês Mats Eilertsen (que ainda recentemente participou no belíssimo trabalho de Jacob Young, Sideways, mas que colaborou igualmente em projectos liderados por Trygve Seim, Bobo Stenson, Kenny Wheeler, Pat Metheny, Nils Petter Molvær, John Taylor e Christian Wallumrød, entre outros) e o baterista suíço Samuel Rohrer, formado em Berna e no Berklee College of Music que, além de liderar o seu próprio projecto Tree, colaborou entre muitos outros com Susanne Abbuehl, Charles Gayle, Sirone, Michel Portal, Ferenc Snetberger, Markus Stockhausen, Arild Andersen, Wolfgang Muthspiel e também com o nosso João Paulo no trio Cor (do qual faz igualmente parte Claudio Puntin).
Este Currents é um disco sereno e introspectivo, composto exclusivamente por originais de Brederode (à excepção de “As You July Me” de Susanne Abbuehl) e onde o lirismo deste no piano, bem acompanhado de forma sóbria mas inspirada por Eilertsen e Rohrer, encontra um original e apelativo complemento no protagonismo de Puntin no clarinete. Um jazz de câmara, produzido por Manfred Eicher, em que os músicos deixam os sons lentamente fluir dos seus instrumentos, com uma serenidade melódica que nunca cai no minimalismo, antes encanta pela sensibilidade e envolvência demonstradas, num feliz casamento das nostalgias nórdica e latina.
Deixo-vos com o tema Desiderata acompanhado de belas fotos das gentes de Veneza da autoria de Marina Palpati.
domingo, 20 de julho de 2008
Sons de Sefarad (7)
A França Sefardita
A França é hoje o país onde reside a maior comunidade sefardita, fora do estado judaico de Israel. Estima-se que perto de 350.000 judeus sefarditas vivam actualmente naquele pais (cerca de metade dos israelitas e cinco vezes mais do que os residentes nos Estados Unidos da América, o terceiro classificado da lista).
Em França os sefarditas são mesmo maioritários dentro da comunidade judaica, estimada em mais de meio milhão de pessoas.
Uma das maiores comunidades encontra-se na cidade de Marselha (a segunda maior, logo a seguir a Paris) composta sobretudo por judeus oriundos das ex-colónias francesas do Magreb: Argélia, Tunísia e Marrocos que, depois da independência e face à hostilidade da população muçulmana local, sobretudo evidenciada após a guerra dos seis dias, terão preferido a segurança da metrópole à aventura da terra prometida de Israel.
Apesar de um quarto da população judaica francesa ter sido morta pelos nazis durante a segunda guerra mundial, a França possui actualmente a maior população judaica da Europa.
Os Judeus em França
A presença de comunidades judaicas em Marselha está documentada, pelo menos, desde o séc. VI. Tradicionalmente eram mercadores (incluindo traficantes de escravos), colectores de impostos, marinheiros e médicos.
Há registos de leis discriminatórias contra os judeus desde 629, quando o rei Dagoberto ordenou que fossem confiscados os bens de todos os judeus que não se convertessem ao cristianismo. Contudo, mais a sul, a comunidade florescia sob o domínio visigótico (o sul da França fazia parte do reino visigótico espanhol, daí a predominância sefardita nos judeus franceses, sobretudo os das costas mediterrânicas).
Durante o período Carolíngio foram os comerciantes judeus quem manteve vivo o comércio com o oriente, face ao avanço sarraceno no norte de África, e nas penínsulas ibérica e itálica, o que lhes granjeou prestígio e protecção dos monarcas, designadamente de Carlos Magno.
Porém com os Capetos a repressão regressou. Um decreto de Alduin, bispo de Limoges, condenou ao exílio os judeus que recusassem o baptismo. Também Robert, duque da Normandia, terá dado ordens aos seus soldados para destruir todos os judeus que não abraçassem a fé católica. A perseguição só terá sido interrompida por intervenção papal directa, a pedido de um judeu de Rouen chamado Jacob b. Jekuthiel. Sob Roberto, o Pio, as perseguições foram violentas, com expulsões, assassínios e suicídios em massa, sobretudo após ter corrido em França o rumor de que teria sido uma carta enviada pelos judeus aos sarracenos a provocar a tomada da Igreja do Santo Sepulcro em 1010, pelos Árabes.
A figura judaica francesa mais importante deste período foi Rashi de Troyes (Solomon b. Isaac – 1040-1106) fundador da famosa escola de Troyes de estudos Bíblicos e do Talmud, um dos mais importantes pólos de conhecimento judaico da época.
Durante a primeira cruzada foram cometidas várias atrocidades contra a população judaica, como em Rouen em 1096, antecipando um século particularmente difícil para os judeus franceses. Acusados de sacrificarem crianças cristãs nos seus rituais, foram duramente perseguidos e condenados à fogueira. Logo após a sua coroação como rei, Filipe Augusto ordenou, em 14 de Março de 1181, a prisão de todos os judeus. Os seus bens foram confiscados e ordenada a sua expulsão em Abril de 1182. Contudo este acto teve importantes reflexos nos cofres da coroa. Privado de uma das suas maiores fontes de rendimentos o rei foi obrigado a ignorar a sua própria ordem e a incentivar o regresso dos judeus, a partir de 1198, permitindo-lhes não apenas o regresso mas ainda que se instalassem como banqueiros e penhoristas (negócios que se encarregou de taxar abundantemente).
S. Luís (IX) foi mais escrupuloso. Além de instituir várias leis anti-usura, ordenou que fossem queimados em Paris 12.000 exemplares do Talmud e outros livros religiosos judaicos e, para financiar a sua cruzada, ordenou nova expulsão dos judeus, confiscando-lhes os bens.
No século XIII a Inquisição perseguiu e condenou ao baptismo forçado ou à forca muitos judeus no sul de França, por ordem do Papa Gregório X. Os judeus que recusassem a conversão eram considerados heréticos e como tal tratados pelo tribunal da inquisição.
Em 1306 Filipe, o Belo, ordena igualmente a expulsão dos judeus com perda dos seus bens a favor da coroa. Cerca de 100.000 judeus terão saído de França a partir de Julho de 1306, mas o seu sucessor, Luís X, permitiu novamente o seu regresso, em édito de 28 de Julho de 1315, privilégio que lhe terá rendido a soma de 122.500 libras. No entanto Carlos VI volta a ordenar a expulsão dos judeus de França em 17 de Setembro de 1394.
A Emancipação Judaica
A partir do séc. XVII os judeus começam a regressar à França, mas só partir do séc. XVIII se pode verdadeiramente falar de uma mudança de atitude das autoridades francesas face aos judeus. Em 1785 foi abolida a taxa de portagem cobrada aos judeus e foi-lhes permitido estabelecerem-se em toda a França. A defesa da cidadania judaica foi assumida entre outros por Mirabeau no seu panfleto “Sur Moses Mendelssohn et la Reforme Politique" (Londres, 1787), que lançou grande debate na sociedade francesa sobre a questão judaica.
A revolução começou com perseguições aos judeus o que levou a que muitos se refugiassem em Basileia. No entanto Mirabeau, o Conde Clermont Tonnerre e o abade Grégoire defenderam perante a Assembleia Nacional a cidadania plena dos judeus (sem sucesso, contudo, apenas uma comunidade de judeus portugueses e de Avinhão foram elevados à cidadania em 28 de Janeiro de 1790) e só em 27 de Setembro de 1791, pouco antes da dissolução da Assembleia Nacional, foi aprovada uma moção apresentada pelo jacobino Duport, reconhecendo a cidadania a todos os franceses independentemente do credo professado. Ainda assim foram cometidas perseguições aos judeus durante o período do Terror.
Com Napoleão a emancipação judaica foi espalhada pela Europa, libertando ghettos e estabelecendo uma relativa equidade nos territórios conquistados, Em 1807 elevou mesmo o judaísmo a uma das religiões oficiais da França. Em 1831, com Luís Filipe e por iniciativa do Duque de Orleans, foi dado apoio financeiro estatal às sinagogas, à semelhança do que já acontecia com as Igrejas católicas e protestantes.
Em 1870 foi concedida a cidadania francesa aos judeus argelinos, à excepção dos residentes no M’Zab.
No entanto, no final do séc. XIX, ressurgiram movimentos anti-semitas que levaram ao famoso caso Dreyfus. Um oficial do exército de ascendência judaica foi acusado de traição a favor do imperador alemão e condenado ao exílio na Guiana. Muito por influência de Emile Zola, as provas que condenaram Dreyfus, veio a demonstrar-se, foram forjadas pela contra-espionagem francesa e este seria novamente julgado em 1899, absolvido e reintegrado no exército em 1906. O caso Dreyfus reacendeu a discussão pró e anti-semita na França do final do séc. XIX.
A França assumia-se assim como a pioneira no tratamento igualitário dos judeus, levando a que muitos para lá emigrassem no princípio do séc. XX, oriundos sobretudo do leste europeu. Artistas como Modigliani, Soutine ou Chagall contam-se entre os chegados no virar do século.
Foi também o primeiro país a ter um primeiro-ministro judeu, Léon Blum, eleito em 1936. Porém com a conquista alemã o Governo de Vichy permitiu a entrega à Gestapo de quase 76.000 judeus, levados para os campos de concentração alemães. Destes só cerca de 7.000 sobreviveram.
Após a segunda guerra mundial nova vaga de imigração judaica chegou a França, oriunda primeiro da Europa de leste e mais tarde das colónias francesas no norte de África.
Ecos de Sefarad
A ilustrar a presença sefardita na cultura musical francesa contemporânea escolhi um tema da Orchestre National de Jazz, de forte influência Magrebina (afinal a maioria dos sefarditas residentes em França são oriundos no norte de África), denominado Artefact- Part 1, extraído do disco Charmediterraneén (ECM, 2002).
A ONJ é uma big band de jazz europeu já com 20 discos editados. Uma verdadeira instituição no jazz contemporâneo francês, que desde a fundação se preocupou em fomentar colaborações com músicos de outras paragens e culturas. Nascida em 1986 pela mão de Maurice Fleuret e de Jack Lang, com direcção musical do saxofonista François Jeanneau, instituiu desde o início uma política de direcção rotativa de forma a elevar o seu potencial criativo. Assim a Jeanneau sucederam o pianista Antoine Hervé, o guitarrista Claude Barthélémy, os também pianistas Denis Badault e Laurent Cugny, os contrabaixistas Didier Levallet e Paolo Damiani, antes de Barthélémy retomar a direcção da orquestra em 2002.
Gravado em Outubro de 2001, no consulado do italiano Paolo Damiani (que já tinha liderado a Italian Instabile Orchestra, também com obra editada pela ECM), Charmediterraneén foi o primeiro disco da ONJ editado pela ECM numa original homenagem à magia da cultura mediterrânica transfigurada pelos arranjos subversivos de Damiani. Além do italiano no violoncelo e direcção musical, contou com François Jeanneau no sax soprano e flauta, Jean Marc Larché e Thomas de Pourquery nos saxofones, Alain Vankenhove e Médéric Collignon nos trompetes e fliscórnio, o virtuoso italiano Gianluca Petrella no trombone, Didier Havet no sousafone, Régis Huby no violino, Olivier Benoit na guitarra, Paul Rogers no contrabaixo, Christophe Marguet na bateria e como convidados especiais o italiano Gianluigi Trovesi no clarinete e saxofone alto e o tunisino Anouar Brahem no oud.
Não seria possível visitar a tradição musical mediterrânica sem fazer eco dos sons de Sefarad, por isso deixo-vos com a Orchestre National de Jazz e o tema Artefact- Part 1, composto por Anouar Brahem, com fotos da cidade de Marselha da autoria de Bobby Wong Jr.
Agenda Jazz, 21 a 27 de Julho
3ª feira, 22
19.00h – Instituto Goethe (Lisboa) - Manuel Mengis Gruppe 6
19.30h - Hotel Le Meridien Dona Filipa (Vale de Lobo – Loulé) - Hugo Alves & Amigos
20.30h - Hotel Le Meridien Dona Filipa (Vale de Lobo – Loulé) - Orquestra de Jazz de Lagos Redux
22.00h – Auditório de Espinho – Brad Mehldau Trio
22.30h – Ondajazz (Lisboa) – Big Band Reunion
23.30h – Rossio (Lisboa) – On Dixie
4ª feira, 23
21.30h – Jazz ao Norte (Porto) - Quinteto Luísa Vieira
22.00h – Hot Five (Porto) - Jam Session Porto All Stars
22.30h – Ondajazz (Lisboa) - Nicolas Simion e David Patrois
23.00h – Hot Club (Lisboa) - Paula Sousa Quinteto
23.30h – Rossio (Lisboa) – YemanJazz
5ª feira, 24
19.00h – Instituto Goethe (Lisboa) - Matthias Schriefl Shreefpunk
21.30h - Centro Cultural e de Congressos (Caldas da Rainha) - Antoine Hervé
21.30h – Castelo de Sines – Orchestra Baobab
22.00h – Praça da Erva (Viana do Castelo) - Acuña's Quartet & Jazz Ensemble da Escuela Municipal de Música de A Coruña
22.45h – Cafetaria Quadrante CCB (Lisboa) - Scott Fields Freetet
23.00h – Hot Club Lisboa – André Matos Trio
23.00h – Ondajazz (Lisboa) – Projecto Fuga
23.30h – Rossio (Lisboa) - Little Cat Blues Band
23.30h – Catacumbas (Lisboa) - Not So Standard
6ª feira, 25
21.30h – Fnac Alfragide – Projecto Fuga
22.00h – Cidadela de Cascais – Pink Martini
22.00h – Convento do Espírito Santo (Loulé) – Júlio Resende Quartet
22.00h – Hot Five (Porto) – Susana Travassos
23.00h – Ondajazz (Lisboa) – Dan Hewson
23.00h – Hot Club (Lisboa) - André Matos Trio
23.30h – Rossio (Lisboa) – Moi Non Plus
Sábado, 26
18.00h – Serralves (Porto) - Quarteto Michel Portal
18.00h – CCB (Lisboa) - Concerto Férias com Jazz
21.00h - CCB (Lisboa) - Concerto Férias com Jazz
22.00h – Fnac Almada – Projecto Fuga
22.00h – Convento do Espírito Santo (Loulé) – Criminology
22.00h - Teatro Municipal Sá de Miranda (Viana do Castelo) - Jean-Luc Ponty & His Band
23.00h – Bacalhoeiro (Lisboa) – Mikado Lab
23.00h – Hot Club (Lisboa) - André Matos Trio
23.00h – Zé dos Bois (Lisboa) – Sei Miguel
23.00h – Braço de Prata (Lisboa) – Mário Franco Trio
23.30h – Ondajazz (Lisboa) – Ficções - Rui Luís Pereira (Dudas)
23.30h – Rossio (Lisboa) – On Dixie
24.00h – Castelo de Sines - Doran-Stucky-Studer-Tacuma
Domingo, 27
22.00h - Convento do Espírito Santo (Loulé) - SF Jazz Collective
22.30h - Praia dos Pescadores (Albufeira) – Lila Downs
sexta-feira, 18 de julho de 2008
Filipe Melo Trio
Filipe Melo Trio
Ondajazz (Lisboa)
17 de Julho de 2008, 23.00h
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Esta foi a primeira apresentação pública do novo trabalho de Filipe Melo, ainda sem data marcada para a gravação. Desta feita o jovem pianista (e cineasta), docente na escola de jazz do Hot Club de Portugal (onde é coordenador do departamento de piano) e bem assim no Conservatório do Funchal, voltou a apostar na formação em trio mas agora numa estrutura mais clássica, com a guitarra de Bruno Santos a dar lugar à bateria entregue a Bruno Pedroso. Já Bernardo Moreira continua no contrabaixo e com trabalho reforçado.
Apesar de se notar ainda alguma falta de rodagem no novo trio e repertório (os discos constroem-se na estrada, mais do que no estúdio…) é notória uma evolução no trabalho de Filipe Melo. Embora fiel ao seu inconfundível estilo swingado de tocar o blues (Filipe Melo é, indiscutivelmente, um dos músicos portugueses com mais swing!) o pianista arrisca mais neste seu segundo disco: nas composições (a maioria dos temas são originais seus), nos arranjos e na consolidação de um estilo, fruto da sua maior maturidade como músico.
O maior classicismo presente em Debut (Clean Feed, 2005) aparece agora temperado por alguns arrojos de free jazz e bem assim pela ousadia de integrar o blues quer em universos musicais mais eruditos, clássicos e contemporâneos, quer ainda em ritmos afro-cubanos, sem esquecer uma passagem pelo zydeco, já ouvida na digressão nacional com o saxofonista norte-americano Donald Harrison, natural da cidade berço do jazz, New Orleans, e por isso bem ambientado nestes exotismos cajun da Louisiana francófona.
Esta abertura a novos estilos de viver o jazz liberta igualmente os excelentes músicos que o acompanham neste novo trabalho para um maior, e merecido, protagonismo. Bernardo Moreira foi chamado por diversas ocasiões a trabalho de destaque, quer em solos brilhantemente desenvolvidos, que enriqueceram de forma assinalável a apresentação, quer ainda em frequentes contrapontos, num diálogo cativante com o piano, de que o tema Puzzle terá sido talvez o mais conseguido (e aplaudido) exemplo. Mas também Bruno Pedroso apareceu mais solto, assumindo um protagonismo pouco habitual (o seu estilo é habitualmente seguro e subtil), fruto do espaço aberto nos temas para as suas arrancadas na bateria. E tudo isto sem que a presença de Filipe Melo no piano saísse minimamente beliscada. O jovem e promissor pianista lisboeta aparece exuberante como sempre, sobretudo nos blues, mas com uma capacidade acrescida de criar espaços nos temas para os restantes instrumentos, não limitados a tarefas rítmicas mas antes alternando com o piano as despesas melódicas e harmónicas da apresentação.
Em suma, um trabalho que promete de um músico que é cada vez mais uma certeza do jazz nacional.
Recomenda-se vivamente e já agora, enquanto não sai o disco, vão usufruindo das apresentações pelo país fora que, oportunamente, darei conta nestas páginas.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
Sons de Sefarad (6)
A presença judaica na Argélia remonta à fundação de Cartago pelos Fenícios, época em que muitos berberes terão sido convertidos ao judaísmo. Após as guerras judaicas e a destruição do Templo de Jerusalém pelo imperador Tito, em 70 AD, muitos judeus foram deportados para a Mauritânia (actual Magreb), o mesmo sucedendo aquando do esmagamento das revoltas judaicas na Cirenaica (actual Líbia) pelos exércitos do imperador Trajano.
Durante a conquista árabe as tribos judaico-cristãs dos Dejrawas e dos Nefzaouas, comandados pela lendária rainha-guerreira Kahena, distinguem-se na resistência ao invasor.
O Pacto do Califa Omar ibn al-Khattab, assinado no século VII, concede aos judeus norte-africanos liberdade de culto, ainda que à custa de um estatuto social muito inferior ao dos muçulmanos. Mas após um período relativamente tolerante, a repressão contra as tribos judaicas é retomada no século XII com os Almorávidas e os Almoadas. São perpetradas conversões forçadas, é vedado o casamento com muçulmanos e sobretudo é proibido o exercício do comércio por judeus, o que leva à fuga em massa de hebreus para o Egipto (como Maimonides), para a Palestina, Itália e Espanha omíada (antes dos radicais conquistarem igualmente as Taifas de Córdoba).
A partir do século XIV porém a emigração inverte-se, com a chegada ao norte de África de judeus sefarditas, na sequência das perseguições e massacres de Agosto de 1391 e da ordem de expulsão de 1492, após a conquista de Granada pelos reis de Espanha, reforçando amplamente o contingente judaico da Argélia.
A forte cultura e prestígio da sociedade sefardita entre a comunidade judaica (afinal os hebreus peninsulares tinham produzido alguns dos maiores sábios da história judaica como Maimonides, Abraham ibn Ezra, Juda Halevi, Namanides, Salomon ibn Gabirol ou Moisés de Leão) terá sido responsável pela progressiva adopção do rito e dos costumes peninsulares entre as populações nativas do norte de África, originariamente berberes. A ponto de todas as comunidades judaicas do Magreb serem identificadas como sefarditas, apesar de apenas cerca de 12% possuírem efectivamente raízes latinas.
Também a sociedade judaica argelina se dividia entre a comunidade berbere africana, os sefarditas oriundos da península ibérica nos séculos XIV e XVI e os judeus italianos emigrados no séc. XVII, sobretudo da Toscânia (também eles maioritariamente sefarditas). Porém, ao contrário do que sucedeu na Tunísia, aqui nunca houve cisões entre os vários grupos e ao contrário do que sucederia nalgumas cidades marroquinas, como Tânger e Tétouan, o Ladino nunca foi adoptado como língua principal da comunidade.
Como os judeus tunisinos, os argelinos foram vítimas de leis discriminatórias impostas por árabes e turcos até à conquista francesa da Argélia, em 1830. O facto de os franceses terem instituído a liberdade religiosa, revogado as leis discriminatórias vigentes e, mais tarde em 1870, atribuído a nacionalidade francesa à maioria dos judeus argelinos (a excepção foram os judeus mzabitas dos territórios saarianos, os quais só lograriam a aquisição da nacionalidade francesa em 1961) fez com que a comunidade judaica acolhesse os soldados de Carlos X e de Napoleão III como libertadores.
Aliás a chegada dos franceses teve um reflexo importante na sociedade judaica argelina. Progressivamente foi-se mudando para as cidades e assumindo costumes europeus mais cosmopolitas. Assim não admira que, aquando da independência, a esmagadora maioria tenha optado pelo “repatriamento” para França, apesar de entre eles, poucos terem efectivamente laços familiares com a metrópole.
A música tradicional clássica argelina, denominada Chaâbi, é fortemente informada das raízes árabo-andaluzas, ainda hoje sentidas e assumidas pelos seus principais estudiosos e intérpretes.
Nasceu no Casbah de Argel no século XIX, arrastando consigo, durante muito tempo, o opróbrio de uma arte maldita, ouvida a portas fechadas nos cafés e casas de chá de Argel, pelos proscritos e foragidos. Só no decorrer do século XX e por acção de El Hajj Muhammad El Anka, seria estudada e elevada ao estatuto de arte maior, ensinada no Conservatório.
Embora partilhando com o flamenco as origens e a temática (amor, perda, exílio, amizade e traição) distingue-se pelo forte conteúdo moral das suas letras.
Maurice el-Médioni é um dos principais cultores do Chaâbi. Judeu sefardita, nasceu e cresceu no bairro judaico do porto de Oran, na década de 30 do séc. XX, onde aprendeu sozinho a tocar piano (comprou um velho piano na feira local e levou-o para casa, aos 9 anos de idade…). O jazz foi-lhe apresentado pelos soldados americanos que conquistaram a cidade em 1942 e para quem ele tocava, nos bares de Oran. Foi o suficiente para lhe aprender os truques e construir reputação como pianista de jazz, boogie-woogie e ritmos latino-americanos. Mais tarde aprendeu música andaluza actuando com vários cantores Raï argelinos. Com a sua reputação a crescer tocou na Ópera local e com vários músicos norte-africanos, muçulmanos mas também judeus como Lillie Boniche and Lili Labassi. Após a independência, à semelhança da maioria dos judeus argelinos, Maurice rumou a França, primeiro a Paris e mais recentemente a Marselha, onde reside e cultiva o seu estilo único que funde o jazz, o boogie-woogie e a salsa cubana com a música árabe e judaica.
O tema que escolhi chama-se “Ma Testahalchi” e consta do disco Café Oran (Piranha, 1996). Um tema onde as influências sefarditas são bem evidentes e que relata os desgostos da ingratidão humana. A acompanhar o seu piano estão Mahmoud Fadl e Marco Maimaran na percussão e Sabah Habas Mustapha no baixo, num disco em que igualmente participam (embora não neste tema) as estrelas do jazz klezmer norte-americano (ex-Klezmatics) David Krakauer no clarinete e Frank London no trompete. As fotos da Argélia são da autoria de Dandan.
terça-feira, 15 de julho de 2008
Sons de Sefarad (5)
As raízes históricas do flamenco não são facilmente determináveis (à semelhança do que sucede com outros géneros musicais tradicionais, como o nosso fado). Normalmente assume-se que o flamenco nasceu da interacção, ao longo da história, de várias culturas: a árabe e andaluza, a sefardita e a cigana, às quais se juntaram posteriormente influências latino-americanas, sobretudo cubanas.
O género é originário da Andaluzia, precisamente a região espanhola mais sujeita às influências mouriscas e sefarditas (não esqueçamos que a Andaluzia passou 781 anos sob domínio muçulmano, entre 711 e 1492. Desde a conquista de Granada pelos Reis Católicos ainda só decorreram 516 anos…), e desenvolveu-se sobretudo entre as classes mais desfavorecidas e marginalizadas. Pelo que a cultura flamenca foi, durante séculos, uma cultura popular clandestina, preservada oralmente por nómadas e proscritos e renegada, quando não perseguida, pelo poder instituído.
Só em meados dos anos 80 do séc. XX o flamenco começou a ser ensinado em Conservatórios e a merecer um estudo mais aprofundado de musicólogos e historiadores (sem prejuízo de alguns trabalhos importantes terem sido publicados sobre a matéria desde o séc. XIX, como as obras de Demófilo, pseudónimo de António Machado Alvarez, antropologista galego falecido em 1893).
Uma das características do flamenco é o uso do antigo modo grego Dório (actualmente conhecido por Frígio), cuja justificação alguns fazem remontar às liturgias mozarábicas do domínio visigótico, fortemente influenciadas pela cultura bizantina. O rito mozarábico sobreviveu ao domínio árabe e à reforma gregoriana, mantendo-se vivo na Andaluzia até ao final do séc. XI. Alguns musicólogos (entre eles o compositor Manuel de Falla) defendem que as origens do flamenco estão associadas a este rito litúrgico peculiar.
A invasão árabe em 711 trouxe novas influências à música peninsular, trazidas pelos berberes norte-africanos. O califado omíada de Córdoba funcionou como um dos principais pólos culturais da sua época, atraindo artistas (entre eles músicos) das mais variadas partes do mundo árabe e cristão. Um deles foi Zyriab que introduziu na Andaluzia várias formas musicais oriundas do mundo árabe (como o Adani, género proveniente de Aden, no Yemen, e que é considerado um parente próximo do flamenco. Aliás as melodias yemenitas são também comuns na música sefardita medieval), revolucionando técnica e artisticamente o uso do oud (que mais tarde evoluiria para a guitarra, pela aquisição de uma quinta corda) e estabelecendo as fundações da Nuba Andaluza, um género musical ainda hoje tocado por todo o norte africano, sobretudo em Marrocos.
Não podemos contudo esquecer o elemento judaico nas fundações do flamenco. Os judeus gozavam de uma relativa tolerância religiosa e étnica na sociedade do al-andaluz árabe, nomeadamente quando comparada com a praticada nas sociedades cristãs. Formavam um grupo social importante com as suas tradições, ritos e música, sendo provavelmente responsáveis pelo reforço das influências orientais e bizantinas no flamenco. Aliás, alguns géneros de flamenco (palos) são geralmente atribuídos a origens judaicas, como a “petenera”, que mais tarde originaria a dança flamenca “zarabanda”, que investigadores como Hipólito Rossy, defendem ter origem sefardita. Um dado curioso a este respeito é o facto de, entre as comunidades ciganas, a “petenera” ter fama de amaldiçoada, um género proscrito que atrai má sorte a quem o toca e dança. Alguns historiadores vêem nesta superstição uma prova da sua associação às comunidades judaicas, perseguidas e expulsas de Espanha no séc. XVI.
O puzzle flamenco fica completo com a descoberta das Américas. Danças tradicionais levadas pelos escravos africanos para a América originaram géneros como as “negrillas”, os “zarambeques” e as “chaconas”, a que se juntam os desenvolvidos por eles em terras americanas, sobretudo em Cuba, como o tango e o fandango, e que foram sendo importados e incorporados no folclore flamenco.
Uma das mais acérrimas defensoras das origens sefarditas do flamenco é a cantora israelita Yasmin Levy. Nasceu em Jerusalém, a 23 de Dezembro de 1975, filha de Yitzhak Levy, investigador histórico, nascido na Turquia, em 1919, dedicado à cultura judaica ibérica, à sua diáspora e língua, o Ladino.
Não admira pois que, tendo Yasmin enveredado pela música, se tenha igualmente concentrado na música sefardita cantada em Ladino.
Editou já três discos: Romance & Yasmin (Adama, 2004), La Judería (Adama, 2005), e Mano Suave (Adama, 2007); e um DVD Live at the Tower of David, Jerusalém (2007), nos quais explora as afinidades entre a música sefardita e o flamenco, tentando dessa forma pôr a nu o quanto a cultura judaica está presente na actual música tradicional andaluza.
O tema “Irme Kero” abre o disco Mano Suave, no qual Yasmin é acompanhada por excelentes músicos oriundos de Israel, do Irão, do Paraguai, da Turquia e de Espanha. Uma diversidade que se reflecte nas influências exaladas pela sua música.
As fotos são de Sevilha, a grande capital da Andaluzia e do Flamenco, e são da autoria de João Lopes.
Irme kero madre a Yerushalayim
Komer de sus frutos, bever de sus aguas.
Y en él me arimo yo,
Y en el me afalago yo,
Y en el Senyor de todo el mundo.
Y lo estan fraguando con piedras presiozas.
Y lo estan laborando con piedras presiozas.
Y en él me arimo yo,
Y en él me afalago yo,
Y en él Senyor de todo el mundo.
Y el Bet Amikdash lo veo d’enfrente,
A mi me parece la luna creciente.
Y en él me arimo yo,
Y en el me afalago yo
Y en el Senyor de todo el mundo.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
Sons de Sefarad (4)
Fontes documentais e arqueológicas indiciam que a presença judaica na Tunísia remonta há mais de 2.300 anos. O território é mesmo mencionado no Talmud e noutros escritos sagrados judaicos. As obras de Josephus (historiador romano de origem judaica, do séc. I da nossa era, também conhecido como Yosef Ben Matityahu ou Titus Flavius Josephus, que deixou várias obras dedicadas às Guerras Judaicas, escritas entre os anos 66 e 94 depois de Cristo), falam na deportação de 30.000 judeus para a Tunísia pelo imperador Tito e foram descobertos vestígios de um cemitério judaico e de uma sinagoga perto das ruínas de Cartago.
Após a conquista árabe, em 642, os judeus foram tratados com maior equidade o que levou ao florescimento e prosperidade da comunidade judaica tunisina, designadamente através do comércio das afamadas sedas daquele país. A riqueza atraiu emigrantes judaicos vindos sobretudo das penínsulas itálica e ibérica, estando tais imigrantes na origem da criação das cidades costeiras de Sousse, Monastir, Sfax e Gabes.
A cidade de Kairouan assistiu mesmo à fundação de uma das mais importantes academias judaicas da idade média, onde pontificaram académicos importantes como os Rabbi Jacob e Nissim ou o médico mistico Abu Sahl Dunash ben Tamin.
As dinastias árabes radicais do séc XII, dos Almorávidas e dos Almoadas, promoveram contudo acesas perseguições aos judeus tunisinos, com conversões forçadas e assassinatos em massa de muitos milhares de judeus, no Maghreb como na península ibérica. Mas a dinastia posterior dos Hafsidas mostrou-se mais tolerante, permitindo o culto judaico (embora instituindo leis anti-semitas como a djezia, imposto especial incidente sobre os rendimentos da população hebraica).
Após a conquista de Granada pelos reis católicos e a consequente expulsão dos judeus sefarditas de Espanha e, em 1497, de Portugal, muitos refugiaram-se na Tunísia, incluindo académicos importantes como Abraham Zacuto (matemático e astrónomo, colaborador de Cristóvão Colombo) que escreve em Tunes e em 1504 uma das suas mais afamadas obras, Sefer Yuhasin (O Livro da Genealogia).
O domínio otomano sobre a Tunísia, iniciado em 1573, foi em geral bem acolhido pela comunidade judaica, que atravessa, sob a égide turca, um dos períodos mais prósperos da sua história. É desta altura contudo a divisão da comunidade em dois grupos distintos: os Touansa (nativos da Tunísia) e os Gornim (imigrantes oriundos sobretudo de Itália e em particular da cidade de Livorno). Estes últimos, como estrangeiros, gozavam de privilégios considerados inaceitáveis pela comunidade nativa, como usarem roupas europeias (ao invés dos trajes tradicionais judaicos impostos pelas leis segregativas que vigoravam desde os tempos dos Hafsidas) ou poderem estabelecer residência fora dos bairros judaicos das cidades. Estes e outros conflitos levaram à separação de ambas as comunidades, as quais passaram a possuir sinagogas e cemitérios distintos, sobretudo a partir do Séc. XVIII.
Após a Conferência de Berlim de 1878 a Tunísia passou a constituir um protectorado francês. Contudo o poder político foi mantido nas mãos do Bey de Tunes, que já exercia anteriormente a soberania como representante dos turcos. Ao contrário do que tinha feito na Argélia, a França negou a cidadania francesa aos judeus tunisinos até 1923, o que levou a conflitos com o exército francês, sobretudo após a recusa de muitos judeus em envergarem o uniforme francês durante a Primeira Guerra Mundial. Com a conquista alemã e o governo de Vichy foram impostas leis anti-semitas na Tunísia e perpetradas perseguições aos judeus tunisinos, tendo sido enviados para campos de trabalho alemães cerca de 5.000 jovens. No entanto a retirada forçada do exército alemão em Março de 1943 impediu que a “solução final” fosse igualmente aplicada nas comunidades judaicas da Tunísia. Estima-se que, em 1945, existiam cerca de 105.000 judeus na Tunísia (só em Tunes concentravam-se cerca de 65.000).
A luta pela independência contou com forte apoio judaico e um dos mais importantes estrategas da revolução, André Barouche, era judeu (seria ministro no primeiro governo independente liderado pelo Presidente Habib Bourguiba, depois da independência do território em 1956, concedida pelo primeiro-ministro francês Pierre Mendès-France, também ele judeu sefardita).
Contudo após a crise do Suez em 1956 e sobretudo após a guerra dos seis dias em 1967, as perseguições aos judeus tunisinos recomeçaram. Dos 105.000 judeus existentes na Tunísia em 1945, restam actualmente cerca de 3.000, tendo os restantes emigrado sobretudo para França e Israel.
Vinte e três séculos de história judaica na Tunísia não podem passar incólumes nas tradições daquele país. Pelo que também na música tunisina se vislumbram ecos de Sefarad… Estão contudo diluídos nos muitos séculos de domínio árabe e turco.
Anouar Brahem nasceu em 1957 em Halfaouine, na Medina de Tunes. Teve preparação musical árabe clássica no Conservatório de Tunes, no oud, o alaúde árabe. Mas cedo demonstrou interesse por outros universos musicais: do médio oriente, da Pérsia e da Índia e mais tarde do jazz. Em 1981 mudou-se para Paris, tendo colaborado em bandas sonoras de Maurice Béjart e Gabriel Yared. Em 1985 recebeu o “Grand Prix National de la Musique” do Governo Tunisino e dois anos depois é nomeado director da EMVT (a orquestra tradicional nacional de Tunes), com a qual actuou em 1988, na abertura do festival de Cartago, perante uma audiência de 10.000 pessoas! Em 1990 deixa a EMVT e ruma aos Estados Unidos, onde conhece Manfred Eicher e assina contrato com a ECM. Esta colaboração já levou à edição de oito discos pela editora alemã, com grande aceitação do público e da imprensa, e a colaborações com importantes músicos internacionais de jazz como Jan Garbarek, Richard Galliano, Palle Danielsson, Jon Christensen, François Couturier, John Surman, Manu Katche, Jean-Louis Matinier ou Dave Holland, entre outros.
Astrakan Café (ECM, 2000) é o seu sexto disco pela ECM. Uma obra madura onde Brahem revisita as raízes orientais e mediterrânicas da sua música, na companhia do clarinetista turco (de origem cigana) Barbaros Erköse e do percussionista tunisino Lassad Hosni. O tema homónimo é um original seu que, pese embora não assumidas, revela notórias influências das músicas sefardita e judaica, talvez fruto da presença de Barbaros Erköse no trio.
Deixo-vos pois com um tema tunisino informado dos sons de Sefarad, acompanhado de fotos daquele país, da autoria de Enzo Priore.
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