segunda-feira, 7 de julho de 2008

Uma Lenda Viva



Ahmad Jamal
It’s Magic
Dreyfus Jazz, 2008
15,5/20

Embora assumindo um sério risco de incorrer no simplismo, eu ousaria afirmar que o jazz actual vive essencialmente de duas tendências maioritárias: a purista, fiel à escala do blues e à escola clássica norte-americana e a de fusão que, bebendo embora nas fontes primordiais dos grandes mestres do jazz passado, ousa aplicar a técnica e a estética jazzística aos mais diversos ambientes criativos musicais, do erudito ao pop, passando naturalmente por tudo o que lhe ficar no meio.
Claro que muitos tentam, com maior ou menor sucesso, fazer a ponte entre estas duas abordagens e várias notas sobre a matéria foram já vertidas nas presentes páginas.
Há mesmo quem proclame a morte anunciada do jazz, varrido pelos ventos furiosos do furacão Katrina das ruas da sua cidade-berço de New Orleans.
Ahmad Jamal é uma lenda viva da chamada “idade do ouro” do jazz. Um dos poucos ícones vivos dos puristas que continua, ainda hoje, a encher as plateias do mundo com a sua técnica fabulosa de interpretar o bop ou o blues. Cresceu a ouvir Benny Goodman, Count Basie e Jimmie Lunceford e formou-se, como músico profissional, com as obras revolucionárias de Dizzy Gillespie ou Charlie Parker.
A sua música, como ele próprio refere, é o somatório da sua vida. Por isso não esperem minimalismos, expressionismos, fusões, etno-jazz ou post-bop do seu trabalho. É jazz no mais puro sentido do termo. Usando a escala do blues e construído à boa maneira clássica, que ele aprendeu em Pittsburg, onde nasceu há 77 anos (uma cidade que não hesita em comparar com New Orleans ou Paris, pelo ambiente criativo que possuía na sua juventude. Dela são originários Kenny Clarke, Art Blakey, Joe Harris, Roy Eldridge, George Benson, Dodo Marmarosa, Ray Brown e Billy Strayhorn. Quantos Lush Life ou Take the A Train são escritos hoje em dia?).
As capacidades técnicas e interpretativas de Ahmad Jamal são imensas, sem esquecer as de composição pois assina seis dos nove temas incluídos no disco (dois deles nunca antes gravados), de forma irrepreensivel. A sua exibição no piano é um hino ao blues, tendo por única concessão a adição de percussão latina a cargo de Manolo Badrena, na maioria dos temas.
Os leitores mais atentos já devem porém ter reparado que a minha paixão pelo jazz não se resume geralmente a essa estética mais conformista. Não me interpretem mal, também eu admiro Monk, Coltrane ou Miles Davis (cuja formação foi fortemente influenciada precisamente por Ahmad Jamal) e uma das minhas primeiras paixões jazzísticas foi Oscar Peterson (não foi a de todos?) …
Que querem, são tempos difíceis estes da globalização. Não basta o enorme talento e a experiência de cátedra de um Ahmad Jamal para seduzir este melómano avisado. Num mundo em que já tudo foi criado, a apelatividade artística parece residir apenas no processo de recriação.
E nesse capítulo este disco não é particularmente entusiasmante… Ahmad Jamal é um músico soberbo, uma referência como artista e como homem. Mas confesso que não me deixei levar pela magia deste trabalho. A sua música é uma escola viva da criatividade do jazz norte-americano, naquilo que melhor representa os “swing years”. Mas aquilo que apresenta neste “It’s Magic” já vem sendo tocado há 50 anos (o seu maior sucesso é ainda At the Pershing: But Not For Me, disco gravado para a Argo-Cadet/Chess em 1958). Falta um rasgo de ousadia, uma pedrada no charco!
Reconheço que é exigir demais a um homem de 77 anos… Por isso que fique claro: se é daqueles que sente que o jazz morreu e aquilo que por aí se vai tocando nada tem a ver com o jazz que costumava ouvir, pode retirar o luto! Ahmad Jamal lançou um novo disco.
Se não é, ainda assim não deixe de o ouvir, porque os novos músicos ainda têm muito a aprender com este homem…



A ilustrar estre trabalho de Ahmad Jamal deixo o tema Arabesque, um original seu já gravado em 1987, no disco Crystal. A acompanhá-lo estão os inevitáveis Idris Muhammad na bateria e James Cammack no baixo, bem como Manolo Badrena na percussão. É notável a frescura e a juventude deste tema, com uma pulsação contagiante a que Jamal contrapõe os seus famosos riffs no piano! As magníficas fotos de homenagem ao jazz são da autoria do fotógrafo italiano Antonio Manno e representam muitos notáveis do jazz actual, entre os quais, infelizmente, não constam os intépretes do tema (em caso de dúvida quanto á identidade o respectivo nome encontra-se escrito no canto inferior esquerdo de cada foto).

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