sexta-feira, 11 de julho de 2008

Onirismo Sefardita



Nascer
João Paulo, Ricardo Dias & Peter Epstein

10 de Julho de 2008, 21.30h,
Fórum Municipal Luísa Todi (Setúbal)
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De João Paulo Esteves da Silva diz-se que é um dos segredos mais bem guardados da música portuguesa. E no entanto este extraordinário pianista (nascido em Lisboa em 1961 e aqui formado, na Academia de Santa Cecília e Conservatório Nacional onde concluiu o Curso Superior de Piano, com 20 valores, em 1984, bem como em Paris, no Conservatório de Rueil-Malmaison, que frequentou com uma bolsa de estudo da Secretaria de Estado da Cultura e onde foi galardoado com diversas distinções: Médaille d' Or, “Prix Jacques Dupont”, “Prix d’Excellence” e “Prix de Perfeccionement”) tem mostrado um apurado trabalho, como pianista, compositor e arranjador, desde pelo menos 1979.
Apesar da sua formação clássica, o interesse pelo jazz e pela música popular vêm de longe. Em 1979 (com apenas 18 anos de idade) com o grupo Quinto Crescente (composto por ele próprio no piano, Luís Caldeira no saxofone, Laurent Filipe no trompete, Pedro Wallenstein no contrabaixo e José Martins na bateria), participa no Festival de Jazz de Cascais. Entre 79 e 81 fez parte de um trio com José Eduardo no contrabaixo e José Martins na bateria e leccionou na escola de jazz do Hot Club de Portugal. Também nessa altura colaborou na gravação de discos tão importante como “Por Este Rio Acima” de Fausto, “Ser Solidário” de José Mário Branco, “Canto da Boca”, como músico, e “Coincidências”, como director musical, de Sérgio Godinho. Passou então quatro anos em França e nos Estados Unidos, onde realizou inúmeros concertos, chegando mesmo a actuar no Carnegie Hall em Nova Iorque. De regresso a Portugal, em 1992, dirige o álbum de Vitorino “Eu que me comovo por tudo e por nada”, com textos de António Lobo Antunes, que lhe vale um prémio José Afonso, pela primeira vez entregue a um arranjador. Dirige “Tinta Permanente” para Sérgio Godinho e funda, com Mário Laginha, a Orquestra de Câmara Almas & Danças. Em 1994 dirige o disco L’Amar de Filipa Pais, em que assina igualmente três temas originais, e colabora regularmente com músicos como Tomás Pimentel, Carlos Martins, Pedro Caldeira Cabral, Mário Laginha, Pedro Burmester e Maria João, entre outros. Forma o seu próprio quarteto com Jorge Reis, Mário Franco e José Salgueiro e grava o seu primeiro disco como líder: Serra sem Fim. Mais recentemente as suas colaborações abrangem nomes como Maria João, Mário Laginha, Carlos Bica, Paula Oliveira, Carlos Barretto, Ricardo Dias, André Fernandes, Maria Ana Bobone, Maria João Pires, Mísia e Carlos Martins. E no plano internacional vem sendo solicitado por nomes como John Stubblefield, Graham Haynes, Hamid Drake, Frank Colon, Claudio Puntin, Stephen Schon, Michael Riessler e ainda Peter Epstein, saxofonista com quem tem grandes afinidades e que com ele participa neste projecto Nascer.
Que diabo! Com um currículo destes como é que João Paulo pode ser ainda um segredo bem guardado! Acho é que muita gente tem andado distraída…
Este projecto Nascer viu a luz em 2001 com um disco homónimo, gravado em Lisboa e editado pela americana MA Recordings. Conta, além de João Paulo no piano, com Ricardo Dias no acordeão e o norte-americano Peter Epstein nos saxofones (professor na Universidade de Reno, Nevada, onde dirige o Departamento de Música Improvisada) e é, indiscutivelmente, um dos mais meritórios e fascinantes projectos musicais nacionais em curso (apesar de muita gente continuar distraída). Propõe uma busca das raízes sefarditas da música nacional com um importante trabalho de pesquisa da autoria de Ricardo Dias (autor de um dos melhores arranjos da obra de José Afonso, incluído no disco “Abril” de Cristina Branco) e de arranjos de João Paulo e de Ricardo Dias.
Sete anos depois João Paulo e companhia retomam o projecto, desenvolvendo os arranjos dos temas inseridos no disco de 2001 e juntando novos originais com vista à gravação de um novo disco, ainda sem data marcada. Este renascimento do projecto apresentou-se na abertura do Festival de Jazz de Setúbal, Rendez-Vous, e vai continuar com um concerto no CCB, integrado no Festival Música Portuguesa Hoje, este Sábado, 12 de Julho, pelas 21.30h.
E foi com puro deslumbramento que os fui ouvir a Setúbal. A ampla experiência de João Paulo na redescoberta da tradição musical portuguesa e de Ricardo Dias na pesquisa das suas raízes (deixando a nu o quanto a cultura musical lusitana é deficitária da tradição sefardita) encontraram surpreendentemente (ou talvez não) em Peter Epstein, no outro lado do Atlântico, um admirável parceiro.
Não sei se é jazz o que tocam, mas é maravilhosamente belo e profundamente português, capaz de agradar aos mais variados tecidos de público, do popular ao erudito, aquém e além-fronteiras.
Dir-se-ia que José Afonso e Pedro Caldeira Cabral, digeridos por António Pinho Vargas e José Nogueira (nos seus trabalhos da década de 80) encontraram o universo onírico de Jan Garbarek, em terras meridionais do Al-Andaluz.
Simplesmente maravilhoso!
Estão de parabéns os jovens promotores deste novel festival cetobricense, não apenas pela coragem e iniciativa de o organizarem mas também pelo assinalável bom gosto que demonstraram ao convidar este trio para a abertura.
Parece afinal, que nem todos têm andado distraídos…

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