sexta-feira, 25 de julho de 2008

Sons de Sefarad (8)



A Música Bizantina

Por música bizantina entende-se a música oriunda dos antigos contornos do império bizantino, composta de acordo com o clássico sistema modal de origem grega, seja ela cerimonial, festiva ou eclesiástica.
Já atrás vimos que a música sefardita deve os seus contornos orientais precisamente à herança litúrgica bizantina, que alguns remontam ao rito oriental adoptado pelos visigodos que se instalaram na península ibérica a partir do séc. V da nossa era.
No entanto não podemos esquecer que, nos primórdios do cristianismo (que se desenvolveu precisamente por terras do Mediterrâneo oriental), pouco separava o rito cristão do judaico e que, por isso, a construção musical da liturgia cristã terá sido fortemente influenciada pela judaica, de onde deriva, em primeira análise, sobretudo do judaísmo egípcio (o próprio Eusébio, um dos mais antigos historiadores da Igreja, associou o rito judaico alexandrino ao cristão do seu tempo, quatro séculos posterior).
Deste modo são inegáveis as influência judaicas na música bizantina (e vice-versa), quer nas suas origens, quer depois pela convivência secular das duas culturas, antes e depois da diáspora sefardita. A estas influências primordiais, pagã, cristã e judaica juntou-se a otomana a partir de 1453, data da conquista de Constantinopla pelos turcos.
A constância da tradição melódica da liturgia oriental assenta na convicção pré-apocaliptica (podem encontrar-se vestígios desta tradição em textos do Antigo Testamento dos profetas Isaías e Ezequiel) da transmissão angélica do canto sagrado, isto é, da origem divina dos padrões musicais usados na liturgia que uniam homens e anjos na oração. Esta crença, de origem judaica, foi mantida nos primórdios na Igreja Cristã e defendida por pais da Igreja como S. Clemente de Roma, Santo Inácio de Antioquia, Atenágoras de Atenas ou o pseudo Dionísio Areopagita.
A música bizantina surge assim conservadora, estável na defesa da tradição e avessa ao contributo individual do intérprete (a sua origem divina impede a inovação, que revestiria um carácter quase blasfemo). Essa estabilidade esteve na origem do desenvolvimento de técnicas de notação pelos bizantinos a partir do séc. IX. Devemos-lhes pois a invenção da escrita musical (a forma mais segura de transmissão da tradição).
O alargamento musical na liturgia oriental surge sobretudo a partir do séc. V com o aparecimento do “kontakion”, inovação de origem siríaca que consiste numa homília dramática e cantada que, de forma longa e silábica, apresenta paráfrases e narrativas bíblicas, geralmente no ofício matinal. Esta forma evolui por volta do séc. VII para o “kanon”, com Santo André de Creta ou S. João de Damasco, hino mais complexo e melismático composto por nove odes associadas aos nove cânticos bíblicos sagrados (as canções do mar e de Moisés, as orações de Hannah, Habakkuk, Isaías, Jonas e Azarias, a canção das três crianças sagradas, o Magnificat e o Benedictus). Estas formas primitivas foram adoptadas pelo movimento monástico que as desenvolveu e divulgou por todo o mundo cristão (acabaria, no ocidente, por originar o canto gregoriano, que mais não é do que o “kanon” grego, expurgado por ordem do papa Gregório I, o Grande, de alguns “indesejáveis” elementos judaico-egípcios).
O maior contributo sefardita porém aparece na música secular. Embora de raiz musical comum a Espanha judaica medieval adoptou a riqueza da poesia árabe e levou para a sinagoga a música secular através de várias formas, o romance, as complas, as canticas e as endechas. Com a diáspora sefardita estas formas de música popular difundiram-se por todo o mundo mediterrânico, designadamente pelos espaço ocupado pelo império otomano (os turcos tinham tomado Constantinopla em 1453) e perpetuaram-se na música tradicional de muitos países do Mediterrâneo, da Península Ibérica à Palestina e de Marrocos ao Egipto, muitas vezes preservando a língua ladina original.



Vassilis Tsabropoulos Anja Lechner
Chants, Hymns & Dances
ECM 2004

Chants, Hymns & Dances é um projecto fascinante desenvolvido pelo pianista e compositor grego Vassilis Tsabropoulos e pela violoncelista alemã Anja Lechner, editado em 2004 com a chancela da ECM. Definido como um projecto sobre os cruzamentos musicais do mundo procura esbater as divisões entre Ocidente e Oriente, entre o tradicional e o contemporâneo, em termos musicais. Para tal parte de um repertório do próprio Tsabropoulos e também do filósofo e compositor arménio Georges Ivanovitch Gurdjieff (c.1877-1949), inspirado nos cânticos tradicionais bizantinos e ainda nas melodias e ritmos, sagrados e seculares, do Cáucaso, Médio Oriente e Ásia Central, ao qual junta os belíssimos arranjos de Tsabropoulos e alguma inspiração e improvisação (o pianista grego já tinha alguma experiência jazzística, desenvolvida em trabalhos como Achirana (ECM, 1999) e The Triangle (ECM, 2003) em que colaborou, em trio, com os músicos de jazz Arild Andersen e John Marshall). Lechner, enquanto membro do Rosamunde Quartet, tinha já trabalhado com o compositor arménio Tigran Mansurian, e Tsabropulos editado um disco de originais dedicado à tradição oral da música bizantina (Akroasis, ECM 2002), pelo que o projecto se colocou com naturalidade aos dois intérpretes.

Deixo-vos pois na encruzilhada dos mundos musicais (oriental e ocidental, tradicional e erudito), com o tema Dance, um original de Vassilis Tsabropoulos inserido no trabalho Chants, Hymns & Dances. As belas fotos de Istambul são da autoria de Rafael Angelus.

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