quarta-feira, 16 de julho de 2008

Sons de Sefarad (6)



A presença judaica na Argélia remonta à fundação de Cartago pelos Fenícios, época em que muitos berberes terão sido convertidos ao judaísmo. Após as guerras judaicas e a destruição do Templo de Jerusalém pelo imperador Tito, em 70 AD, muitos judeus foram deportados para a Mauritânia (actual Magreb), o mesmo sucedendo aquando do esmagamento das revoltas judaicas na Cirenaica (actual Líbia) pelos exércitos do imperador Trajano.
Durante a conquista árabe as tribos judaico-cristãs dos Dejrawas e dos Nefzaouas, comandados pela lendária rainha-guerreira Kahena, distinguem-se na resistência ao invasor.
O Pacto do Califa Omar ibn al-Khattab, assinado no século VII, concede aos judeus norte-africanos liberdade de culto, ainda que à custa de um estatuto social muito inferior ao dos muçulmanos. Mas após um período relativamente tolerante, a repressão contra as tribos judaicas é retomada no século XII com os Almorávidas e os Almoadas. São perpetradas conversões forçadas, é vedado o casamento com muçulmanos e sobretudo é proibido o exercício do comércio por judeus, o que leva à fuga em massa de hebreus para o Egipto (como Maimonides), para a Palestina, Itália e Espanha omíada (antes dos radicais conquistarem igualmente as Taifas de Córdoba).
A partir do século XIV porém a emigração inverte-se, com a chegada ao norte de África de judeus sefarditas, na sequência das perseguições e massacres de Agosto de 1391 e da ordem de expulsão de 1492, após a conquista de Granada pelos reis de Espanha, reforçando amplamente o contingente judaico da Argélia.
A forte cultura e prestígio da sociedade sefardita entre a comunidade judaica (afinal os hebreus peninsulares tinham produzido alguns dos maiores sábios da história judaica como Maimonides, Abraham ibn Ezra, Juda Halevi, Namanides, Salomon ibn Gabirol ou Moisés de Leão) terá sido responsável pela progressiva adopção do rito e dos costumes peninsulares entre as populações nativas do norte de África, originariamente berberes. A ponto de todas as comunidades judaicas do Magreb serem identificadas como sefarditas, apesar de apenas cerca de 12% possuírem efectivamente raízes latinas.
Também a sociedade judaica argelina se dividia entre a comunidade berbere africana, os sefarditas oriundos da península ibérica nos séculos XIV e XVI e os judeus italianos emigrados no séc. XVII, sobretudo da Toscânia (também eles maioritariamente sefarditas). Porém, ao contrário do que sucedeu na Tunísia, aqui nunca houve cisões entre os vários grupos e ao contrário do que sucederia nalgumas cidades marroquinas, como Tânger e Tétouan, o Ladino nunca foi adoptado como língua principal da comunidade.
Como os judeus tunisinos, os argelinos foram vítimas de leis discriminatórias impostas por árabes e turcos até à conquista francesa da Argélia, em 1830. O facto de os franceses terem instituído a liberdade religiosa, revogado as leis discriminatórias vigentes e, mais tarde em 1870, atribuído a nacionalidade francesa à maioria dos judeus argelinos (a excepção foram os judeus mzabitas dos territórios saarianos, os quais só lograriam a aquisição da nacionalidade francesa em 1961) fez com que a comunidade judaica acolhesse os soldados de Carlos X e de Napoleão III como libertadores.
Aliás a chegada dos franceses teve um reflexo importante na sociedade judaica argelina. Progressivamente foi-se mudando para as cidades e assumindo costumes europeus mais cosmopolitas. Assim não admira que, aquando da independência, a esmagadora maioria tenha optado pelo “repatriamento” para França, apesar de entre eles, poucos terem efectivamente laços familiares com a metrópole.

A música tradicional clássica argelina, denominada Chaâbi, é fortemente informada das raízes árabo-andaluzas, ainda hoje sentidas e assumidas pelos seus principais estudiosos e intérpretes.
Nasceu no Casbah de Argel no século XIX, arrastando consigo, durante muito tempo, o opróbrio de uma arte maldita, ouvida a portas fechadas nos cafés e casas de chá de Argel, pelos proscritos e foragidos. Só no decorrer do século XX e por acção de El Hajj Muhammad El Anka, seria estudada e elevada ao estatuto de arte maior, ensinada no Conservatório.
Embora partilhando com o flamenco as origens e a temática (amor, perda, exílio, amizade e traição) distingue-se pelo forte conteúdo moral das suas letras.



Maurice el-Médioni é um dos principais cultores do Chaâbi. Judeu sefardita, nasceu e cresceu no bairro judaico do porto de Oran, na década de 30 do séc. XX, onde aprendeu sozinho a tocar piano (comprou um velho piano na feira local e levou-o para casa, aos 9 anos de idade…). O jazz foi-lhe apresentado pelos soldados americanos que conquistaram a cidade em 1942 e para quem ele tocava, nos bares de Oran. Foi o suficiente para lhe aprender os truques e construir reputação como pianista de jazz, boogie-woogie e ritmos latino-americanos. Mais tarde aprendeu música andaluza actuando com vários cantores Raï argelinos. Com a sua reputação a crescer tocou na Ópera local e com vários músicos norte-africanos, muçulmanos mas também judeus como Lillie Boniche and Lili Labassi. Após a independência, à semelhança da maioria dos judeus argelinos, Maurice rumou a França, primeiro a Paris e mais recentemente a Marselha, onde reside e cultiva o seu estilo único que funde o jazz, o boogie-woogie e a salsa cubana com a música árabe e judaica.

O tema que escolhi chama-se “Ma Testahalchi” e consta do disco Café Oran (Piranha, 1996). Um tema onde as influências sefarditas são bem evidentes e que relata os desgostos da ingratidão humana. A acompanhar o seu piano estão Mahmoud Fadl e Marco Maimaran na percussão e Sabah Habas Mustapha no baixo, num disco em que igualmente participam (embora não neste tema) as estrelas do jazz klezmer norte-americano (ex-Klezmatics) David Krakauer no clarinete e Frank London no trompete. As fotos da Argélia são da autoria de Dandan.

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