domingo, 20 de julho de 2008

Sons de Sefarad (7)



A França Sefardita

A França é hoje o país onde reside a maior comunidade sefardita, fora do estado judaico de Israel. Estima-se que perto de 350.000 judeus sefarditas vivam actualmente naquele pais (cerca de metade dos israelitas e cinco vezes mais do que os residentes nos Estados Unidos da América, o terceiro classificado da lista).
Em França os sefarditas são mesmo maioritários dentro da comunidade judaica, estimada em mais de meio milhão de pessoas.
Uma das maiores comunidades encontra-se na cidade de Marselha (a segunda maior, logo a seguir a Paris) composta sobretudo por judeus oriundos das ex-colónias francesas do Magreb: Argélia, Tunísia e Marrocos que, depois da independência e face à hostilidade da população muçulmana local, sobretudo evidenciada após a guerra dos seis dias, terão preferido a segurança da metrópole à aventura da terra prometida de Israel.
Apesar de um quarto da população judaica francesa ter sido morta pelos nazis durante a segunda guerra mundial, a França possui actualmente a maior população judaica da Europa.



Os Judeus em França

A presença de comunidades judaicas em Marselha está documentada, pelo menos, desde o séc. VI. Tradicionalmente eram mercadores (incluindo traficantes de escravos), colectores de impostos, marinheiros e médicos.
Há registos de leis discriminatórias contra os judeus desde 629, quando o rei Dagoberto ordenou que fossem confiscados os bens de todos os judeus que não se convertessem ao cristianismo. Contudo, mais a sul, a comunidade florescia sob o domínio visigótico (o sul da França fazia parte do reino visigótico espanhol, daí a predominância sefardita nos judeus franceses, sobretudo os das costas mediterrânicas).
Durante o período Carolíngio foram os comerciantes judeus quem manteve vivo o comércio com o oriente, face ao avanço sarraceno no norte de África, e nas penínsulas ibérica e itálica, o que lhes granjeou prestígio e protecção dos monarcas, designadamente de Carlos Magno.
Porém com os Capetos a repressão regressou. Um decreto de Alduin, bispo de Limoges, condenou ao exílio os judeus que recusassem o baptismo. Também Robert, duque da Normandia, terá dado ordens aos seus soldados para destruir todos os judeus que não abraçassem a fé católica. A perseguição só terá sido interrompida por intervenção papal directa, a pedido de um judeu de Rouen chamado Jacob b. Jekuthiel. Sob Roberto, o Pio, as perseguições foram violentas, com expulsões, assassínios e suicídios em massa, sobretudo após ter corrido em França o rumor de que teria sido uma carta enviada pelos judeus aos sarracenos a provocar a tomada da Igreja do Santo Sepulcro em 1010, pelos Árabes.
A figura judaica francesa mais importante deste período foi Rashi de Troyes (Solomon b. Isaac – 1040-1106) fundador da famosa escola de Troyes de estudos Bíblicos e do Talmud, um dos mais importantes pólos de conhecimento judaico da época.
Durante a primeira cruzada foram cometidas várias atrocidades contra a população judaica, como em Rouen em 1096, antecipando um século particularmente difícil para os judeus franceses. Acusados de sacrificarem crianças cristãs nos seus rituais, foram duramente perseguidos e condenados à fogueira. Logo após a sua coroação como rei, Filipe Augusto ordenou, em 14 de Março de 1181, a prisão de todos os judeus. Os seus bens foram confiscados e ordenada a sua expulsão em Abril de 1182. Contudo este acto teve importantes reflexos nos cofres da coroa. Privado de uma das suas maiores fontes de rendimentos o rei foi obrigado a ignorar a sua própria ordem e a incentivar o regresso dos judeus, a partir de 1198, permitindo-lhes não apenas o regresso mas ainda que se instalassem como banqueiros e penhoristas (negócios que se encarregou de taxar abundantemente).
S. Luís (IX) foi mais escrupuloso. Além de instituir várias leis anti-usura, ordenou que fossem queimados em Paris 12.000 exemplares do Talmud e outros livros religiosos judaicos e, para financiar a sua cruzada, ordenou nova expulsão dos judeus, confiscando-lhes os bens.
No século XIII a Inquisição perseguiu e condenou ao baptismo forçado ou à forca muitos judeus no sul de França, por ordem do Papa Gregório X. Os judeus que recusassem a conversão eram considerados heréticos e como tal tratados pelo tribunal da inquisição.
Em 1306 Filipe, o Belo, ordena igualmente a expulsão dos judeus com perda dos seus bens a favor da coroa. Cerca de 100.000 judeus terão saído de França a partir de Julho de 1306, mas o seu sucessor, Luís X, permitiu novamente o seu regresso, em édito de 28 de Julho de 1315, privilégio que lhe terá rendido a soma de 122.500 libras. No entanto Carlos VI volta a ordenar a expulsão dos judeus de França em 17 de Setembro de 1394.



A Emancipação Judaica

A partir do séc. XVII os judeus começam a regressar à França, mas só partir do séc. XVIII se pode verdadeiramente falar de uma mudança de atitude das autoridades francesas face aos judeus. Em 1785 foi abolida a taxa de portagem cobrada aos judeus e foi-lhes permitido estabelecerem-se em toda a França. A defesa da cidadania judaica foi assumida entre outros por Mirabeau no seu panfleto “Sur Moses Mendelssohn et la Reforme Politique" (Londres, 1787), que lançou grande debate na sociedade francesa sobre a questão judaica.
A revolução começou com perseguições aos judeus o que levou a que muitos se refugiassem em Basileia. No entanto Mirabeau, o Conde Clermont Tonnerre e o abade Grégoire defenderam perante a Assembleia Nacional a cidadania plena dos judeus (sem sucesso, contudo, apenas uma comunidade de judeus portugueses e de Avinhão foram elevados à cidadania em 28 de Janeiro de 1790) e só em 27 de Setembro de 1791, pouco antes da dissolução da Assembleia Nacional, foi aprovada uma moção apresentada pelo jacobino Duport, reconhecendo a cidadania a todos os franceses independentemente do credo professado. Ainda assim foram cometidas perseguições aos judeus durante o período do Terror.
Com Napoleão a emancipação judaica foi espalhada pela Europa, libertando ghettos e estabelecendo uma relativa equidade nos territórios conquistados, Em 1807 elevou mesmo o judaísmo a uma das religiões oficiais da França. Em 1831, com Luís Filipe e por iniciativa do Duque de Orleans, foi dado apoio financeiro estatal às sinagogas, à semelhança do que já acontecia com as Igrejas católicas e protestantes.
Em 1870 foi concedida a cidadania francesa aos judeus argelinos, à excepção dos residentes no M’Zab.
No entanto, no final do séc. XIX, ressurgiram movimentos anti-semitas que levaram ao famoso caso Dreyfus. Um oficial do exército de ascendência judaica foi acusado de traição a favor do imperador alemão e condenado ao exílio na Guiana. Muito por influência de Emile Zola, as provas que condenaram Dreyfus, veio a demonstrar-se, foram forjadas pela contra-espionagem francesa e este seria novamente julgado em 1899, absolvido e reintegrado no exército em 1906. O caso Dreyfus reacendeu a discussão pró e anti-semita na França do final do séc. XIX.
A França assumia-se assim como a pioneira no tratamento igualitário dos judeus, levando a que muitos para lá emigrassem no princípio do séc. XX, oriundos sobretudo do leste europeu. Artistas como Modigliani, Soutine ou Chagall contam-se entre os chegados no virar do século.
Foi também o primeiro país a ter um primeiro-ministro judeu, Léon Blum, eleito em 1936. Porém com a conquista alemã o Governo de Vichy permitiu a entrega à Gestapo de quase 76.000 judeus, levados para os campos de concentração alemães. Destes só cerca de 7.000 sobreviveram.
Após a segunda guerra mundial nova vaga de imigração judaica chegou a França, oriunda primeiro da Europa de leste e mais tarde das colónias francesas no norte de África.



Ecos de Sefarad

A ilustrar a presença sefardita na cultura musical francesa contemporânea escolhi um tema da Orchestre National de Jazz, de forte influência Magrebina (afinal a maioria dos sefarditas residentes em França são oriundos no norte de África), denominado Artefact- Part 1, extraído do disco Charmediterraneén (ECM, 2002).
A ONJ é uma big band de jazz europeu já com 20 discos editados. Uma verdadeira instituição no jazz contemporâneo francês, que desde a fundação se preocupou em fomentar colaborações com músicos de outras paragens e culturas. Nascida em 1986 pela mão de Maurice Fleuret e de Jack Lang, com direcção musical do saxofonista François Jeanneau, instituiu desde o início uma política de direcção rotativa de forma a elevar o seu potencial criativo. Assim a Jeanneau sucederam o pianista Antoine Hervé, o guitarrista Claude Barthélémy, os também pianistas Denis Badault e Laurent Cugny, os contrabaixistas Didier Levallet e Paolo Damiani, antes de Barthélémy retomar a direcção da orquestra em 2002.
Gravado em Outubro de 2001, no consulado do italiano Paolo Damiani (que já tinha liderado a Italian Instabile Orchestra, também com obra editada pela ECM), Charmediterraneén foi o primeiro disco da ONJ editado pela ECM numa original homenagem à magia da cultura mediterrânica transfigurada pelos arranjos subversivos de Damiani. Além do italiano no violoncelo e direcção musical, contou com François Jeanneau no sax soprano e flauta, Jean Marc Larché e Thomas de Pourquery nos saxofones, Alain Vankenhove e Médéric Collignon nos trompetes e fliscórnio, o virtuoso italiano Gianluca Petrella no trombone, Didier Havet no sousafone, Régis Huby no violino, Olivier Benoit na guitarra, Paul Rogers no contrabaixo, Christophe Marguet na bateria e como convidados especiais o italiano Gianluigi Trovesi no clarinete e saxofone alto e o tunisino Anouar Brahem no oud.
Não seria possível visitar a tradição musical mediterrânica sem fazer eco dos sons de Sefarad, por isso deixo-vos com a Orchestre National de Jazz e o tema Artefact- Part 1, composto por Anouar Brahem, com fotos da cidade de Marselha da autoria de Bobby Wong Jr.

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