terça-feira, 15 de julho de 2008

Sons de Sefarad (5)



As raízes históricas do flamenco não são facilmente determináveis (à semelhança do que sucede com outros géneros musicais tradicionais, como o nosso fado). Normalmente assume-se que o flamenco nasceu da interacção, ao longo da história, de várias culturas: a árabe e andaluza, a sefardita e a cigana, às quais se juntaram posteriormente influências latino-americanas, sobretudo cubanas.

O género é originário da Andaluzia, precisamente a região espanhola mais sujeita às influências mouriscas e sefarditas (não esqueçamos que a Andaluzia passou 781 anos sob domínio muçulmano, entre 711 e 1492. Desde a conquista de Granada pelos Reis Católicos ainda só decorreram 516 anos…), e desenvolveu-se sobretudo entre as classes mais desfavorecidas e marginalizadas. Pelo que a cultura flamenca foi, durante séculos, uma cultura popular clandestina, preservada oralmente por nómadas e proscritos e renegada, quando não perseguida, pelo poder instituído.

Só em meados dos anos 80 do séc. XX o flamenco começou a ser ensinado em Conservatórios e a merecer um estudo mais aprofundado de musicólogos e historiadores (sem prejuízo de alguns trabalhos importantes terem sido publicados sobre a matéria desde o séc. XIX, como as obras de Demófilo, pseudónimo de António Machado Alvarez, antropologista galego falecido em 1893).

Uma das características do flamenco é o uso do antigo modo grego Dório (actualmente conhecido por Frígio), cuja justificação alguns fazem remontar às liturgias mozarábicas do domínio visigótico, fortemente influenciadas pela cultura bizantina. O rito mozarábico sobreviveu ao domínio árabe e à reforma gregoriana, mantendo-se vivo na Andaluzia até ao final do séc. XI. Alguns musicólogos (entre eles o compositor Manuel de Falla) defendem que as origens do flamenco estão associadas a este rito litúrgico peculiar.



A invasão árabe em 711 trouxe novas influências à música peninsular, trazidas pelos berberes norte-africanos. O califado omíada de Córdoba funcionou como um dos principais pólos culturais da sua época, atraindo artistas (entre eles músicos) das mais variadas partes do mundo árabe e cristão. Um deles foi Zyriab que introduziu na Andaluzia várias formas musicais oriundas do mundo árabe (como o Adani, género proveniente de Aden, no Yemen, e que é considerado um parente próximo do flamenco. Aliás as melodias yemenitas são também comuns na música sefardita medieval), revolucionando técnica e artisticamente o uso do oud (que mais tarde evoluiria para a guitarra, pela aquisição de uma quinta corda) e estabelecendo as fundações da Nuba Andaluza, um género musical ainda hoje tocado por todo o norte africano, sobretudo em Marrocos.

Não podemos contudo esquecer o elemento judaico nas fundações do flamenco. Os judeus gozavam de uma relativa tolerância religiosa e étnica na sociedade do al-andaluz árabe, nomeadamente quando comparada com a praticada nas sociedades cristãs. Formavam um grupo social importante com as suas tradições, ritos e música, sendo provavelmente responsáveis pelo reforço das influências orientais e bizantinas no flamenco. Aliás, alguns géneros de flamenco (palos) são geralmente atribuídos a origens judaicas, como a “petenera”, que mais tarde originaria a dança flamenca “zarabanda”, que investigadores como Hipólito Rossy, defendem ter origem sefardita. Um dado curioso a este respeito é o facto de, entre as comunidades ciganas, a “petenera” ter fama de amaldiçoada, um género proscrito que atrai má sorte a quem o toca e dança. Alguns historiadores vêem nesta superstição uma prova da sua associação às comunidades judaicas, perseguidas e expulsas de Espanha no séc. XVI.

O puzzle flamenco fica completo com a descoberta das Américas. Danças tradicionais levadas pelos escravos africanos para a América originaram géneros como as “negrillas”, os “zarambeques” e as “chaconas”, a que se juntam os desenvolvidos por eles em terras americanas, sobretudo em Cuba, como o tango e o fandango, e que foram sendo importados e incorporados no folclore flamenco.



Uma das mais acérrimas defensoras das origens sefarditas do flamenco é a cantora israelita Yasmin Levy. Nasceu em Jerusalém, a 23 de Dezembro de 1975, filha de Yitzhak Levy, investigador histórico, nascido na Turquia, em 1919, dedicado à cultura judaica ibérica, à sua diáspora e língua, o Ladino.
Não admira pois que, tendo Yasmin enveredado pela música, se tenha igualmente concentrado na música sefardita cantada em Ladino.
Editou já três discos: Romance & Yasmin (Adama, 2004), La Judería (Adama, 2005), e Mano Suave (Adama, 2007); e um DVD Live at the Tower of David, Jerusalém (2007), nos quais explora as afinidades entre a música sefardita e o flamenco, tentando dessa forma pôr a nu o quanto a cultura judaica está presente na actual música tradicional andaluza.

O tema “Irme Kero” abre o disco Mano Suave, no qual Yasmin é acompanhada por excelentes músicos oriundos de Israel, do Irão, do Paraguai, da Turquia e de Espanha. Uma diversidade que se reflecte nas influências exaladas pela sua música.
As fotos são de Sevilha, a grande capital da Andaluzia e do Flamenco, e são da autoria de João Lopes.

Irme kero madre a Yerushalayim
Komer de sus frutos, bever de sus aguas.
Y en él me arimo yo,
Y en el me afalago yo,
Y en el Senyor de todo el mundo.
Y lo estan fraguando con piedras presiozas.
Y lo estan laborando con piedras presiozas.
Y en él me arimo yo,
Y en él me afalago yo,
Y en él Senyor de todo el mundo.
Y el Bet Amikdash lo veo d’enfrente,
A mi me parece la luna creciente.
Y en él me arimo yo,
Y en el me afalago yo
Y en el Senyor de todo el mundo.

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