sábado, 3 de maio de 2008
Viagem Segura
Wynton Marsalis
Standards & Ballads
Columbia/Legacy 2008
15/20
Nascido em New Orleans em 1961 e numa família de músicos (o pai Ellis Marsalis é um pianista consagrado e docente musical e três dos seus irmãos são reputados músicos de jazz, Branford Marsalis, saxofonista, Dalfaeyo Marsalis, trombonista e Jason Marsalis, baterista), Wynton Marsalis parece ter sido especialmente talhado para a música. Acima de todas as polémicas a sua já longa carreira afirma-o como um dos mais importantes instrumentistas contemporâneos norte-americanos, com nove Grammys conquistados (tanto no jazz como na música clássica), um Pulitzer Prize For Music (o primeiro atribuído a um disco de jazz) e um trabalho notável à frente do Jazz at Lincoln Center, onde exerce há muitos anos o cargo de director musical.
Possuidor de uma técnica extraordinária Marsalis tem tido contudo alguma dificuldade em afirmar-se como uma referência no jazz moderno, muito por culpa da sua frequente apetência pelo universo clássico (gravou já 16 discos cobrindo um reportório de vai do barroco a Copland, passando por Bach, Haydn, Mozart, Hummel, Ravel ou Bernstein, entre muitos outros, vários deles galardoados com Grammys) como também pela sua enorme paixão pela história do jazz que o fez dedicar-se à recuperação de alguma estética perdida após o fim da era do swing e das grandes orquestras. Se pensarmos que Marsalis aparece na cena jazzística norte-americana no início dos anos 80, como jovem fenómeno do trompete, numa época em que a fusão e o funk dominavam as paixões dos principais músicos do género (incluindo algumas das suas referências históricas como Miles Davis), é fácil perceber como a aproximação acústica e revivalista (frequentemente com recurso à orquestra ou ao ensemble de cordas) ao jazz clássico protagonizada por Wynton Marsalis, o tenha colocado um pouco à margem do mainstream do jazz da altura.
O tempo veio dar-lhe razão, com o novo jazz a reencontrar o acústico e as suas raízes históricas e clássicas (há quem chame já à ECM a Blue Note do séc. XXI…). Por isso, e numa altura em que o músico trilha já novos caminhos, claramente inovadores em face do seu trabalho anterior (oiça-se o seu álbum de 2007, From the Plantation to the Penitentiary), faz todo o sentido produzir uma compilação dedicada às suas baladas e standards, temas essencialmente recolhidos da série de álbuns Standard Time (ao todo seis volumes editados entre 1986 e 1999), agora seguramente melhor apreciadas, longe das antigas polémicas estéticas e conceptuais.
Wynton Marsalis possui uma técnica notável, um estilo próprio e personalizado, directo e eficaz, num perfeito equilíbrio entre a potência do som e a sensibilidade interpretativa de onde resulta uma invulgar capacidade de expressão no seu instrumento. Discípulo assumido de Miles Davis, dir-se-ia que pegou no trabalho do mestre onde ele o deixou nos anos 60, para se dedicar ao jazz-rock, para o reafirmar, de regresso às origens, através do universo musical das grandes orquestras dos anos 50, sobretudo de Duke Ellington e Count Basie, até ao primórdios do Cotton Club e de Louis Armstrong. Este disco é bem testemunha disso mesmo, abrindo com o magnifico When It's Sleepytime Down South, numa homenagem sentida a Armstrong, e terminando com Flamingo, elegia não menos reconhecida ao tributo de Duke Ellington. Pelo meio fica a história do jazz norte-americano em temas como April in Paris (carregado de swing), Reflections de Thelonious Monk ou Embraceable You. É certo que também lá estão Stardust, After You’ve Gone, Melancholia ou I Guess I’ll Hang My Tears Out to Dry, onde a inclusão da orquestra ou das cordas sugere uma estética algo datada, pelos arranjos demasiado convencionais e pela falta de uma secção rítmica que acentue o swing e que puxe pelos temas. Mas não podemos esquecer que esse estilo romântico (à Frank Sinatra) também ocupa um espaço importante na história do jazz e da cultura musical norte-americana. Por outro lado o trompete de Marsalis soa, ainda assim, maravilhosamente bem por entre os glissandos da orquestra, de tal forma a sua técnica e expressão são notáveis.
Queiramos ou não Wynton Marsalis é já um músico incontornável do jazz contemporâneo norte-americano e este trabalho é esclarecedor quanto ao respeito e enorme conhecimento adquirido sobre as suas origens.
Uma viagem segura, para neófilos e catedráticos.
Como ilustração do carácter multifacetado deste extraordinário trompetista, aqui ficam três exemplos particularmente elucidativos:
a)Harmonique, com o seu septeto, representando o universo free jazz;
b)Jauchzet Gott in Allen Landen - Cantata BWV51, de Johann Sebastian Bach, exemplificativo das suas reputadas incursões pela música clássica;
c) Spring Will Be A Little Late This Year, o Wynton Marsalis historiador do jazz.
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