domingo, 25 de maio de 2008

A Saudade Global


Myriam Alter
Where Is There
Enja 2007
17/20

Myriam Alter nasceu na Bélgica, numa família de origem sefardita. Aprendeu piano desde os 8 anos de idade mas, aos 17, abandonou a música para tirar um curso de psicologia na Universidade de Bruxelas. Trabalhou em publicidade, abriu uma escola de dança e só depois de muito dançar, aos 36 anos de idade, sentiu necessidade de voltar para a música. Reaprendeu o piano da sua infância e formou primeiro um quarteto e depois um quinteto de jazz, com músicos belgas. Mas a sua verdadeira paixão veio a revelar-se mais tarde: nada menos do que a composição. Myriam Alter, apesar de exímia pianista e num gesto inusitado de modéstia, compõe integralmente os temas incluídos nos seus discos (e de forma brilhante, acrescente-se em abono da verdade) mas abdica da sua interpretação, preferindo, ao invés, entregar o piano a reputados pianistas como o norte-americano Kenny Werner (no seu disco anterior “If”) ou o italiano Salvatore Bonafede, neste seu último trabalho (o quinto de sua lavra).
A música que compõe é verdadeiramente brilhante. Apegada às suas origens espanholas e judaicas integra no mosaico de influências que compõem os seus trabalhos elementos oriundos do flamenco e do leste europeu (valsa, mazurkas e reminiscências klezmer), mas a Bélgica onde nasceu também está bem presente, seja pelas elusivas fragâncias da chanson ou pelo universo clássico da sua infância aos quais junta o muito aprendido com músicos tão importantes como os que a acompanham neste disco (o baterista Joey Baron, exímio nos ritmos que tão bem caracterizam este trabalho, o fantástico John Ruocco no clarinete, que consegue apoderar-se como ninguém deste estranho e sedutor ambiente musical rico e multifacetado composto por Myriam Alter, ora introduzindo reminiscências leste-europeias nos temas, ora conduzindo-os para terras mais quentes do Mediterrâneo como a Itália ou o Magreb, ora mesmo conseguindo penetrar com pertinência em universos musicais mais exóticos como o da África sub-sahariana ou o tango argentino) ou nos anteriores (como Dino Saluzzi ou Marc Johnson, entre outros).
Além de Baron e Ruocco, com papel destacado nesta formação, evidenciam-se o violoncelo do brasileiro Jaques Morelenbaum, o contrabaixo do norte-americano Greg Cohen e o piano do italiano Salvatore Bonafede, sem esquecer o saxofone do belga Pierre Vaiana. Um cortejo de identidades à semelhança do universo musical da compositora. Morelenbaum tem uma presença muito conseguida, pois o seu violoncelo acentua sobremaneira o dramatismo e a nostalgia que tão bem caracterizam as composições de Alter, rubricando igualmente alguns solos de grande virtuosismo que sobressaem tanto, quanto é pouco habitual a sua presença em discos de jazz (será jazz a música tocada por este sexteto?). Já o inspirado Greg Cohen consegue introduzir, através dos seus solos, alguns dos elementos mais característicos do universo jazzístico que conseguimos descortinar neste trabalho. Pleno de fantasia e rigor técnico, sem nunca perder de vista o som nostálgico e melódico claramente pretendido pela compositora.
Ao ouvirmos este maravilhoso disco percorremos o mundo geográfico e histórico dos últimos 150 anos. Estão lá o dramatismo e a exaltação melódica do romantismo; há flamenco tocado ao violoncelo (fazendo lembrar os belos solos de Renaud-Garcia Fons no contrabaixo arqueado); há melopeias sardas e canções napolitanas; há rumbas, boleros e tangos, de Cuba e da Andaluzia; há uma palete de sons africanos, árabes e negros (e até mestiços); há valsas vienenses e mazurkas da Hungria e da Roménia; há até hinos bizantinos e danças tradicionais gregas... Tudo tratado com um rigor meticuloso na composição, uma extraordinária atenção aos detalhes e uma radiante capacidade de seduzir, com inteligência, estilo e graça (ou não fosse o trabalho de uma mulher… os elogios também podem ser sexistas?!).
Em suma, uma pérola esta Myriam Alter, que urge descobrir. Para ajudar aqui fica um dos mais belos temas do disco “Come With Me”, cuja batida tipicamente africana, me fez lembrar as coladeiras das atlantes ilhas encantadas de Cabo Verde.
A saudade afinal parece que é universal…

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