segunda-feira, 26 de maio de 2008

Os Microcosmos de Masur



Marilyn Masur & Jan Garbarek
Elixir
ECM 2008
13/20

A dinamarquesa Marilyn Masur (nasceu em 1955 em Nova Iorque, mas mudou-se com os pais para a Dinamarca aos seis anos de idade), além do reconhecimento internacional pela sua capacidade de inovação, que lhe valeu a preciosa experiência de trabalhar com mestres como Miles Davis, Wayne Shorter ou Gil Evans, tem um longo historial de colaboração com o saxofonista norueguês Jan Garbarek, que remonta a 1990 e ao disco “I Took Up The Runes”, prosseguindo com “Twelve Moons”, “Visible Worlds” e “Rites em 1999. Muito do universo onírico e primordial, exalado por Garbarek nesses trabalhos, deve-se à enorme colecção de instrumentos de percussão recolhidos por Masur, ao longo das suas viagens, e à sua invulgar capacidade para deles extrair as mais variadas e exóticas sonoridades. Esta é contudo a primeira colaboração invertida, isto é com Masur como líder e Garbarek como sideman.
O objectivo declarado da percussionista era gravar algo puramente improvisado, baseado nos instrumentos em si mesmos e apostando na sinergia criada pela colaboração com Manfred Eicher. Visou assim criar uma série de microcosmos em que a cada instrumento fosse permitido falar na sua própria voz. E foram dezenas os instrumentos utilizados, oriundos de todos os continentes…
Contudo a presença de Garbarek permitiu-lhe estabelecer diálogos com os seus saxofones e flautas, construindo assim, de modo mais elaborado, os almejados microcosmos musicais com alguém habituado, com reputada propriedade, a edificar universos musicais nas mais profundas raízes da tradição eurásica.
A dialéctica do sopro e da percussão, uma das mais antigas combinações musicais, é assim exaltada com grande sensibilidade por ambos os instrumentistas, despida das contingências próprias dos contextos polifónicos e deixada ao livre arbítrio das reconhecidas capacidades de improvisação dos intérpretes.
O apetite de Masur pela globalidade musical levou-a a colaborações regulares com músicos das mais variadas proveniências, além da sua Escandinávia natal. Um percurso que incluiu a nossa Maria João, a brasileira Eliane Elias ou o argentino Dino Saluzzi, entre muitos outros.
Elixir é um disco construído, meticulosamente, ao longo de 21 pequenos temas, que oscilam entre o melódico, o rítmico e o textural, mas raramente ao mesmo tempo. Longe de mim a ideia de pôr em causa a enorme capacidade de Masur enquanto criadora destes microcosmos rítmicos, eles resultam soberbos na maioria das ocasiões evocando espaços tão diversos quanto a paisagem urbana de uma metrópole ou as montanhas mágicas do Japão. No entanto, assim despidos de um contexto harmónico e muitas vezes melódico soam-me minimalistas, puramente ambientais e para fundamentalistas zen…
É certo que há temas em que o dualismo primordial almejado resulta, como em Clear, onde um contexto oriental na percussão serve de pano de fundo para uma misteriosa melodia ao saxofone, fazendo por vezes lembrar a Sagração da Primavera de Stravinski. Um mistério que se entranha no ouvinte. Ou em Dunum Song, que soa como se uma jam session brotasse espontaneamente nas ruas do Bronx, plena de ritmo e de calor humano. Ou ainda em Joy Chant, um verdadeiro hino à capacidade inventiva de Masur na percussão (de um exotismo que invoca rituais iniciáticos do Pacífico) à qual Garbarek responde com um solo tão belo quanto complexo. Mas também lá estão temas como Pathway, Bell-Painting ou Talking Wind, totalmente ambientais e texturais e que me soam como uma exibição gratuita e desnecessária da percussão.
Mais do que uma obra completa, o disco resulta assim numa compilação de sons que poderiam ter sido recolhidos nos mais variados locais do mundo e capazes, pela sua forte identidade, de nos catapultar de imediato para essas exóticas proveniências. Belo é certo, tecnicamente soberbo sem dúvida, mas gratuito como obra musical. Antes se insere no âmbito da musicologia.
Para musicólogos ferrenhos e ecologistas militantes… Mas com a devida vénia!

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