terça-feira, 27 de maio de 2008
Para Sempre Garifuna
Andy Palacio & the Garifuna Collective
Wátina
Cumbancha 2007
15,5/20
Andy Palacio é natural do Belize, um pequeno Estado da América Central (antigas Honduras Britânicas), entre o México e a Guatemala e banhado pelo Golfo das Honduras, independente desde 1981. Terra de Maias, até à chegada dos espanhóis, vive musicalmente (como muitas outras regiões caribenhas) da fusão entre os ritmos africanos levados pelos escravos e o pouco que resta da tradição local e colonial. Entre as duas centenas de milhar de habitantes do Belize vivem não mais que 11.500 pertencentes a uma micro-cultura a que chamam Garifuna (cultura que se estende contudo a outros estados da região como a Nicarágua, as Honduras ou a ilha de St. Vincent). Descendente de escravos naufragados em 1635 na ilha de St. Vincent e do seu cruzamento com nativos da tribo Arawak, a cultura garifuna é uma das mais pequenas da América Central, minoritária em todos os países onde existe, e apresenta preocupantes sinais de abandono, apesar da sua língua (na qual são cantados os temas incluídos no disco) estar qualificada pelas Nações Unidas como uma “obra-prima da oralidade e património da humanidade”.
Estandarte da cultura Garifuna (chegou a desempenhar funções no Ministério da Cultura do Belize) Palacio fez deste disco, juntamente com o produtor Ivan Duran e no qual participam dezenas de músicos oriundos não só do Belize mas também das Honduras e da Nicarágua, uma celebração internacional das suas origens e uma afirmação da diversidade cultural e da premente necessidade de a preservar. Uma obra congregadora dos músicos, de várias gerações, da cultura garifuna, num esforço quase desesperado para evitar a sua extinção.
Este Watina resultou assim numa espécie de Buena Vista Social Club do Belize.
Porém, sem a preciosa ajuda de Ry Cooder e Wim Wenders o projecto parecia estar condenado ao insucesso, não pela menor valia do trabalho realizado por Palácio e companhia mas antes pela dificuldade de promoção internacional do disco. Quis contudo o destino que Andy Palácio morresse, com apenas 47 anos de idade, num hospital de Chicago em Janeiro de 2008. Foi o suficiente para catapultar o seu trabalho para os escaparates das lojas e para os tops da world music, fruto da súbita onda de interesse e simpatia pela cultura Garifuna, causada pela tragédia pessoal do artista…
Os ritmos garifuna são muitos e têm nomes estranhos como paranda, dügü, punta e gunjei, evocando sentimentos religiosos, festivos, lamentos ou outros que só a música consegue expressar. Derivam essencialmente da junção de três culturas: a nativa arawak, a oeste africana (muitos críticos não hesitam em comparar este disco aos trabalhos de Cesária Évora) e a latina. A esta fortíssima herança cultural juntaram os músicos influências contemporâneas que a tornam ainda mais apelativa.
Ao ouvirmos este excelente trabalho surgem referências constantes, desde a cadência cativante do tema Chan Chan de Buena Vista Social Club (em Watina), o delta blues, os coros femininos africanos, as mornas e coladeiras cabo-verdianas, o reggae da Jamaica, o calipso (não a ninfa da ilha de Ogígia mas o ritmo oriundo das ilhas de Trindade e Tobago), heranças pentatónicas e heptatónicas dos Jeliya do Mali e até ecos do folclore fatalista ibérico.
Há um pouco de tudo para todos os gostos servido com enorme talento e paixão por Andy Palacio e os seus pares, com destaque para o belíssimo trabalho de percussão e também da guitarra eléctrica, com uma subtileza tal que por várias ocasiões me fez lembrar Mark Knopfler.
Um sério candidato ao disco world do ano.
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