terça-feira, 13 de maio de 2008
Mário "Le Génie"
Trimurti
12 de Maio de 2008, 22.00h
Auditório do Museu do Oriente (Lisboa)
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Poucos géneros musicais têm uma apetência global como o jazz (particularmente evidente nestes conturbados tempos de globalização). Mas ao invés da económica, esta globalização musical parece ser enriquecedora e fomentadora da convivência salutar entre povos e culturas.
Particularmente criativa e abrangente, a linguagem jazzística presta-se, como poucas, ao acolhimento debaixo do seu chapéu rotular, de sonoridades das mais diversas proveniências e culturas, oriundas dos quatro cantos do mundo (toda a gente sabe que o mundo, apesar de redondo, tem cantos, que não são dez, como nos Lusíadas, mas apenas quatro…).
A flexibilidade modal adoptada pelos jazzmen desde a década de quarenta (que inicialmente se apoiava na escala do blues mas que, há muito, se estendeu a outros modos mais ou menos exóticos) torna-os particularmente sensíveis às sonoridades indígenas de locais tão culturalmente diversos como a Índia (a tabla tem sido assiduamente utilizada em múltiplas colaborações de músicos de jazz com percussionistas indianos e paquistaneses), a China ou as diversas culturas africanas, servindo igualmente como ponte privilegiada para a comunicação e perfeito entendimento com os músicos locais.
Por isso não é de surpreender o brilhante trabalho desenvolvido por Mário Laginha (pronuncia-se Mário Le Génie, segundo o epíteto apresentado pelo seu inspirado colega de palco Prabhu Edouard), encomendado com pompa e circunstância pela Fundação Oriente, para a inauguração do respectivo Museu e Auditório em Lisboa.
Perdoem-me a ousadia simplista, mas quem está habituado a trabalhar (brilhantemente refira-se) na construção modal da sua música (como sucede no jazz e no blues) está muito bem encaminhado para compreender e interpretar os universos modais exóticos oriundos da Índia, da China ou do Japão (para não falar dos muitos estilos ocidentais assentes nos modos gregos como o flamenco ou a música nordestina brasileira que vão buscar as suas raízes aos modos frígio e mixolídio, respectivamente).
A lógica é idêntica e extravasa por completo a monotonia tonal que invadiu o ocidente musical desde a Idade Média e que ainda hoje nos limita por completo na maneira como ouvimos música.
Felizmente Mário Laginha não sofre dessas limitações, por isso construiu um universo musical global para o puro deleite dos afortunados ouvintes destes quatro concertos no Auditório do Museu do Oriente, onde o seu incontornável talento serviu de base para trabalho não menos brilhante dos seus ilustres convidados: o guitarrista vietnamita Nguyen Lê, o mestre de tabla indiana Prabhu Edouard e o percussionista e flautista japonês Joji Hirota.
Nguyen Lê foi absolutamente brilhante na guitarra. Nas mãos deste músico fantástico a guitarra eléctrica (e os seus múltiplos pedais e efeitos digitais) é um instrumento tradicional vietnamita, indiano ou japonês, de tal modo conseguiu dela extrair sonoridades coerentes com os universos musicais homenageados pelas composições de Laginha. E fê-lo com um virtuosismo técnico verdadeiramente assombroso!
A tabla tem o fascínio irresistível de nos transportar de imediato até às planícies do Ganges, numa viagem virtual, sonora mas riquíssima, seguramente conduzida pelo franco-indiano Prabhu Edouard, que ora acompanhou ora solou (pois a tabla tem essa fascinante e subtil capacidade melódica, rara num instrumento de percussão), ora desafiou as capacidades de improvisação rítmicas e harmónicas dos restantes músicos, designadamente do japonês Joji Hirota, com quem travou diálogos geniais.
Menos fascinante na percussão (talvez porque a sonoridade da percussão japonesa não anda tão longe quanto isso da ocidental) Hirota deslumbrou contudo no uso da flauta japonesa. Fê-lo num único tema, lento, ambiental mas de uma sensibilidade extrema, em que contrapôs de forma maravilhosa o seu talento na exploração das capacidades criativas deste instrumento (este sim, com a capacidade imediata de nos remeter para o extremo oriente e para as ambiências cinemáticas de Imamura ou Zhang Yimou) ao brilhantismo de Laginha no piano. Um tema que valia, só por si, a ida ao concerto.
Já devem ter notado que vim fascinado do Museu do Oriente…
Livrem-se de não gravar este trabalho em disco!
É que nunca mais punha os pés na Fundação Oriente…
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