sexta-feira, 24 de julho de 2009

Um Talento Bem Visível


Aaron Parks
Invisible Cinema
Blue Note, 2008

Nascido em Seattle, no ano de 1983, Aaron Parks foi um menino-prodígio da música e dos computadores. Aos 14 anos de idade foi admitido na Universidade de Washington, frequentando simultaneamente os cursos de ciências informáticas e de música. Aos 16 anos mudou-se para Nova Iorque para frequentar a Manhattan School of Music.
Ainda estudante começou a acompanhar o trompetista Terence Blanchard, gravando com ele três álbuns para a Blue Note, incluindo "A Tale of God's Will (A Requiem for Katrina)”, vencedor de um Grammy.
Participou igualmente em várias bandas sonoras de filmes, nomeadamente três películas de Spike Lee, “Inside Man”, “She Hate Me” e “When the Levees Broke”.
Actualmente integra a equipa do guitarrista Kurt Rosenwinckel, e tem contrato com a editora Blue Note. Entre as várias distinções obtidas destacam-se a “Jas Hennessy Piano Solo Competition” em Montreux (3º classificado), o “Thelonious Monk International Jazz Piano Competition” (3º classificado) e o “Cole Porter Fellow of the American Pianists Association” (1º classificado).
“Invisible Cinema” é já o seu quinto álbum como líder, depois da estreia em 1999 com “The Promisse” (tinha então apenas 16 anos de idade!), seguido de “First Romance” em 2000, “The Wizard” em 2001 e “Shadows” em 2002. É contudo o primeiro editado pela Blue Note.
Para acompanhá-lo escolheu Matt Penman no contrabaixo, o extraordinário Eric Harland na bateria e ainda Mike Moreno na guitarra eléctrica.
O álbum abre com “Travelers”, uma composição onde se destaca o diálogo invulgar entre o piano e a bateria. De ritmo vivo e contagiante não prescinde contudo de um apelativo envolvimento melódico. Segue-se “Peaceful Warrior”, um dos mais belos temas do disco. Um misto da magia oriental com o exotismo nativo americano, de fusão entre a estética criativa do jazz e a riqueza melódica da música popular e étnica. Em “Nemesis” o tema cresce numa toada repetitiva e ritmada do piano. Quase minimalista, abre contudo espaço para a riqueza dos solos, deconstrutiva, evocativa de um “Largo” de Brad Mehldau. Um hino dionisíaco, um raga: belo e infinito. “Riddle Me This” é outro tema onde se sente a influência de Mehldau ou dos Bad Plus. Crescente mas melodioso, ritmado mas complexo. A estética pop é revisitada, mas com uma imaginação e criatividade só ao alcance de quem domina a composição e a improvisação jazzística. “Into the Labyrinth” é uma visita saudosista a uma estética clássica do tipo “late night piano bar”… Tecnicamente sedutora, melódica, envolvente. Uma pausa bem-vinda no corrupio rítmico do disco. Logo a seguir, em “Karma”, renasce a estética contemporânea de fusão, comandada pela endiabrada bateria de Harland. Uma balada em que o baterista não se cansa de puxar, de empurrar, de conduzir para ritmos mais vivos, até que, finalmente, o piano liberta-se, acompanhando o frenesi da secção rítmica. Fá-lo criativa e deconstrutivamente, não descurando o uso ocasional da dissonância. Um tema experimental mas sedutor. “Roadside Distraction” visita o blues. Monocórdico, ressoante, lânguido. É a guitarra de Moreno quem primeiro assume as despesas criativas, com riffs dramáticos que abrem caminho ao solo do piano. Aqui é a americana que é citada, fazendo lembrar as incursões explorativas de Bill Frisell. “Harvesting Dance” propõe o regresso ao universo primordial de “Peaceful Warrior”. Mas o exotismo é mais contido. Há uma toada popular de fundo que poderia ser de Zeca Afonso, mas quando o tema finalmente abre é uma dança pagã que surge. Esta colheita tem algo de magrebino e de andaluz. Um flamenco inspirador, mas claramente transposto para o outro lado do Atlântico. Telúrico mas civilizado, exótico mas com uma fortíssima marca urbana, introduzida sobretudo pela guitarra eléctrica. Envolvente e litânico. Decompõe-se nos gemidos finais da guitarra, sobrepostos pelo ritmo infernal da bateria. Outra pérola!
Há ainda tempo para “Praise”, uma balada carregada de lirismo e de nostalgia latina, bela e doce. Feminina mesmo. Lembra obras de Charlie Haden e Gonzalo Rubalcaba. E bem assim para “Afterglow”, um encerramento do disco a negro. Escuridão existencial e nórdica. Gélida mas bela. A pouco e pouco surge uma luz, singela e frágil. Uma réstia de esperança, de romantismo, que brota poeticamente do nada.
Um grande álbum de um pianista que vai dar muito que falar.
A não perder!

Invisible Cinema


Aaron Parks - Nemesis

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