sábado, 25 de julho de 2009

A Caixa de Mário


Saiyuki Trio
24 de Julho, 21.30h
Museu do Oriente (Lisboa)

Diz uma antiga lenda grega que Epimeteu, apesar de alertado pelo irmão Prometeu para os perigos das ofertas de Zeus, aceitou Pandora como sua esposa, enviada pelo pai como oferenda ao irmão. Na sua bagagem levava uma caixa a qual, aberta por Epimeteu, libertou todos os males do mundo e pôs fim à idade de ouro da humanidade.
Em Maio de 2008 Mário Laginha estreou um espectáculo para a inauguração do auditório do Museu do Oriente em Lisboa, para o qual convidou o guitarrista vietnamita Nguyen Lê, o tablista indiano Prabhu Edouard e o percussionista japonês Joji Hirota. Apesar dos dois primeiros músicos habitarem ambos em Paris, nunca tinham tocado juntos nem tão pouco se conheciam. Foi o convite do Museu do Oriente e do português Mário Laginha que os uniu num projecto musical que haveria de frutificar.
Tive ocasião de assistir a um desses concertos (foram quatro os espectáculos apresentados) e deixar notas entusiasmadas do resultado nas presentes páginas.
Mário Laginha também abriu uma caixa de Pandora ao juntar estes dois músicos. Mas ao contrário da caixa aberta por Epimeteu, a de Mário Laginha revelou-se bem mais afortunada. Libertou as maravilhas da colaboração musical de dois músicos fenomenais, que souberam conjugar as suas imensas capacidades para a criação de um sublime universo criativo em que as antigas tradições musicais da Índia, da Indochina e do Japão se fundem com a estética do jazz e originam um dos mais belos sons produzidos.
Na ausência do português e do japonês Hirota, os dois parisienses foram buscar a japonesa Mieko Miyazaki, exímia tocadora de koto, a cítara tradicional japonesa, introduzido no Japão no século VI, vindo da China da dinastia T’ang, e criaram o trio Saiyuki. Este instrumento estranho no aspecto mas de sonoridade bela, adapta-se maravilhosamente a esta fusão oriental, porquanto além de reproduzir na perfeição as sonoridades tradicionais nipónicas, pertence à família das cítaras, bem presentes na tradição musical da Índia e da Indochina.
Não há assim qualquer ruptura no casamento do koto com a tabla, nem tão pouco com as composições de Prabhu ou de Lê. Antes se complementam na perfeição, criando um som único que funde a ideia oriental, pelo menos tal como esta se apresenta, com todo o seu exotismo, aos ouvidos ocidentais.
O trio age verdadeiramente como tal, tocando composições da autoria dos três membros, actuando Nguyen Lê como um aglutinador das várias influências, responsabilizando-se pela maioria dos arranjos.
O que mais me surpreende neste projecto, à semelhança aliás do que já tinha sucedido com o quarteto “oriental” liderado por Mário Laginha, é o modo como a guitarra eléctrica, nas mãos de Nguyen Lê, perde toda a agressividade e se conjuga maravilhosamente com a acústica e subtileza do koto e da tabla. O virtuosismo do vietnamita, e bem assim a sua paixão pela electrónica, permitem-lhe domesticar este instrumento (que ele também usa para tocar temas de Jimmy Hendrix!) e interagir o seu som característico com os ragas indianos e com a subtileza das cordas de seda e da madeira de kiri do koto. Simplesmente sublime.
O resto é o talento na composição de todos os membros do trio, que escolheram temas tradicionais do Japão, da Índia e canções de embalar vietnamitas, e a sua enorme criatividade interpretativa que fazem. Nunca o jazz foi tão oriental nem a tradição musical desta região do mundo abraçou de forma tão conseguida o universo jazzístico.
Uma obra original, deslumbrante e totalmente conseguida.
Nguyen Lê e Prabhu Edouard abriram a caixa de Mário e libertaram as maravilhas do jazz oriental.
A descobrir brevemente num disco a editar pela ACT.
A não perder, claro está.
À falta de videos do trio, oiçam como Prabhu Edouard casou a tabla indiana com a guitarra de 12 cordas de Javier Mas.

Javier Mas & Prabhu Edouard - Rupak

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