domingo, 7 de setembro de 2008

Sangam no Museu do Oriente



SANGAM
CHARLES LLOYD COM ZAKIR HUSSEIN E ERIC HARLAND

6 de Setembro de 2008, 21.30h
Auditório do Museu do Oriente, Lisboa
Co-produção: Fundação Oriente/Sons em Trânsito
*****

Foi um espectáculo invulgar aquele que tive o privilégio de assistir ontem à noite no auditório do Museu do Oriente. Desde logo porque não é todos os dias que podemos presenciar em palco uma lenda viva como é Charles Lloyd, para mais acompanhado por um dos mais extraordinários músicos da sua geração, o baterista Eric Harland, e pelo musicólogo e virtuoso da tabla, o indiano Zakir Hussein. Mas também porque não é vulgar conjugar o virtuosismo do saxofone da Lloyd com apenas dois instrumentos de percussão, a bateria e a exótica tabla, um instrumento fantástico que consegue, de forma absolutamente única, assumir papéis rítmicos e melódicos na apresentação.
Sangam é um projecto marcadamente pessoal destes grandiosos músicos. Intimista e experimental, transpõe para o palco a essência da colaboração musical, da troca de experiências e de culturas, entre os três músicos envolvidos. Refunda o oriente e o ocidente musicais e mostra-nos um Charles Lloyd que, aos 70 anos de idade, surge não só no pleno das suas enormes capacidades interpretativas, mas também sedento de novas experiências, capaz de mergulhar com pertinência e perspicácia na cultura musical indiana e conjugá-la com a sua ampla bagagem musical adquirida pela vasta experiência de vida e invejável carreira.
Mas não se pense que é um projecto de Lloyd. Longe disso. Cada um dos intervenientes mostrou-se igualmente envolvido e protagonista deste projecto, como o demonstra a facilidade com que se revezaram nos instrumentos e papéis, por vezes roçando quase o insólito (na verdade, não estava a espera de ouvir Eric Harland a cantar e tocar piano, e ainda menos de ver Charles Lloyd sentar-se na bateria e ocupar o lugar de Harland…).
Aqui não há modas, não há world music ou world jazz… há apenas música! E três homens, exímios intérpretes e criadores, a experimentarem sons e instrumentos, pelo puro prazer de criar, de sentir a música, de a fazer confluir, de origens distantes e diversas, num único projecto multicultural unido pela paixão que todos manifestamente demonstram por ela. E levando-nos consigo nessa extraordinária viagem.
Lloyd alternou entre o piano, o saxofone, o clarinete, a flauta e até a bateria, sem esquecer a voz (num dos temas surgiu declamando poesia ao piano, sobre um fundo de misticismo indiano protagonizado pelas vozes de Hussein e Harland e a tabla do indiano). Harland deslumbrou na bateria, demonstrando um entendimento extraordinário com as tablas de Hussein, num constante desafio ao ouvinte, com momentos sublimes, e surpreendeu mostrando-se loquaz no piano (que aborda como um instrumento de percussão – que é! – incutindo pulsações e cadências contagiantes que serviram na perfeição o misticismo da apresentação). Quanto a Hussein demonstrou um talento invulgar no seu instrumento e uma voz notável, responsável por uma boa parte da magia deste concerto inesquecível.
A culminar a noite, já num segundo encore exigido pelo público entusiástico, Charles Lloyd brindou-nos com uma interpretação a solo de Rabo de Nube, do cubano Sílvio Rodriguez, plena de entrega e virtuosismo.
Um espectáculo deslumbrante e memorável.
Na tentativa de vos transmitir um pouco desta experiência única, deixo-vos dois vídeos de apresentação do projecto Sangam que encontrei no Youtube, pela voz do mestre Charles Lloyd.


Sem comentários: