terça-feira, 9 de setembro de 2008

Poemas do Deserto, por Stephan Micus



Stephan Micus
Desert Poems
ECM, 2001

Stephan Micus é um caso ímpar na música contemporânea. Multi instrumentista e compositor, Micus é antes de mais um viajante, intrépido aventureiro que ousa explorar influências oriundas das mais recônditas e esquecidas regiões do planeta, na descoberta (por vezes redescoberta) de estéticas musicais e instrumentos tradicionais, quantas vezes esquecidos.
Nasceu na Alemanha em 1953, mas desde os 16 anos de idade que corre mundo em busca de novas sonoridades. Já percorreu (muitas vezes a pé…) a maioria dos países da Ásia, de África, da Europa e das Américas. Em cada um deles preocupou-se em estudar com os mestres locais um número interminável de instrumentos tradicionais, muitos deles praticamente desconhecidos no ocidente. O seu objectivo declarado é usá-los, numa mescla transcultural, na elaboração da sua música. Preferencialmente buscando novas combinações, geográfica e culturalmente improváveis.
Solitário no processo criativo, cria os seus discos através de gravações sobrepostas de sucessivas interpretações instrumentais e vocais, previamente registadas por si.
Ao longo de três décadas e 18 álbuns já gravados pela ECM, desenvolveu um som único e facilmente identificável, contemporâneo mas intemporal, construído a partir de inúmeras referências culturais e geográficas através de uma miríade de instrumentos tradicionais que, metodicamente, foi acrescentando às suas inesgotáveis capacidades interpretativas.
Desert Poems é o seu 15º álbum pela ECM, gravado na ilha espanhola de Maiorca, onde reside, entre 1997 e 2000, e lançado em 2001 pela editora alemã. Um disco onde Stephan Micus se dedicou especialmente aos instrumentos africanos. O doussn' gouni ou sinding (harpa tradicional da África ocidental), o kalimba (instrumento tradicional da Tanzânia, tocado com os polegares) e o dondon (instrumento de percussão oriundo do Gana) fazem a sua estreia em discos de Micus. Reintroduz igualmente o sarangi (instrumento de corda arqueada, oriundo da Índia) depois de um longo interregno, mas desta feita rearranjado por si e usado quase como um instrumento de percussão. Outros instrumentos utilizados neste disco são o shakuhachi (flauta de bambu japonesa), o dilruba (outro instrumento de cordas indiano), o nay (flauta tradicional egípcia), o sattar (violino tradicional do Turquemenistão chinês - Xinjiang) e o steel drum ou steelpan (instrumento de percussão originalmente oriundo de Trinidad e Tobago).

O resultado, para o músico alemão, é um disco austero e simples como os desertos que percorreu, do Gobi, Sinai, Saara, Takla Makan e Arábia. O silêncio esmagador desses espaços vazios inspirou um disco contemplativo e místico, profundamente envolvente.
Mas também a voz de Micus aparece aqui de forma profunda, como mais um dos muitos instrumentos por si utilizados. A capella ou acompanhado, Micus soa autêntico e seguro mesmo quando canta numa língua fantasista, por si inventada, como sucede em temas como “The Horses of Nizami” ou “Mikhail's Dream”. Mas surgem temas cantados em inglês e até em japonês Noh.
Surge ainda neste trabalho um arranjo instrumental de um tema coral polifónico georgiano “Shen Khar Venakhi," com mais de 750 anos de idade, o primeiro tema não original por si gravado até à data. Apesar de Micus ter estado na Geórgia, por duas vezes, a aprender duduki (um oboé tradicional da região) e a sua antiga tradição coral, optou por arranjar o tema para seis dilrubas e seis sattar.
Micus revela também uma faceta experimentalista porquanto raramente se contenta com as capacidades sonoras originais dos seus instrumentos. Quase todos eles são modificados de forma a produzirem novas sonoridades ou melhor se adaptarem ao universo criativo do compositor. Acrescenta novos buracos aos instrumentos de sopro, adiciona ou remove cordas aos de arco, altera as formas de afinação ou, simplesmente, cria novos instrumentos musicais para o que recorre frequentemente a artesãos na Alemanha, Espanha ou Japão para com ele desenvolverem as suas ideias criativas. Para ele vale tudo na busca incessante de novas possibilidades sonoras escondidas.
Micus é assim um dos melhores representantes da world music na sua essência primordial. Não apenas porque funde influências oriundas das mais distantes culturas, mas também porque claramente não se limita a respeitar as suas ricas heranças musicais, que conhece como poucos. Cria algo de novo e contemporâneo a partir desses legados.
A música de Stephan Micus tem sido escolhida por muitas companhias de dança europeias para as suas produções. E ao longo de 30 anos de carreira já apresentou centenas de concertos a solo pela Europa, Ásia e Américas.
Deixo-vos com um vídeo elaborado a partir do tema “Mikhail’s Dream” com fotos da região do Pushkar, na Índia, da autoria de Vikas Malhotra. Neste tema Micus canta na sua língua imaginária e acompanha-se a ele próprio com dois kalimba, um sinding, dois steel drum e percussão mais convencional.

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