terça-feira, 19 de agosto de 2008

Um Brisa Mediterrânica



Alboran Trio
Near Gale
ACT 2008

Tem-se assistido nos últimos anos a um ressurgimento e aprofundamento do conceito do trio clássico de piano jazz, particularmente no jazz europeu. Muito por culpa do sucesso alcançado por trios nórdicos, como o Esbjorn Svensson Trio ou o Tord Gustavsen Trio, as respectivas editoras (no caso as alemãs ECM e ACT) apostaram em novas formações, lançando músicos jovens de inquestionável talento, como o polaco Marcin Wasilewski ou o grego Vassilis Tsabropoulos, mas também recuperando nomes experientes até então dedicados a diferentes projectos musicais, como o sueco Bobo Stenson ou o britânico John Taylor.
O conceito alastrou a diferentes editoras e ambientes jazzísticos e as presentes páginas têm sido testemunho de muitos e meritórios projectos em trio de piano.
Ao contrário da nova geração de pianistas norte-americanos, que buscaram renovação no aprofundamento da raízes bopistas do seu jazz ou então incorporando elementos oriundos da pop, como sucedeu com Brad Melhdau ou Ethan Iverson (dos Bad Plus), na Europa essa renovação de valores envolveu geralmente uma aproximação aos universos eruditos clássico e contemporâneo, mas também à World Music, seja ela o folclore europeu ou de outras proveniências.
Mesmo em Portugal foi possível assistir ao ressurgimento do trio de piano, através de músicos consagrados como Mário Laginha ou Bernardo Sassetti, mas também pelo lançamento de novos valores como Filipe Melo e Júlio Resende.
Venho agora falar-vos mais um trio de piano europeu, desta feita italiano mas editado pela alemã ACT, o Alboran Trio. É composto por Paolo Paliaga no piano, Dino Contenti no contrabaixo e Gigi Biolcati na bateria. O seu estilo segue de perto projectos semelhantes editados recentemente, como os vários supracitados entre outros, no entanto sente-se o lirismo latino e a melancolia do Mediterrâneo na música de Paolo Paliaga (o compositor do trio, embora os arranjos sejam elaborados pelos três músicos, que assim se afirmam verdadeiramente como um projecto colectivo, e não apenas como o trio de Paolo Paliaga).
Auto didacta durante muito tempo Paliaga encontrou finalmente o caminho do jazz através de workshops com Nando De Luca, Ettore Righello, Enrico Pieranunzi no seminário do Siena Jazz e sobretudo em aulas particulares com Arrigo Cappelletti.
Paliaga licenciou-se em Ciências Políticas e partiu para Paris para um doutoramento em Sociologia. Foi aqui que editou o seu primeiro disco, Faena (Buda, 1993) com os músicos franceses Marco Quesada, Olivier Besenval, Philippe Leiba, Khalid Kouhen e Ravy Magnifique. Depois de uma primeira fase bopista, sob influência de Stefano Colnaghi, partiu em busca de um novo som, um som à ECM (nas palavras do próprio músico), que encontrou na companhia dos músicos Stefano Dall’Ora, Gianni Rossi, Ettore Lupini e Simonetta Artuso. Surge então o seu primeiro disco como líder, Giro-Vago (Caligula, 1996), com Ares Tavolazzi, Giulio Visibelli e Nicola Stranieri. Participa no projecto Splasc(h) com quem grava dois discos, Azul (1999) com o Horizon Quartet composto por Massimo Vescovi, Nicola Stranieri, Stefano Dall'Ora e Carlos Buschini e no ano seguinte Meriggi e Ombre, desta feita a solo. Projectos radiofónicos e de acompanhamento musical de cinema mudo ajudam-no ao apuramento do seu estilo, que se revela progressivamente mais impressionista.

O Alboran Trio nasce em 2004 quando encontra o contrabaixista Dino Contenti e o baterista e percussionista Gigi Biolcati e o grupo assume desde logo um entendimento de tal forma apurado que pareceria que tocavam juntos há anos. Segue-se o contrato com a ACT e o primeiro disco do trio Meltemi, editado em 2006. Near Gale é o seu segundo trabalho que viu os escaparates alemães já em 2008.
Trata-se de uma mistura ideal de formas oriundas do jazz tradicional com elementos retirados da world music, numa fusão disciplinada, bem definida, que combina o simples com o complexo, sem nunca perder a liberdade criativa, na composição (o repertório é integralmente composto por originais) e na interpretação que recorre, sempre que possível, à improvisação.
Uma fresca brisa mediterrânica… nas palavras da editora ACT.
Apesar de não produzir um som profundamente original, este Alboran Trio distingue-se dos muitos outros projectos similares precisamente pelo lirismo latino que consegue introduzir na sua música. Por vezes pulsante e quente, outras melancólico e introspectivo, mas nunca frio ou cerebral, como por vezes sucede com algum projectos escandinavos. Um jazz de câmara bem elaborado e interpretado, simples e apelativo como convém.
Nota bem positiva, da parte que me toca, para este Alboran Trio. Um grupo a seguir com atenção.
Deixo-vos com o tema Rrock in the dark, original de Paolo Paliaga incluído neste trabalho, Near Gale, com fotos de Michael Shpuntov extraídas do seu trabalho denominado "Toronto Painted Black & White".

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