domingo, 3 de agosto de 2008

Lusitânia Jazz



João Paulo Trio
2 de Agosto de 2008
Fábrica Braço de Prata (Lisboa)
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Depois das duas apresentações com o trio Nascer, o pianista João Paulo retomou o trabalho com o seu trio regular, composto por Mário Franco no contrabaixo e André Sousa Machado na bateria, para esta apresentação na sala Nietzsche da Fábrica Braço de Prata em Lisboa.
O repertório foi composto quase exclusivamente por originais seus e de Mário Franco, os primeiros fortemente influenciados pela tradição musical portuguesa (do fado ao folclore açoriano), mais abstractos e bopistas os segundos.
Foi assim uma apresentação intimista, de um lirismo bem integrado no ambiente romântico do espaço do Poço do Bispo, apenas quebrado pela boa disposição do pianista na condução desta viagem musical pelas raízes da lusitaneidade.
Mesmo quando abandona o cancioneiro sefardita, a música de João Paulo tem o raro dom de pôr a nu as raízes multiculturais da tradição musical nacional, quase sempre marcada por um dramatismo melódico e fatalista, que Mário Franco acompanhou com desenvoltura, numa brilhante exibição das suas amplas capacidades técnicas e interpretativas do contrabaixo (que não dispensaram o uso ocasional do arco, reforçando dessa forma o lirismo da apresentação).
O jazz melódico e primordial de João Paulo constrói-se a partir do património multissecular da tradição musical portuguesa, decomposto nas suas diversas partes, populares e eruditas, do folclore às etnias da lusofonia, passando naturalmente pelos universos musicais árabes e judaicos, tanto do seu agrado, mas também por sonoridades barrocas e até bizantinas que, num ou noutro tema, vieram à tona. Essa riqueza musical encontrou um seguimento natural mas inspirado na actuação de Mário Franco que, com a expressividade única do contrabaixo, reforçou a toada melancólica dos temas através de sucessivos solos de rara beleza e entrega, momentos altos desta belíssima apresentação do trio.
Sem evidenciar a loquacidade dos outros dois músicos, André Machado cotou a sua apresentação por uma contenção textural que serviu como uma luva aos ambientes nostálgicos criados pelo piano e contrabaixo. Apenas no final do concerto rubricou a sua apresentação com um delicioso solo, construído com recurso exclusivo às escovas, que ajaezadamente concluiu a apresentação colectiva e originalmente a sua própria.
Se existe um jazz marcadamente português nenhum outro músico como João Paulo consegue traçar com rigor os seus contornos.

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