sábado, 9 de agosto de 2008

Sons de Sefarad (9)



Gilad Atzmon &
The Orient House Ensemble

Enja, 2000

Gilad Atzmon é um músico de jazz, nascido em Tel-Aviv em 1963. Recebeu formação na Rubin Academy of Music, em Jerusalém, mas, ao cumprir o serviço militar, revoltou-se contra o regime israelita que acusa de se ter transformado num Estado militarizado, controlado por extremistas. Emigra para Londres, onde se dedica ao estudo da filosofia (estudou também na Alemanha), convertendo-se num activista anti-sionista, com vasta obra publicada. Paralelamente desenvolve também uma importante carreira musical, a qual, curiosamente, a partir dos anos 90, quando funda este Orient House Ensemble (composto por ele próprio no saxofone, clarinete e flauta, Asaf Sirkis na bateria, Yaron Stavi no baixo e Frank Harrison no piano), afasta-se um pouco do universo criativo de Miles Davis, John Coltrane ou Wayne Shorter, que tanto o marcaram, para incidir de forma acentuada na tradição musical judaica e do médio oriente.
Colaborou igualmente com músicos de rock, como Ian Dury & The Blockheads, Shane McGowan, Robbie Williams, Sinéad O'Connor, Robert Wyatt e Paul McCartney.
Atzmon dirigiu também importantes colaborações com músicos árabes e palestinianos, como Reem Kelani e o tunisino Dhafer Youssef.
Escreve regularmente para publicações como CounterPunch, Al Jazeera, Uruknet, Middle East On Line e Dissident Voice e foi um dos fundadores do site Palestinian Think Tank, que promove o debate a favor de uma Palestina livre.
Desde 2001 dedicou-se ainda à ficção, com duas obras publicadas: A Guide to the Perplexed (2001) e My One and Only Love (2005), ambas fortemente anti-sionistas e já traduzidas em 22 línguas.



Musicalmente Gilad Atzmon espelha bem as suas ideias políticas. Não renegando a herança cultural judaica, encontrou porém no jazz a sua forma natural de expressão, recorrendo à fusão, sobretudo com a música árabe e do médio oriente, como modo de melhor exprimir os seus ideais de coexistência pacífica entre a comunidade judaica e palestiniana.
Exímio saxofonista, o seu instrumento de eleição é o sax alto, exprime-se com igual destreza nos sax soprano, tenor e barítono, mas também no clarinete, na flauta e na zurna (instrumento tradicional da Anatólia e Balcãs).

Deixo-vos com o tema Pardonnez-Nous, canção tradicional ladina com um arranjo de forte influência árabe, extraída do álbum de estreia do quarteto, editado em 2000 pela Enja, e com belíssimas fotos do Yemen, da autoria de Maciej Dakowicz.



É de realçar que o Yemen possuía uma das mais antigas comunidades judaicas da história da diáspora do povo israelita. A lenda remonta-a à Rainha de Sabá, que teria casado com o Rei Salomão, levando assim o judaísmo até aos seus domínios do Yémen, Eritreia e Etiópia.
Região remota e isolada (situa-se no extremo sul da península arábica) desenvolveu por isso um rito próprio e distinto de todos os outros, diferenciando-se quer do asquenazita, quer do sefardita.
Uma figura máxima do judaísmo sefardita teve contudo extrema importância no desenvolvimento do rito yemenita, a do Rabbi Moshe ben Maimon, mais conhecido como Maimónides, o famoso médico de Córdoba.
Quando Saladino ascendeu ao sultanato, no século XII, os xiitas revoltaram-se e começaram a perseguir os judeus yemenitas, os quais se encontravam sob domínio aiúbida. Um profeta judaico (foram muitos os Messias yemenitas ao longo da história do judaísmo naquela região arábica) pregou então uma nova religião que fundia judaísmo e islamismo, aproveitando o caos reinante na comunidade israelita. Tal levou a que um dos poucos notáveis judeus yemenitas da época, Jacob ben Nathanael al-Fayyumi, pedisse conselho e ajuda ao sábio andaluz, ao tempo residente no Egipto. A resposta foi a epístola Iggeret Teman (a Epístola do Yemen) que se tornou rapidamente um dos textos mais importantes daquela comunidade judaica, quer pelo seu conteúdo doutrinário, quer ainda pela força, consolo e apoio que transmitiu à comunidade judaica yemenita, naquele momento difícil. Parece que Maimónides conseguiu mesmo intervir directamente junto de Saladino, o qual terá, em consequência, posto fim às perseguições.
O conjunto de regras estabelecidas na epístola de Maimónides, denominado Rambam pela comunidade local, foi codificada na Mishneh Torah, que ainda hoje constitui a base da liturgia yemenita, se bem que harmonizada, por Mori Ha-Rav Yihye Tzalahh, com o misticismo cabalista de Isaac Luria, a partir do séc. XVII. Contudo existem ritos judaicos yemenitas que não aceitam a Cabala e seguem fielmente a doutrina epistolada por Maimónides (os Rambamitas), ou mesmo o rito sefardita ibérico, espalhado pelo norte de África após a expulsão dos judeus da península ibérica (os Shami).
Assim não admira a forte ligação existente entre a tradição musical sefardita e a yemenita, sendo frequente que temas tradicionais do Yémen surjam no cancioneiro sefardita ibérico, anterior e posterior à diáspora e vice-versa.
É pois de toda a pertinência o casamento que vos proponho, de uma canção ladina com a fantástica paisagem yemenita, ainda para mais com as fortes influências árabes introduzidas pelo arranjo de Gilad Atzmon.
Afinal de contas a globalização é um só um novo nome para um fenómeno muito antigo…

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