segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Liberdade Criativa



Júlio Resende
Da Alma
Cleanfeed, 2007

Júlio Resende é, indiscutivelmente, um dos mais promissores jovens pianistas portugueses.
Nascido em Faro começa os seus estudos de piano aos quatro anos de idade. Estuda no Conservatório Maria Campina, com a professora de piano Oxanna Anikeeva e o professor de formação musical, Paulo Cunha. Mas cedo descobre que a sua vocação é a improvisação, pelo que ruma ao jazz pela mão do contrabaixista e pedagogo Zé Eduardo. Em 2000 muda-se para Lisboa e estuda com Rodrigo Gonçalves, Pedro Moreira e Mário Laginha na escola do Hot Club de Portugal. Fez parte da primeira Big Band Nacional da Juventude e do Ensemble do Hot Clube. Participou em vários workshops internacionais, nos quais trabalhou com professores de prestigiadas Universidades de Jazz dos EUA, como a New School for Jazz and Contemporary Music e a Berklee College of Music: Aaron Goldberg, Gary Versage, Greg Tardy, Matt Penman, Frank Tiberi, Mark Ferber, Jonathan Kreisberg, Omer Avital. Trabalhou ainda com Paulo Gomes e Pedro Guedes. Em 2004 desloca-se a Paris por uma temporada à Université de S.Denis, estudando com Yves Torchinsky, Phillipe Michel, Fréderic Saffar e Lillian Dericq (professor da Bill Evans Academy). Em 2006, licencia-se em Filosofia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e em 2007 lecciona o curso de Piano-Jazz na Escola JBJazz, em Lisboa.
Antes ainda de formar o seu quarteto, tocou com reputados músicos nacionais como Carlos Bica, João Paulo Esteves da Silva, Pedro Moreira, Bernardo Moreira, Alexandre Frazão, Nuno Ferreira, André Fernandes, Afonso Pais, Matt Lester, Hugo Alves, Bruno Pedroso, Alexandre Frazão e Maria Viana, entre outros.


Só em 2007 edita o seu primeiro disco como líder, precisamente este Da Alma, pela Cleanfeed, gravado no Forum Cultural do Seixal por Luís Delgado a 3 e 4 de Julho de 2007. Conta, para além dele no piano, com João Custódio no contrabaixo, Alexandra Grimal e Zé Pedro Coelho no saxofone tenor, João Lobo e João Rijo na bateria.
Apesar de se tratar da sua primeira obra discográfica Júlio Resende assina todos os temas incluídos no disco à excepção de Wise Up, um original da norte-americana Aimee Mann, fruto do seu incontornável talento como compositor e também de um intenso e prolongado trabalho no estudo da composição, auxiliado por Pedro Moreira.
Mas basta ouvir o disco de Júlio Resende para perceber que a sua opção foi tudo menos arrojada. Ao invés de uma primeira obra, cheia de indefinições, de naturais receios e suportada na maior experiência dos músicos convidados, surge um trabalho maduro, claramente liderado pelo jovem pianista algarvio que vai buscar, para o acompanhar, outros jovens talentos do jazz nacional. O seu conterrâneo João Rijo na bateria, que se revela um dos mais promissores bateristas nacionais da sua geração, seleccionado para a European Movement Orchestra; o também jovem, mas já consagrado, baterista João Lobo, que ainda recentemente ouvimos acompanhar Enrico Rava e Gianluca Petrella no CCB, integrado no quinteto do trompetista italiano; o experiente saxofonista nortenho José Pedro Coelho, membro da Orquestra Orff do Porto, da Orquestra Jazz de Matosinhos, do Sexteto de Mário Barreiros e dos quintetos de Jacinta e Mário Santos, além de liderar o seu próprio quarteto; o brilhante contrabaixista João Custódio, um dos mais arrojados intérpretes do contrabaixo da sua geração, que apesar de quase auto-didacta (começou tardiamente a sua educação musical no contrabaixo, apenas aos 19 anos, mas passou pelas mãos de Zé Eduardo, Manuel Rego, Bernardo Moreira e Nelson Cascais) se converteu, em poucos anos, num dos mais requisitados contrabaixistas nacionais, colaborando com músicos como Nuno Ferreira, Rui Caetano, Rodrigo Gonçalves, Afonso Pais, Filipe Melo, Bruno Santos, Paulo Bandeira, Maria Viana, Matt Lester, Miguel Martins, André Matos, Alexandre Frazão, Mário Delgado, Vasco Agostinho, André Fernandes, Jorge Reis e fazendo parte do quinteto de Jacinta, além deste quarteto de Júlio Resende e ainda dos grupos Irmãos Catita e Corações de Atum, na área do pop; e ainda a saxofonista parisiense Alexandra Grimal.
Este projecto Da Alma, como já tive ocasião de referir nestas páginas, é construído pela apropriação jazzística de um património musical nacional pós-revolucionário, num reconhecimento simbólico da riqueza cultural que a liberdade criativa e de expressão trouxe à geração de 70, de que fazem parte os músicos envolvidos. O tema mais sintomático disso mesmo aparece logo na abertura do disco e denomina-se precisamente “Filhos da Revolução”. Mas ao contrário de outros projectos com idênticos propósitos, Júlio Resende não se limitou a pegar em meia dúzia de originais dos compositores de Abril e adaptá-los às suas enormes capacidades improvisadoras. Este talentoso pianista pegou antes na essência musical e criativa desses anos e desenvolveu-a pela sua própria voz e à luz de um percurso pós-revolucionário de que ele (e os restantes músicos envolvidos) já foi protagonista. Assim, longe do saudosismo de alguns trabalhos, Da Alma surge com uma frescura e criatividade ímpares no actual panorama musical português. A evocação de Abril exprime reconhecimento mas não seguidismo. É um ponto de partida e não de chegada.
E será seguramente o ponto de partida para uma carreira que se adivinha brilhante para este grande músico nacional, que se afirma desde logo como um nome maior entre os excelentes pianistas de jazz portugueses como Mário Laginha, João Paulo ou Bernardo Sassetti.
Entretanto tenho seguido atentamente o trabalho de Júlio Resende que, nos últimos meses, passou por importantes colaborações com grandes músicos internacionais de jazz como o espanhol Perico Sambeat ou o norte-americano John Hebert (sempre integrados no seu próprio quarteto, o que diz bem da capacidade de liderança de Júlio Resende). Espera-se pois que o segundo disco não tarde, tal como a internacionalização deste grande pianista de jazz. Talento não lhe falta, nem tão pouco o reconhecimento, que vai surgindo gradual e qualitativamente.
Deixo-vos com um tema do disco Da Alma, curiosamente o único que não é da autoria de Júlio Resende… No entanto acreditem que tal é apenas expressão da minha paixão pelo mesmo e nunca de desconfiança face às enormes qualidades criativas do pianista. Chama-se Wise Up e é da autoria da cantora norte-americana Aimee Mann (que vai actuar em Lisboa, no Coliseu dos Recreios a 18 de Outubro) e está acompanhado de fotografias da autoria de Gonzalo Garcia de Viedma, extraídas do seu trabalho denominado “Quidam” (aquele que passa).

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