sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Santiago de Murcia
Ensemble Kapsberger & Rolf Lislevand
Santiago de Murcia Codex
Astrée, 2000
De Santiago de Múrcia pouco se sabe. Guitarrista e compositor espanhol do séc. XVIII, terá integrado a corte da rainha Maria Luísa Gabriela de Sabóia, primeira mulher do rei Filipe V de Bourbon, neto do rei francês Luís XIV que inaugurou aquela dinastia na coroa espanhola, sucedendo ao infeliz Carlos II (de acordo com alguns historiadores, através de um testamento falsificado a mando do rei sol). Quis a ironia do destino que os Bourbon ainda hoje reinem em Espanha, enquanto em França caíram às mãos de “madame da guillotine”…
A sua obra permaneceu esquecida durante séculos até reaparecer no México, há algumas décadas atrás. Há quem creia que o guitarrista terá passado parte da sua vida no Novo Mundo, aí compondo, entre outras obras, o seu Codex nº 4, de onde foram extraídos os temas deste disco. Porém a hipótese mais provável é que a obra tenha sido levada posteriormente (recentemente outra obra desconhecida de Santiago de Múrcia foi descoberta no Chile).
Rolf Lislevand nasceu em Oslo, na Noruega, em 1961, onde estudou guitarra clássica na Academia Musical estatal. Posteriormente estudou na Suiça, na Schola Cantorum Basiliensis, em Basileia, com mestres como Hopkinson Smith e Eugéne Dubois. Tocou em vários grupos de Jordi Savall, durante os anos 80, e actualmente é professor na Staatliche Musikhochschule em Trossingen, na Alemanha.
O Ensemble Kapsberger é uma original formação que deve o seu nome ao compositor seiscentista Hieronymus Kapsberger, um dos pioneiros do barroco italiano, filho de um militar austríaco colocado em Veneza.
O grupo combina a pesquisa e a musicologia com a criatividade e espontaneidade das suas interpretações, procurando dessa forma recriar as condições autênticas em que as obras foram compostas e apresentadas, rejeitando o rito cerimonial tradicional da música de câmara pós-novecentista. O barroco e o pré-barroco do Ensemble Kapsberger surgem assim vivos, populares, imprevisíveis. O grupo apela à subjectividade dos seus intérpretes e não hesita em integrar elementos improvisados nas suas apresentações, revestidas de uma inusitada teatralidade.
Não admira pois que esta obra, editada em 2000 pela francesa Astrée, denote uma frescura rara para uma obra de guitarra barroca. Longe da eloquência e previsibilidade características das obras deste período (cerca de 1730), este Codex nº 4 de Santiago de Múrcia surge recheado de elementos populares, oriundos da guitarra flamenca, da música sefardita, do oud árabe e da percussão norte-africana e caribenha. Um cocktail pouco habitual mas que imprime uma enorme frescura e vitalidade à música do compositor espanhol, colocando a nu as raízes históricas do flamenco e o seu enorme contributo para o desenvolvimento dos géneros populares latino-americanos, construídos a partir do legado colonial e dos ritmos levados para a América pelos escravos africanos.
Uma obra notável onde o virtuosismo de Lislevand na guitarra barroca é brilhantemente acompanhado pelo órgão entregue às mãos competentes de Guido Morini e pela percussão ao cuidado de Pedro Esteván, Michéle Claude e Katherina Dustman. Acompanham-no ainda Bjorn Kjellemyt no colascione (um instrumento de corda italiano, da família do alaúde, semelhante ao saz turco), Beatrice Pornon na segunda guitarra barroca e Eduardo Eguez na chitarra batentte (guitarra de fole originária do sul de Itália).
Um disco fascinante que proporciona uma apaixonante e autêntica viagem musical pela Espanha imperial setecentista.
A ilustrar esta viagem deixo um vídeo com o tema Fandango e fotos de arte nicaraguense da autoria de Dan Polley.
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