quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Melos



Melos
Vassilis Tsabropoulos, Anja Lechner & U.T.Gandhi
ECM, 2008

Há cerca de 4 anos atrás o pianista grego Vassilis Tsabropoulos juntou-se à violoncelista alemã Anja Lechner e elaboraram juntos uma feliz incursão pelo místico universo musical do compositor e filósofo arménio Georges Ivanovitch Gurdjieff, no disco Chants, Hymns And Dances (ECM, 2004).
Tsabropoulos é um pianista formado pelo Conservatório de Atenas e com passagens como bolsista pelos Conservatório de Paris, Academia de Salzburgo e Julliard School, portanto com uma reputada formação clássica. Teve contudo duas frutuosas experiências no campo do jazz, ambas na companhia do contrabaixista norueguês Arild Andersen e do baterista inglês John Marshall (os discos Achirana e The Triangle, ambos editados pela ECM respectivamente em 2000 e 2004).
A alemã Anja Lechner é co-fundadora do Rasamunde Quartet e também ela já assinou trabalhos fora do ambiente estritamente clássico, como Kultrum, uma homenagem ao Tango Nuevo, elaborada a meias entre o Rosamunde Quartet e o bandaneonista argentino Dino Saluzzi, e colaborações em trio, com o pianista russo Misha Alperin ou com o trio Abaton, composto pela pianista suíça Sylvie Courvoisier e o violinista norte-americano Mark Feldman.
O disco pautou-se por um rotundo e surpreendente sucesso, alcançando destaque nas tabelas de vendas de música clássica, um pouco por todo o mundo.
Já vários músicos tinham abordado o exótico universo musical de Gurdjieff e Thomas de Hartmann (o ucraniano colaborador e pupilo do compositor arménio, responsável pela transposição para piano da maioria das suas obras, muitas compostas em colaboração entre os dois músicos). Estou-me a lembrar por exemplo de um álbum de Keith Jarrett lançado no já longínquo ano de 1980, entre muitos outros. No entanto a abordagem protagonizada pelo duo Tsabropoulos/Lechner mostrou-se original e particularmente apelativa, aí residindo porventura a principal razão para o seu sucesso. Na verdade a originalidade começa logo no arranjo para piano e violoncelo de obras até então só ouvidas em piano. Mas Tsabropoulos e Lechner não se limitaram a arranjar as obras de Gurdjieff. Fruto talvez das suas experiências jazzísticas construíram um álbum em que os temas do místico arménio foram livremente desenvolvidos pelos músicos, juntando-lhe originais do pianista grego inspirados na tradição musical bizantina, designadamente nos hinos religiosos da Igreja Oriental, também eles fortemente inspiradores do universo musical de Gurdjieff.
O resultado foi um fascinante cruzamento de culturas musicais. Um disco onde Bizâncio aparece musicalmente como o centro confluente das produções musicais ocidental, russa e oriental. Melódico, inspirador, superiormente arranjado e interpretado, Chants, Hymns & Dances foi um marco na carreira musical dos dois músicos envolvidos e da própria ECM, apesar de habituada a estes surpreendentes sucessos.
Impunha-se pois dar seguimento a este fascinante projecto.
Gravado em 2007 em Lugano, no Auditório da Rádio Svizzera Italiana, Melos é a esperada continuação do projecto Chants, Hymns & Dances. O princípio é o mesmo: pegar no repertório de Gurdjieff e desenvolvê-lo criativamente. Mas desta feita foi levado mais longe. Dos 15 temas do disco apenas três são da dupla Gurdjieff-de Hartmann, os restantes doze são originais de Vassilis Tsabropoulos (ainda que porventura inspirados no cancioneiro bizantino e nas obras místicas de Gurdjieff). O alargamento do conceito abrange igualmente o recurso mais frequente à improvisação modal, quer do piano quer do violoncelo, a que se junta agora a percussão do italiano U.T. Gandhi (nascido Umberto Trombetta), ex-colaborador de Dino Saluzzi (“Juan Condori”, 2005) de Enrico Rava, Gianluigi Trovesi, Lee Konitz e Miroslav Vitous e aluno de Jimmy Cobb e Peter Erskine, adicionando ao duo interessantes texturas e pulsações que aumentam o dramatismo e expressividade da sua música.
Temos pois um disco que se aproxima um pouco mais do universo jazz do que Chants, Hymns & Dances, embora chamar-lhe um disco de jazz resulte num manifesto exagero! É acima de tudo uma obra de fusão onde os rigores do universo musical erudito se cruzam com as liberdades criativas do jazz e onde o molde tonal ocidental é posto à prova pela submissão dos músicos a uma exótica linguagem modal que nos permite respirar, com prazer, os odores musicais do oriente, russos, bizantinos ou até tibetanos!
Finalizo como habitualmente com um vídeo, Tibetan Dance, um dos três originais de Georges Ivanovitch Gurdjieff incluídos no disco. Esta é uma dança triste, inspirada pelo folclore do tecto do mundo. Tristeza de um povo invadido em 1950 e cuja revolta foi esmagada sem piedade em 1959 pelo exército chinês, brilhantemente captada pela lente do fotógrafo dinamarquês Henrik Wilche (podem admirar as suas fotos em http://www.pbase.com/wilche/tibet).

Vassilis Tsabropoulos, Anja Lechner & U. T. Gandhi
Tibetan Dance

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