sábado, 1 de novembro de 2008

One Woman Show



Cindy Blackman Quartet
30 de Outubro de 2008, 21.30h
Auditório Municipal – Fórum Cultural do Seixal
***,5

Cindy Blackman nasceu no Ohio, em 1959, numa família de músicos. Começou por aprender piano mas cedo se virou para a bateria, aos 7 anos de idade. Frequentou o Berklee College of Music em Boston, mas abandonou o curso a meio para ir viver em Nova Iorque, junto dos grandes bateristas que tanto admirava. Nessa sua vívida aprendizagem cruzou-se com referências incontornáveis do jazz como Art Blakey e Tony Williams. Partilhou também os palcos com músicos como Jackie McLean, Joe Henderson, Dan Pullen, Pharaoh Sanders, Sam Rivers, Cassandra Wilson e Bill Laswell.
Foi contudo a sua colaboração com o músico de rock Lenny Kravitz, iniciada em 1993, que lhe granjeou maior popularidade e terá contribuído decisivamente para o apuramento do seu estilo musical: pujante, enérgico e arrebatado.
Em 1996 colaborou com o saxofonista português Carlos Martins na gravação do disco Passagem.
Nesta sua segunda passagem pelo Seixal Jazz (a primeira ocorreu em 1997 integrada no quarteto de Carlos Martins e Bernardo Sassetti) Blackman fez-se acompanhar por J. D. Allen no sax tenor, Carlton Holmes no piano e Fender Rhodes e George Mitchell no contrabaixo.
Cindy Blackman é indiscutivelmente uma força da natureza. Mais do que os seus inegáveis dotes técnicos sobressaem das suas apresentações a enorme força e pujança da sua música e da forma como aborda a bateria. Sem dó nem piedade! O papel da bateria de Blackman raras vezes se resume a estéticas meramente texturais ou pulsantes, antes se impondo como a infindável e essencial fonte de energia das apresentações. Sem pausas nem descansos.
Um solo, para Cindy Blackman, é aquela parte dos temas em que os outros instrumentos se deixam de ouvir, restando a bateria, porque ritmicamente os seus acompanhamentos são quase sempre tão elaborados, pujantes e complexos como os solos.
É raro ouvir-se jazz com tanta energia, toda ela emanada da bateria. Nisto se aproxima a música de Blackman do rock de Kravitz, também ele fortemente marcado pela batida firme e forte da percussão. Em si mesmo tal não é um defeito. Apesar de fora de moda o jazz-rock ainda tem seguidores e legou seguramente momentos notáveis à história da estética jazzística. Ainda recentemente me deliciei com a apresentação dos belgas Aka Moon, também eles cultores desta estética possante, em que a bateria de Stéphane Galland assumiu claramente as rédeas da apresentação, brilhantemente complementada pela mestria de Michel Hatzigeorgiou no baixo eléctrico e de Fabrizio Cassol no saxofone.
No entanto não posso deixar de referir que algo não funcionou em pleno nesta apresentação de Cindy Blackman. A sua sede de protagonismo roça por vezes a gratuitidade e apaga quase por completo as prestações dos restantes músicos em palco. Tal foi particularmente notório no que toca ao trabalho de George Mitchell no contrabaixo, completamente abafado pela bateria, sem direito a um único solo em todo o concerto e limitado, por vezes, a acompanhar com três ou quatro notas, as poderosas arrancadas percutivas de Blackman.
Mesmo o saxofone, instrumento poderoso e incapaz de deixar os seus créditos por mãos alheias (oiça-se Cassol num ambiente musical similar), lançado à fera Blackman, teve nas mãos de J. D. Allen uma participação discreta, buscando melodias raramente desenvolvidas face à precoce intervenção da bateria e sem um verdadeiro rasgo de criatividade que pudesse contrabalançar a presença opressiva da bateria em palco.
Foi Carlton Holmes, nos teclados, o único que ousou fazer face à poderosa Blackman, sobretudo no Fender Rhodes, pois o piano acústico pareceu desfasado deste ambiente rockeiro imprimido pela bateria. Ocasionais solos mostraram rasgos de talento do pianista que, ainda assim, poucas oportunidades teve para desenvolver os temas.
Em suma: Cindy Blackman é uma grande baterista, mas por isso mesmo não precisava de se esforçar tanto para o demonstrar em palco. Uma exibição tão esforçada dos seus reconhecidos dotes transformou a apresentação numa espécie de “one woman show”!
Da parte que me toca, teria preferido ouvir um verdadeiro quarteto de jazz…

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