sábado, 22 de novembro de 2008

Yaron Herman Trio no CCB



Yaron Herman Trio
21 de Novembro de 2008, 21.00h
Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém
****,5

Afirmar que Yaron Herman é um fenómeno, é hoje um lugar comum. De facto atingir o nível técnico apresentado por este israelita, de apenas 27 anos, em tão pouco tempo, é no mínimo invulgar, sobretudo se considerarmos o facto de Herman tocar piano há apenas 11 anos.
Mas, mais do que as suas precoces habilidades no teclado, o que impressiona em Herman é a sua notável capacidade para inovar, para criar algo de fresco e pessoal naquilo que toca. Isso, no jazz, é ainda mais raro atingir aos 27 anos (por vezes leva-se uma vida inteira sem o conseguir…).
Pode dizer-se que Herman se insere numa estética a que, por vezes, se chama o jazz-pop (expressão que não gosto particularmente mas que, à falta de outra melhor, me forço a usar), corrente que já atraiu músicos como Brad Mehldau (sobretudo no álbum Largo), os suecos do Esbjörn Svensson Trio, o trio norte-americano The Bad Plus (com Ethan Iverson ao piano) ou os alemães do Trio Elf (com Walter Lang ao piano).
Mas se adaptar Toxic de Britney Spears ao jazz (aliás, brilhantemente) ou Message in a Bottle dos Police é uma ousadia a que outros já se permitiram, através de adaptações de temas dos Queen, dos Radiohead, de Björk (Herman inclui também no seu último disco uma versão de Army of Me) ou até dos Blondie, já a forma como essa adaptação é feita e sobretudo a diversidade de fontes de que bebe este trabalho em trio, não é tão comum.
Na verdade Yaron Herman não se limita a capturar a energia do pop e a armazená-la em potentes versões jazzísticas de temas que fizeram as delícias dos tops de vendas, por esse mundo fora. Vai muito mais longe, cristalizando, numa sucessão rica e diversa de temas, outras influências colhidas ao longo da sua formação musical e que vão desde a música barroca ao simbolismo russo (há uma deliciosa versão do Prelúdio Nº 2 em Si Bemol Maior, Opus 35, de Alexander Scriabine no disco “A Time For Everything”) e desde o impressionismo francês ao minimalismo de Stockhausen (este já traduzido para o jazz por músicos como o próprio filho do compositor alemão, o trompetista Marcus Stockhausen, ou o suíço Nik Bartsch). Nem as fontes populares ficaram esquecidas com o inevitável blues e a música tradicional do médio oriente a marcarem presença, aproximando-se neste particular da obra do seu compatriota Avishai Cohen.
O trabalho de Herman é assim de uma riqueza e diversidade estonteantes.
O que poderá contudo constituir a única crítica a apontar-lhe. A obra surge algo dispersa. Manifestação inequívoca de uma ânsia de mostrar conhecimentos, facilmente justificável à luz dos seus 27 anos de idade.
Todos os males fossem esse.


Yaron Herman Trio
A Time For Everything
Laborie Records, 2007

Mas esta viagem musical não foi solitária. A acompanhar Herman estiveram o contrabaixista Matt Brewer e o baterista Thomas Crane (substituto na apresentação ao vivo de Gerald Cleaver, que gravou o disco).
Matt Brewer é um jovem contrabaixista norte-americano (tem apenas 25 anos) de enorme classe. Manifestou um virtuosismo de grande sobriedade, que por vezes contrastou com a exuberância interpretativa de Herman e Crane, mas que contribuiu decisivamente para a solidez e coerência musical do projecto. De uma fluência e criatividade invejáveis nos solos, soube contudo contrapor-lhes o rigor na assumpção das tarefas rítmicas do trio, sobretudo quando os focos estavam apontados para os seus colegas de palco. Uma exibição notável. Apenas lhe posso apontar o menor acerto na escolha de um instrumento de pequena dimensão. Se é certo que andar a correr mundo com um contrabaixo às costas não deve ser tarefa fácil (a avaliar pelo tratamento habitualmente dado à bagagem comum nos aeroportos, de dimensões liliputianas face ao mastodôntico contrabaixo, deve até ser muito difícil…) não posso ainda assim deixar de referir que o uso de um instrumento dotado de uma caixa de ar de outra envergadura traria benefícios óbvios à apresentação, designadamente nos momentos de maior explosão rítmica, que foram muitos.
Já Crane mostrou trabalho menos regular. Se por um lado se assumiu como o verdadeiro motor do trio, quando era preciso injectar adrenalina na apresentação, já nos momentos menos enérgicos não conseguiu manter esse nível, com algumas limitações criativas no que respeita às estéticas texturais, por vezes exigidas pela diversidade do repertório. Diria que neste projecto se impunham dois bateristas: Crane para as versões pop e Gerald Cleaver para as outras, manifestando este último, no disco, uma riqueza, um detalhe e uma subtileza criativa de outra envergadura.
Finalizo com um lamento dedicado ao som do Pequeno Auditório do CCB. Pareceu-me pouco acertada a opção pelos tons suaves e polidos de um concerto de câmara. Quase soaram nasalados.
Uma obra desta amplitude rítmica carecia de algumas arestas vivas, que acentuassem os contornos explosivos por vezes extraídos pelos músicos dos seus instrumentos. Ainda para mais apresentando-se o trio em versão exclusivamente acústica, abdicando dos efeitos sonoros adicionados no disco por Jean Pierre Taleb.
Uma situação a rever.
Ver videos de Yaron Herman
Aqui fica um tema deste álbum e deste concerto, o clássico "In The Wee Small Hours of the Morning" da autoria de Bob Hilliard e David Mann, popularizado por Frank Sinatra. As fotos são da austríaca Claudia Schweizer. Podem ver o seu trabalho em http://www.pbase.com/c_schweizer/night_variations.

Yaron Herman Trio - In The Wee Small Hours oF The Morning

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