sábado, 8 de novembro de 2008

Viagem ao Saara



Anouar Brahem
Le Voyage de Sahar
ECM 2006

Anouar Brahem nasceu em Halfaouine, na Tunísia, em 1957, e é considerado actualmente um dos mais prestigiados e inovadores mestres do oud, o alaúde árabe, daquele país.
Formado nos segredos da música clássica árabe pelo mestre oudista Ali Sriti, foi apresentado em finais da década de 80 ao produtor alemão Manfred Eicher, com quem iniciou uma colaboração que o levou à partilha dos estúdios e dos palcos com alguns dos mais reputados músicos do universo jazz e clássico do ocidente.
Destas colaborações resultaram a edição de nove discos integrados no catálogo da prestigiada ECM e a aquisição de uma fundada reputação musical, quer no mundo árabe quer no ocidente.
Fruto destas colaborações e do interesse demonstrado por Brahem pelo jazz, a sua música transformou-se numa fusão de influências populares e eruditas orientais e ocidentais. Um som característico onde é possível descortinar elementos oriundos do folclore magrebino, do jazz europeu (sobretudo do jazz nórdico protagonizado pela ECM) e da música clássica e contemporânea árabe e europeia.
De uma beleza e profundidade pouco habituais, a música de Brahem evoca o Mediterrâneo, enquanto fenómeno cultural milenar, com o seu mistério, a sua história mas também com uma profunda impressão de solidão e retiro que só as nuas paisagens desérticas do Sahara da sua Tunísia natal poderiam inspirar.
O som emanado do seu oud é por vezes negro e melancólico mas também indutor de paz e introspecção. Um verdadeiro retrato impressionista das terras do Magreb e das suas gentes, pintado com intensidade e virtuosismo pelo tunisino.
Em “Le Voyage de Sahar”, o seu mais recente trabalho, gravado para a ECM em 2005 e lançado no ano seguinte, Brahem repete a equipa utilizada para a gravação de “Le Pas du Chat Noir” gravado em 2001 também para a ECM: ele próprio no oud e na composição, e os franceses Jean-Louis Matinier no acordeão e François Couturier no piano. Um inusitado trio que já tinha resultado em pleno em 2001 e que, agora, parece resultar ainda melhor.
Couturier é um pianista galardoado com o prémio Django Reinhardt em 1980, que lhe valeu vasta atenção internacional e a oportunidade de integrar os sucessivos conjuntos do guitarrista norte-americano John McLaughlin. As suas colaborações com Brahem remontam a 1985, data em que (antes ainda do tunisino assinar contrato com a ECM) com ele gravou um disco que contou ainda com a participação dos turcos Barbaros Erköse e Kudsi Erguner. Posteriormente participou nos discos “Khomsa” e “Le Pas du Chat Noir” já gravados para a ECM.
Jean-Louis Matinier fez a sua estreia pela ECM com Brahem em “Le Pas du Chat Noir” e é colaborador habitual de músicos como Gianluigi Trovesi, Enrico Rava e Louis Sclavis, com quem efectuou uma feliz transição da música clássica para o universo jazz.
A originalidade deste trio permite não só efectuar com brilhantismo o cruzamento entre os elementos musicais característicos do oriente e do ocidente como também suprir eventuais limitações harmónicas do oud (instrumento ao qual tradicionalmente se reservam tarefas meramente melódicas), aqui liricamente complementado pelo piano e pelo acordeão. Por outro lado surgem mais evidentes neste trabalho influências musicais francesas, não apenas evocativas da “valse musette” pela adição do acordeão, como também do minimalismo de compositores como Eric Satie ou Darius Milhaud (não será inocente a evocação pelo trio no seu trabalho anterior do ”Chat Noir”, o clube onde Satie iniciou a sua carreira como pianista e conheceu Debussy).
O disco é composto unicamente de originais da autoria de Brahem, dois deles já editados em trabalhos anteriores mas revestidos agora com novos arranjos: “Vague, e la nave va”, já incluído no álbum Khomsa, e “Halfaouine”, homenagem à cidade natal de Brahem (na verdade um bairro da Medina de Tunes) já gravado para o disco Astrakan Café.
Um disco melancólico e belo para uma tarde chuvosa de Inverno.
Deixo-vos com um vídeo da nova versão do tema “Vague, e la nave va” acompanhado de fotos do australiano Bill Robinson, que podem ser visitadas no Pbase na página http://www.pbase.com/billrobinson/monochrome.

Anouar Brahem – Vague, e la nave va

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