sábado, 4 de abril de 2009

Sombras


Giovanni Guidi
Indian Summer
Cam Jazz, 2007

Giovanni Guidi nasceu em Foligno, Itália, em 1985. Tinha portanto apenas 22 anos de idade quando gravou este disco.
Desde os 12 anos que estuda piano e frequenta masterclasses no Siena Jazz. Ainda não tinha completado 21 anos quando integrou o quinteto de Enrico Rava pela primeira vez, iniciando uma fulgurante carreira que o tornou num dos mais requisitados pianistas italianos. Presentemente integra, além do seu próprio quarteto de que fazem parte o saxofonista e clarinetista norte-americano Dan Kinzelman, o baterista português João Lobo e o contrabaixista italiano Stefano Senni (que substituiu Francesco Ponticelli, com quem Guidi gravou o presente álbum), vários quintetos de Enrico Rava, o trio de Fabrizio Sferra, a The Unknown Rebel Band, o quarteto de Tommaso Cappelatto (com vários concertos marcados com o saxofonista Michael Blake), a Gianluca Petrella Cosmic Band, os quartetos de Mauro Negri e de Lello Pareti e ainda um duo com Dan Kinzelman.
Mas é sobretudo no seu quarteto que Guidi tem demonstrado um enorme talento como pianista e compositor. Com um repertório baseado quase exclusivamente em originais seus, a música do quarteto mostra-se influenciada pelos sons populares italianos, a que Guidi acrescenta estruturas harmónicas complexas sem nunca perder um profundo sentido melódico. Ocasionalmente surgem versões de temas de Ornette Coleman, Hampton Hawes, dos Radiohead ou de Bjork, realçando o carácter experimental que a música de Guidi por vezes assume.
Enrico Rava, através do seu projecto Rava New Generation, foi o padrinho desta ascensão meteórica do pianista ao estrelato. E não hesita em compará-lo a Gianluca Petrella ou a Stefano Bollani: jovens músicos que integram os seus ensembles e que não param de o surpreender. Incontestavelmente um dos maiores talentos a despontar no jazz italiano dos últimos anos.
Indian Summer apresenta-se como uma prova indesmentível desse enorme talento. Jazz europeu, como lhe chamariam os norte-americanos, porquanto se integra numa atmosfera de câmara, fortemente melódica e com uma consistência estrutural irrepreensível. Emocionalmente profundo mas meticulosamente arranjado. Um casamento perfeito entre o rigor da música contemporânea (por vezes surgem mesmo laivos de romantismo) e a criatividade do jazz.
O álbum abre com brilhantismo. "Shadows" é um tema belíssimo com um extraordinário trabalho no clarinete, da autoria de Dan Kinzelman. Uma inspirada incursão no universo clássico-jazzístico, que ouvimos por exemplo em Gianluigi Trovesi. Melancólico, profundamente latino, com o clarinete a evocar fantasmas sefarditas. Inspirado e com um lado negro bastante sedutor. Surge depois "Il Campione", um tema crescente e perturbante, cinemático, com ecos de neo-realismo no desenvolvimento ao piano. O solo de Guidi evoca Vittorio de Sica ou Federico Fellini!
A melancolia latina, presente na obra de tão ilustres pianistas transalpinos como Enrico Pieranunzi ou Stefano Battaglia, surge também aqui pela mão de temas como Begatto Kitchen, The Path (este com atraentes laivos românticos) ou mesmo Don’t Change a Hair For Me, uma homenagem ao universo clássico de Rodgers & Hart, os criadores de My Funny Valentine. No entanto Guidi nunca é previsível nestas abordagens. Consegue sempre imprimir um cunho pessoal, abstracto e extremamente criativo, mesmo quando os temas surgem melódicos ou nostálgicos.
Por outro lado há uma face negra na nostalgia de Guidi, que está porventura mais próxima do universo salmódico do jazz norte-europeu do que propriamente de Pieranunzi. A prová-lo está o fatalismo de "Neverland Last Days" e sobretudo o dramatismo gélido de "September Never Comes". Um tema quase meramente ambiental, mas muito belo, fazendo lembrar alguns trabalhos dos noruegueses Trygve Seim e Ketil Bjornstad.
Paralelamente surgem temas onde o bop norte-americano ou mesmo o free jazz marcam presença. É o caso da versão de Round Trip, um tema original de Ornette Coleman, e bem assim de O.C.E.R., uma composição que surge inspirada no folclore italiano mas que desponta, com brilhantismo, para terrenos de free jazz, quer pelo virtuosismo técnico de Guidi quer particulamente pela estética ousada e Colemaniana do solo de Kinzelman, no saxofone.
Em suma um belo disco de jazz por quatro jovens músicos talentosos, entre eles o português João Lobo que dá aqui um primeiro e merecido passo rumo à internacionalização.
A ouvir com muita atenção.
Entretanto Guidi já lançou um novo disco, denominado “The House Behind This One”, de que conto trazer-vos brevemente algumas notas.
A ilustrar este trabalho deixo-vos com o tema “Shadows”, que abre o disco. Um original de Guidi em que se destaca o belíssimo trabalho de Kinzelman no clarinete. As fotos são da autoria do fotógrafo John. Podem ver o seu trabalho em http://www.pbase.com/batraaf/lost_in_this_world

Giovanni Guidi & Dan Kinzelman – Shadows

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