domingo, 26 de abril de 2009

Integridades II



Jacques Loussier Trio
Sábado, 25 de Abril, 23.30h
Grande Auditório do CCB (Lisboa)
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Após 50 anos de carreira e mais de seis milhões de discos vendidos, Jacques Loussier transformou-se seguramente numa instituição, como o comprova a entusiástica recepção que obteve neste concerto no CCB.
Aquilo que foi controverso em 1959, afirma-se hoje quase como consensual. Loussier é um excelente intérprete de Bach e a sua visão jazzística do barroco, longe de beliscar a integridade do legado musical de Bach, enriquece-o, adicionando belíssimos elementos interpretativos ao património bachiano, que remanesce intocado na sua genial autenticidade.
A paixão de Loussier pelo génio do compositor de Eisenach é conhecida. Porém, ao contrário de outros que a desenvolvem no aperfeiçoamento minucioso de uma interpretação literal das pautas (como se estas pudessem transmitir a essência artística do intérprete), o francês decidiu, há 50 anos atrás, homenagear Bach à sua maneira: contemporanizando-o, alargando o leque dos seus potenciais ouvintes, propondo novas acepções da sua obra.
Nisto se aproxima do jazz. Pela ousadia recriativa, pelo carácter improvisacional de boa parte da sua obra, pela liberdade interpretativa. É certo que também pelo uso do ritmo, particularmente importado do blues para as salas de concerto, à maneira de Gershwin.
Mas será isso suficiente para qualificar como jazz a obra de Loussier?
O próprio pianista não parece ter dúvidas, afirmando modestamente “não sou um músico de jazz, interpreto Bach através do jazz e de outras linguagens não clássicas”.
Mas a sua obra não se limita a Bach. Pelo caminho Loussier interpretou, na sua linguagem própria, Debussy, Satie, Ravel, Handel, Beethoven, Mozart e muitos outros compositores.
As suas abordagens, longe do facilitismo sugerido pelo enorme sucesso, são primorosamente trabalhadas em elaborados arranjos. O trio assume-se como uma unidade orgânica própria, à boa maneira evansiana, em que as tarefas melódicas, harmónicas e rítmicas são partilhadas, com enorme propriedade, por todos os membros.
Loussier não se limita a interpretar Bach sob um fundo rítmico inusitado. Reconstrói a obra bachiana para piano, contrabaixo e bateria, aproveitando minuciosamente as amplas possibilidades criativas suscitadas.
Benoit Dunoyer de Segonzac é um contrabaixista de mão cheia, embora poucos jazzómanos reconheçam de imediato o seu nome, sem a subsequente associação a Loussier. A sua capacidade de improvisação e construção harmónica no contrabaixo é primorosa, contribuindo fundamentalmente para a sensação de modernismo que continua a ecoar do universo musical de Loussier. O mesmo se poderá dizer de André Arpino, o franco-italiano que se lançou, com reconhecido sucesso, na temerária iniciativa de tocar Bach numa bateria.
Não sei se a música de Loussier é ou não jazz. Mas o mesmo se poderia afirmar da maioria dos compositores contemporâneos do universo jazzístico.
O caminho traçado pelo jazz, desde a revolução Parkeriana dos anos 40, aponta claramente no caminho da liberdade e da apropriação dos mais diversos elementos musicais, provenham eles do universo popular ou erudito. Neste sentido Loussier foi um pioneiro. Precisamente no momento histórico em que o jazz se redescobria, abrindo múltiplos caminhos criativos nas mais diversas direcções, Loussier encontrou o seu: a fusão da criatividade do jazz com a enorme beleza do clássico e do barroco. Nisto se aproxima da genialidade criativa de outros mestres que, também a partir da década de 50, traduziram à linguagem do jazz
a música afro-cubana (Duke Ellington, Dizzy Gillespie), o samba e a bossanova (Tom Jobim, Stan Getz), o tango argentino (Astor Piazzola) ou as rancheras mexicanas (Charlie Mingus). Sem esquecer que até a grande dupla Miles Davis-Gil Evans se deixou seduzir pela fusão com o universo clássico latino, adaptando Joaquin Rodrigo e Manuel de Falla ao jazz, no mítico álbum “Sketches of Spain” de 1960.
O máximo que se poderá apontar a Loussier é o facto de, ao contrário de alguns destes nomes incontornáveis da história do jazz, se ter mantido fiel e coerente ao seu universo musical.
Também Piazzola ou Jobim o fizeram e não me parece que tal belisque minimamente os seus enormes méritos.

Jacques Loussier & Bobby Mcferrin- Bach Anniversary Leipzig

1 comentário:

cs disse...

passei aqui pela primeira vez. Vou ficar cliente:)))

mto bom o seu blog