quarta-feira, 4 de junho de 2008
Minimalismo Simbólico
Bugge Wesseltoft
IM
Jazzland Records 2008
13/20
Bugge Wesseltoft nasceu na Noruega, em 1964, filho do guitarrista de jazz Erik Wesseltoft. Apesar da tradição musical familiar e do contacto com o piano desde os 3 anos de idade, mostrou sempre uma especial aversão pelo ensino, tendo aprendido quase tudo o que sabe pela via da experiência, como auto-didacta. Tocou tuba na banda da escola, fundou grupos de punk-rock e maravilhou-se com a electrónica e os sintetizadores. No final dos anos 80 estava ligado a vários projectos de rock na Noruega e começou a ser reconhecido como pianista. Em 1989 teve o primeiro contacto com o jazz ao tocar com o Knut Risnæs Quartet no clube “Oslo Jazzhouse” e pouco depois conheceu Arild Andersen e Jan Garbarek. Integrou os projectos musicais destes e gravou com ambos a partir de 1990. Em 1991, juntou-se a Nils Petter Molvær, Bjørn Kjellemyr e Audun Kleive, integrando igualmente o quinteto de Terje Rypdal. Em 1992 tocou com Jon Eberson na Jazzpunkensemble. Em 1993 já liderava os seus próprios projectos de jazz, integrando músicos como Terje Rypdal, Jon Christensen, Bjørn Kjellemyr, Nils Petter Molvaer, Vidar Johansen e Rune Arnesen. Depois disso o seu percurso é bem mais conhecido. Fundou um duo de sucesso com Sidsel Endresen (com três discos gravados por ambos, mais dois dela com Bugge a colaborar) que correu o mundo em concertos. Formou o projecto vanguardista “New Conception of Jazz”, de fusão do jazz, house, techno, música ambiental, ruído e livre improvisação, que levou o jazz electrónico às discotecas e aos tops de vendas entre 1994 e 2005. Criou a editora Jazzland Records que passou a editar os seus discos e os de muitos jovens talentos da Noruega. Mais recentemente fundiu o seu jazz-techno com a música indiana no projecto Bugge Ragatronics, com os indianos Vivek Rajgopalan (mrindigam), Shrikanth Sriram, no baixo e flauta e Dhruba Gosh no sarangi e voz. Desde 2004 dedicou-se a projectos a solo, de que este IM faz, indiscutivelmente, parte.
Este trabalho é dedicado e foi inspirado pelos trágicos acontecimentos no Rwanda, particulamente pela experiência vivida por Zawadi Mongane, uma jovem congolesa que Bugge ouviu num entrevista da BBC. Profundamente interessado e envolvido pelo drama social africano, Bugge compôs uma obra na qual procurou exprimir a sua tristeza e revolta pela indiferença internacional perante os massacres do Rwanda. E fê-lo de modo intimista mas profundamente negro. De um minimalismo por vezes sufocante, este projecto vive essencialmente do piano de Wesseltoft, mas conta também com a presença esporádica de Mari Boine, a carismática porta-voz do povo Sami, na voz e na percussão. Na primeira adiciona rumores, litanias e ladainhas tribais aos melancólicos sons do piano. Na segunda constrói texturas, pulsações e cadências que intensificam o dramatismo pretendido e alcançado pelo pianista, o qual colabora nessa função transformando por vezes o Steinway num instrumento de percussão. Aliás o experimentalismo não se fica por aí sendo o piano várias vezes “trabalhado” de modo a emudecer ou, pelo contrário, ecoar os seus sons, ao sabor da inspiração do pianista.
Trata-se contudo de uma obra quase totalmente acústica. Os efeitos electrónicos tão do agrado de Wesseltoft ficaram desta feita guardados, à excepção do tema Joi, onde aos motivos tribais de Boine Wasseltoft contrapõe uma pusalção funky, característica do R&B.
Não é uma obra fácil, longe disso, mas ocasionalmente consegue ser apelativa pela profundidade dos temas, exponencialmente alargada pelas pulsações dramáticas e contagiantes da percussão. A música aqui aparece nua, puramente ambiental, expressiva, dramática mas melódica, ainda que modal. A melodia anda sempre por lá, furtiva, esporádica, por vezes meramente esboçada mas quase sempre presente.
Além do mais é um trabalho de grande simbolismo bem patente no tema Wy, onde sob o ruído de fundo oriundo das televisões e rádios, surge uma melodia nua e silenciosa, simbolizando o drama silenciado pelo demasiado ruído que pulula pela sociedade da informação em que vivemos. Ao calar do ruído sucedem as palavras de angústia de Zawadi Mongane, sob a cadência pulsante e intensamente dramática do piano de Wesseltoft.
É um trabalho bem intencionado e com momentos de enorme profundidade. Porém demasiado minimalista, musicalmente falando... Nem facilita a tarefa do ouvinte nem aumenta a voz das muitas Zawadi Mongane que proliferam pelo mundo…
Mas ao menos lembra-as.
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