segunda-feira, 2 de junho de 2008

Alice no País das Maravilhas


Alice Ricciardi
Comes Love
Blue Note 2008
16/20

Nascida em Milão em 1975, estudou no conservatório Giuseppe Verdi violino e piano antes de iniciar aulas de canto com Francesca Oliveri, Laura Conti, Roberta Gambarini, Tiziana Ghiglioni e Rachel Gould. Assim nasceu uma bela voz… límpida, expressiva e carregada de swing. Claríssima mas forte e segura. Trabalhada mas autêntica. Este é o seu primeiro disco e é sintomático que um trabalho de estreia seja editado pela emblemática Blue Note…
Composto unicamente por standards, não é por isso que perde brilho. Desde logo por evidenciar uma criteriosa escolha de temas, numa homenagem sentida e muito conseguida dos anos dourados do musical norte-americano. São muitos os clássicos dos anos 30 incluídos neste trabalho como Comes Love (de 1939, cantado inicialmente por Judy Garland para o musical Yokel Boy), I Was Doing Allright (composto em 1937 pelos irmãos Gershwin para o filme Goldwyn Follies), Who Cares (também escrito pelos Gershwin em 1931 para o musical Of Thee I Sing), If I Should Lose You (de Ralph Granger estreado no filme Rose of The Rancho e imortalizado por Frank Sinatra, Billie Holiday e mais recentemente por Nina Simone); Ghost of Yesterday (tema emblemático de Billie Holiday), Here Lies Love (um clássico de 1932 cantado no cinema por Bing Crosby), By Myself (escrito em 1937 por Arthur Schwartz e Howard Dietz para o musical Between the Devil). Mas também os anos 40 estão bem representados com Give Me The Simple Life (de Harry Ruby e Rube Bloom estreado no fime Wake Up And Dream de 1945), The Boy Next Door (estreado por Judy Garland em 1944 no filme Meet Me In St. Louis) e I Remember April (de 1942 e da autoria de Gene de Paul, também mais tarde gravado por Judy Garland). Os temas mais recentes são Summer Song, composto por Dave Brubeck em 1961, I’m Gonna Laugh You Right Out Of My Life de Cy Coleman também composto nos anos 60 e o clássico italiano Le Tue Mani de Pino Spotti gravado em 1956 por Jula de Palma.
Uma selecção que percorre transversalmente a história do jazz entre 1931 e 1961.
A acompanhá-la nesta viagem pelo musical norte-americano (com uma breve paragem no Festival de San Remo de 1956) estão músicos de excelente qualidade: Roberto Tarenzi no piano que assegura a regência e os arranjos e bem assim a fidelidade dos mesmos ao objectivo proposto, conseguindo conciliar um poderoso swing com a elegância e mesmo um toque de blues que os temas e a voz de Alice exigiam; Marco Bovi na guitarra, que rubrica solos de grande qualidade nomeadamente nos temas I Was Doing Allright, Who Cares? (um belíssimo solo manouche em jeito de homenagem ao contemporâneo Django Reinhardt), The Boy Next Door e Le Tue Mani; Paolo Benedettini no contrabaixo, responsável juntamente com o baterista Will Terrill, pelo extraordinário swing que percorre todo o disco e com trabalho de destaque nos temas Give Me The Simple Life, I’m Gonna Laugh You Right Out Of My Life e sobretudo em By Myself; Fabrizio Bosso no trompete com solos assinaláveis em I’m Gonna Laugh You Right Out Of My Life (a puxar para o blues) e By Myself (mais swingado); Gaetano Partipilo no sax e sobretudo na flauta, que consegue introduzir um som característico dos sixties, cheio de swing, sobretudo dos temas I Was Doing Allright, The Boy Next Door (no sax), e I’ll Remember April; e sobretudo por Pasquale Bardaro no vibrafone, em cujo trabalho reside uma das principais razões do sucesso deste projecto, com solos memoráveis em Who Cares?, I’ll Remember April, Ghost of Yesterday e Le tue mani.
Comes Love não é apenas mais um disco de standards mas antes uma verdadeira homenagem aos anos dourados do musical americano. Os temas são revisitados no mais profundo respeito pelos originais e pelo espírito musical da época. Aqui não há experimentalismos gratuitos ou originalidades forçadas, apenas swing a colorir belíssimas melodias. Alice Ricciardi assume-se assim, despretensiosamente, como uma reencarnação de Ella Fitzgerald, Billie Holiday ou Judy Garland (embora a comparação vocal fosse mais pertinente com Sarah Vaughn ou Carmen McRae). E com um rigor e à-vontade como há pouco quem faça actualmente, apesar dos discos de standards se acumularem nas prateleiras das lojas.
E não esqueçamos que estamos perante um primeiro disco… Fico com enorme expectativa à espera dos próximos!

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