sexta-feira, 13 de junho de 2008

A Contemporaneidade dos Clássicos


James Carter
Present Tense
Emarcy/Universal 2008
16/20

James Carter nasceu em Detroit em 1969 e começou a tocar saxofone com 11 anos de idade. Cresceu numa família de músicos, a mãe tocava piano e violino, o seu irmão Kevin era guitarrista e outro irmão Robert, vocalista na banda de soul Nature’s Divine. É primo da violinista Regina Carter, com quem aliás gravou em 2000 o disco “Chasin’ the Gypsy”, de homenagem a Django Reinhardt.
Ainda adolescente frequentou as escolas Blue Lake Fine Arts e Interlachen Classical Music. Como membro do Blue Lake Jazz Ensemble (um combo de alunos da escola) fez uma tournée pela Escandinávia em 1985 e depois por toda a Europa com a Blue Lake Monster, uma banda da faculdade. Foi o suficiente para despertar o interesse de Wynton Marsalis que o convidou, em 1986, para substituir o seu irmão Branford no grupo que liderava. Em 1988 conheceu Lester Bowie e mudou-se para Nova Iorque, integrando o Lester Bowie's Organ Ensemble. Mas foi só em 1993 que gravou o seu primeiro disco como líder, “J.C. On the Set” pela Columbia. Em 1996 estreou-se como actor de cinema (interpretando precisamente um saxofonista de jazz nos anos 40, personagem inspirada em Ben Webster) no filme Kansas City de Robert Altman.
Este Present Tense interrompe um período de três anos sem gravar e é o seu disco de estreia pela Emarcy/Universal. Conta com Dwight Adams no trompete e fliscórnio, D.D. Jackson no piano, James Genus no contrabaixo, Victor Lewis na bateria e ainda com as participações de Rodney Jones na guitarra e de Eli Fountain na percussão, em três temas cada um.
Duas notas ressaltam de imediato da audição atenta deste trabalho: a enorme versatilidade de Carter que, praticamente, salta de instrumento em instrumento ao longo do disco com uma técnica invejável. Saxofone soprano, tenor e barítono, flauta e clarinete baixo sucedem-se ao longo do disco com enorme coerência e superior interpretação por James Carter, ao sabor daquilo que os temas lhe pedem e inspiram. Mas mais impressionante ainda do que a sua versatilidade instrumental é a capacidade revelada para mergulhar na história do jazz e construir, nas suas raízes mais profundas, a sua música. Além de três originais, curiosamente um samba e um bossanova de ar retro e profundamente imbuídos na cultura musical norte-americana (Sussa Nita, um samba-jazz com algumas influências cubanas, e Bossa J.C., uma bossanova ao estilo Jobim mas com um solo de sax bastante improvisado, brilhando também em ambas a guitarra de Rodney Jones e a percussão de Eli Fountain) e ainda um blues, Bro. Dolphy, de homenagem ao saxofonista e clarinetista Eric Dolphy, tocado no clarinete baixo, encontramos uma séria de pérolas perdidas da história do jazz, às quais Carter introduz sangue novo com um toque de contemporaneidade, mas sempre em profundo respeito pela sua identidade e legado. São elas "Rapid Shave", um tema hard bop do trompetista Dave Burns, o clássico "Pour Que Ma Vie Demeure", balada escrita (e curiosamente nunca gravada) por Django Reinhardt, o tema "Song of Delilah", escrita por Victor Young para o filme de 1949, Sansão e Dalila, que Carter deconstrói num free-bop, com alguns traços de hip-hop na percussão, o delicioso Dodo’s Bounce do pianista dos anos 40, Dodo Marmarosa, carregado de swing e que Carter interpreta superiormente na flauta (também com um belíssimo solo de guitarra de Rodney Jones), Shadowy Sands, outra balada latina interpretada no clarinete baixo, composta nos anos 40 pelo pianista Jimmy Jones, e Hymn of the Orient, tema de puro e divertido (ainda que pouco oriental) bop, da autoria do saxofonista Gigi Gryce (que tocou nos anos 40 com Clifford Brown). A fechar o disco um standard em estilo clássico e elegante, "Tenderly" de Walter Gross, composto em 1946 quando este integrava a orquestra de Paul Whiteman.
O universo musical de Carter revelado neste disco é assim fortemente influenciado pela estética bopista dos anos 40. Não obstante, o saxofonista (e flautista, e clarinetista…) constrói algo de novo nesses seguros alicerces, com um olho no futuro e outro no passado… Apesar de revelar uma técnica superior e uma inquestionável capacidade de inovar, Carter parece ser um tradicionalista no coração (a que a presença de Wynton Marsalis na sua formação poderá não ser totalmente alheia).
Desta dualidade resulta um notável trabalho de recuperação dos clássicos esquecidos do jazz, mas sempre com os ecos da contemporaneidade a seduzirem o ouvinte.
Coisa rara nos tempos que correm: um músico tão versátil na história do jazz como na escolha e técnica instrumental.

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