sábado, 3 de outubro de 2009

Uma Lição de Bom Gosto


Carlos Bica “Azul”
30 de Setembro, 23.00h
Hot Club de Portugal (Lisboa)

Carlos Bica é um dos mais respeitados músicos de jazz portugueses, dentro e fora do país.
Para tal muito contribuiu o trabalho deste trio Azul, liderado pelo contrabaixista e completado pela guitarra do alemão Frank Möbus e pela bateria do norte-americano Jim Black.
Uma colaboração iniciada em 1997 com a gravação do álbum Azul (em que participou igualmente o trombonista Ray Anderson), para muitos o melhor disco nacional de jazz até à data, e que se estendeu por mais três gravações: Twist em 1998, que contou também com a voz de Ana Brandão, Look What They've Done To My Song em 2002 e Believer em 2006.
Ao longo destes trabalhos o trio ganhou calo e transformou-se. Ganhou vida própria, adquiriu uma identidade, conquistou um público e um lugar de destaque no panorama do jazz europeu.
Com a sua formação repartida entre Portugal e a Alemanha, Carlos Bica conseguiu beber em várias fontes musicais. Se a tradição musical portuguesa nunca parece arredada das suas composições (a música popular de Zeca Afonso, José Mário Branco ou Carlos do Carmo), a sua postura criativa remete invariavelmente para o vanguardismo do jazz norte-europeu e alemão. Bica é sobretudo um inovador, na decomposição dos temas, na energia que imprime pela riqueza rítmica dos seus arranjos, no arrojo das harmonias, na ousadia da inserção de elementos kitsch nas suas composições.
A sua música nunca é banal. Antes se assume como uma elegia da criatividade e do experimentalismo.
E apesar do seu enorme talento se evidenciar nas mais diversas formações, parece claro que o trio Azul se assume como o mais perfeito veículo para a música do contrabaixista. O grau de conhecimento atingido pelos músicos que o integram e a sintonia existente entre as visões musicais de Bica, Möbus e Black, fazem deste trio uma experiência única de criatividade e virtuosismo. Uma unidade orgânica claramente superior à mera soma das partes.
O prestígio da obra deste trio ficou bem patente na enorme enchente que assolou o Hot nesta 4ª feira. O histórico espaço da Praça da Alegria foi demasiado pequeno para as várias centenas de músicos, estudantes e melómanos que não quiseram perder a ocasião rara de ouvir estes três músicos extraordinários.
Pena foi que o repertório se cingisse a temas já sobejamente conhecidos, embora alguns deles fossem repescados do projecto Matéria-prima, estreando assim novos arranjos para o trio.
Na verdade, datando o último disco do trio Azul de 2006, muitos esperariam que este concerto servisse para apresentar material novo, a integrar num futuro disco a editar. Assim não sucedeu.
Porém ninguém terá ficado arrependido de se ter deslocado ao Hot nesta 4ª feira.
Assistimos a uma extraordinária exibição de um dos mais criativos e talentosos grupos do jazz nacional. Uma verdadeira lição de jazz e de bom gosto musical.

Trio Azul - Alguém Olhará Por Ti

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