sábado, 28 de março de 2009

Terras de Ouro



André Ceccarelli
Golden Land
Cam Jazz, 2007

André Ceccarelli nasceu em Nice há 53 anos, dos quais mais de quarenta passou atrás da bateria. Aos 13 anos de idade rumou a Paris e começou a tocar. Ainda durante os anos 60 fez parte da Orquestra de Aimé Barelli, no Mónaco, por onde passaram igualmente Maurice Vander e Martial Solal. Depois de um breve interregno por Itália regressa a Paris, no início dos anos 70, onde toca com alguns nomes referenciais do jazz: Eddy Louiss, Maurice Vander, Dexter Gordon, Stan Getz, René Thomas, Lou Bennett, Toots Thielemans, Slide Hampton e Phil Woods, entre outros. Inicia também, nesta fase, uma impressionante carreira como músico de estúdio. Até meados dos anos 80 grava mais de 1000 discos(!), com os mais variados artistas de vários quadrantes musicais: do jazz ao pop. Depois de uma passagem pela ONJ, dirigida por Antoine Hervé, inicia em 1987 uma importante colaboração com a cantora norte-americana Dee Dee Bridgewater, que mantém até ao presente.
Como líder Ceccarelli gravou três discos nos anos 70, regressando apenas ao estúdio nos anos 90 com cinco álbuns gravados em outros tantos anos: “Dansez sur moi” (Phonogram, 1990), “Hat Snatcher” (Polygram, 1992) e “3 around 4” (Polygram, 1994) com Thierry Eliez e Jean-Marc Jafet (“Hat Snatcher” valeu-lhe o Django d’Or em 1993), “Init” (Polygram, 1993) com François Moutin, Nguyen Lê e Bob Berg e “From The Heart” (Polygram, 1995) com Sylvain Beuf, Jean-Michel Pilc e Thomas Bramerie. Em 1997 gravou “West Side Story” para a BMG, com Sylvain Beuf (saxofone), Rémi Vignolo (contrabaixo) e Antonio Faraó (piano). Em 1998 recebe o Grande Prémio de Jazz Sacem. Em 1999 foi a vez do disco “61.32’”, também para a BMG, em que volta a colaborar com Sylvain Beuf, Rémi Vignolo e Antonio Faraó e ainda com o guitarrista Sylvain Luc, o pianista Thierry Elliez, o trompetista Stéphane Belmondo e ainda o percussionista argentino Minino Garay. Depois de vários anos de tournée com o Trio Sud e Stéfano di Battista volta apenas a gravar como líder em 2004,mas foi um regresso em grande: o álbum denominou-se “Carte Blanche” e foi um disco duplo com Baptiste Trotignon, Thomas Bramerie, Biréli Lagrène, David El Malek, Sylvain Luc, Rémi Vignolo, Enrico Pieranunzi, Richard Galiano, John McLaughin, Stefano Di Battista, Eric Legnini, Flavio Boltro, Laurent De Wilde, Bernard Arcadio, Valérie Barouille, Didier Lockwood, Benoît Sourisse e ainda o resto da família Ceccarelli (Jean, Jean-Paul, Régis), desta feita para a Dreyfus Jazz. Foi agraciado em 2005 com o título de Cavaleiro das Artes e Letras, pelo Governo Francês. Os seus trabalhos mais recentes são "Avenue des Diables Blues", editado pela Dreyfus em 2006, com Bireli Lagrène et Joey De Francesco e este "Golden Land" editado pela Cam Jazz em 2007 e que conta com Elisabeth Kontomanou na voz, Enrico Pieranunzi no piano, Hein Van De Geyn no contrabaixo e David El Malek no saxofone.
Golden Land é claramente uma obra colectiva, na medida em que o génio musical dos seus principais intervenientes se sente de modo manifesto.
Há três temas improvisados, um em solo de bateria (1er Novembre), outro em trio com Pieranunzi, Ceccarelli e Van de Geyn (Free Three) e outro em quarteto (a que se junta o saxofone de David el-Malek – Maybe Sunday Night, a fechar o disco). Há também dois temas compostos pela dupla André Ceccarelli e pelo pianista Baptiste Trotignon: um belíssimo free jazz em que el-Malek assina um dos seus melhores registos no disco (This Side Up) e um magnífico blues (Just One Thought and a Half) onde é a vez de Pieranunzi brilhar, mostrando-se tão versado na linguagem musical de Ennio Morricone como de Thelonious Monk! Aliás Pieranunzi consegue tocar bop sem nunca prescindir do seu tradicional lirismo romântico (oiça-se Five Plus Five ou o já citado This Side Up). Mas com uma técnica fabulosa!
Já David el-Malek sente-se muito mais à vontade em ambiente free jazz do que nas baladas onde se pedia um blues mas, ao inverso, sai um som de fusão a puxar para o smooth jazz… O pior exemplo é Though Dreamers Die, uma bela balada da autoria de Hein Van De Geyn e que, na minha opinião, recebe um tratamento melancólico a roçar a facilidade. Melhor aparece Malek em Golden Land (versão com voz) em que é a sua presença no solo e bem assim a de Pieranunzi que salvam esta balada da autoria da cantora Elisabeth Kontomanou e da dupla Ceccarelli-Trotignon, de cair igualmente no smooth jazz mais enjoativo. Ainda assim sobram uns laivos impressionistas que preferiria substituídos por uns riffs de blues!
Do mesmo mal padece o único standard do álbum: o clássico de 1931, da autoria de Matty Malneck, Gus Kahn & Joseph "Fud" Livingston e imortalizado pelas vozes de Ella Fitzgerald e Marilyn Monroe (em 1959, no filme Some Like It Hot, lembram-se …), I’m through with love. Uma versão fria e menos conseguida, com uma Elisabeth Kontomanou longe do furor sensual que demonstrou, por exemplo, na sua apresentação na Culturgest de Junho de 2007 e que tive oportunidade de elogiar nas presentes páginas. O tema é revisitado numa versão instrumental em trio, mais homogénea, mas fortemente marcada pelo romantismo do piano de Pieranunzi.
Falta apenas falar precisamente do pianista italiano que contribui com dois originais para o álbum, a valsa Love Whispers que abre o disco e que Ceccarelli tem ocasião de colorir com grande criatividade rítmica, e ainda o bop Five Plus Five onde uma vez mais Ceccarelli brilha na bateria, desta feita acompanhado pelo sax de el-Malek, aqui claramente nas suas sete quintas…
Um disco com altos e baixos mas com um saldo amplamente positivo: só pelos dois originais de Pieranunzi e da dupla Ceccarelli-Trotignon, valeria a pena a sua audição. Afinal de contas estamos perante a fina flor do jazz franco-italiano!

Fiquem com o tema Love Whispers acompanhado de belas imagens da autoria de Jean-Daniel Beley. Podem admirar o seu trabalho em http://www.pbase.com/djailledie/root

André Ceccarelli - Love Whispers

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