segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Evocação a Silves
Ficções
5 de Setembro de 2009, 22.00h
Castelo de Silves
Ficções é um projecto liderado por Rui Luís Pereira (Dudas), que mistura as influências rítmicas e melódicas das raízes étnicas portuguesas (ibérica, árabe, brasileira, africana) com o jazz. Assim poucas formações teriam casado melhor a sua música com o magnífico cenário das muralhas ocre do Castelo de Silves.
Nem faltou um tema inspirado na poesia de Muhammad ibn 'Abbad al-Mu'tamid, o rei poeta de Sevilha, nascido em Beja em 1040 e governador da cidade de Silves, após esmagar com o seu exército uma revolta aí despontada. Aqui escreveria o seu poema “Evocação a Silves”, ao lado do seu amigo e também poeta Ibn Ammar.
Dudas nasceu em Macau e cresceu em Moçambique. Em 1975 veio para Lisboa e frequentou o Conservatório Nacional de Música e a Academia de Amadores de Música. Frequentou também os cursos de Jazz no Hot Clube de Portugal, no início dos anos 80, ao mesmo tempo que participou em vários Workshops, com Louis Sclavis (grupo Workshop de Lyon), John Abercrombie, Kenny Burell e Billy Harper, entre outros.
Nos anos 80 inicia a sua carreira profissional, ao lado de nomes importantes da música portuguesa como Rão Kyao, Pedro Caldeira Cabral (La Batalla), Sérgio Godinho e Fausto. Funda o grupo Ficções em 1988, onde é o principal compositor e director musical. Em 1992 lança o seu primeiro disco Aqua, seguindo-se Zambra (1995) e em 2001 Ocidental Praia. Mais recentemente integra o Didier Labbé Octet (guitarras, alaúde e composição), projecto que reúne músicos franceses, espanhóis e portugueses, com o seu primeiro disco, Passejada, editado em 2005. Ao longo dos anos tem também exercido a actividade de director musical do grupo de Teatro Maizum, para quem compôs música original para mais de uma dezena de peças.
Nesta apresentação de Silves Dudas fez-se acompanhar por João Paulo no piano, José Salgueiro na bateria, Yuri Daniel no baixo eléctrico e Guto Lucena no saxofone e flautas, um quinteto que integra alguns dos melhores músicos de jazz que tocam em Portugal.
Curiosamente a secção rítmica sobrepôs-se integralmente com a do projecto El Fad, de José Peixoto, com quem tem grandes afinidades, recentemente apresentado na Festa do Jazz do São Luiz: Yuri Daniel (que com Peixoto recorreu antes ao contrabaixo) e José Salgueiro. Trata-se de dois dos mais inspirados e talentosos músicos da cena jazzística nacional nos respectivos instrumentos que, no caso de Yuri Daniel, lhe valeu mesmo a internacionalização, integrando o grupo do histórico saxofonista norueguês Jan Garbarek, designadamente no seu mais recente trabalho discográfico para a prestigiada editora alemã ECM, e que constitui o primeiro registo ao vivo de Garbarek, após 40 anos de carreira!
Confesso que prefiro o contrabaixo ao baixo eléctrico, sobretudo num contexto em tudo o mais acústico, como era este quinteto Ficções. Resultou em pleno na apresentação de El Fad no São Luiz e resultaria seguramente melhor nesta apresentação de Silves.
Quanto ao resto nada a apontar. O som esteve à altura (apesar das dificuldades inerentes à constante troca de guitarras de Dudas) e os músicos iguais a si próprios, com destaque para o saxofone soprano e a flauta de Guto Lucena, que se afirma cada vez mais como um dos melhores saxofonistas a actuar em Portugal presentemente e também para o enorme talento como percussionista de José Salgueiro.
Dudas é um intérprete e um compositor notável, num género riquíssimo, que faz sucesso internacionalmente (veja-se Rabih Abou Khalil ou Avishai Cohen, entre outros) mas que, entre nós, teima em não conquistar o público.
É pena, pois estamos perante um dos projectos originais mais interessantes da música portuguesa, amplamente recomendado.
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