terça-feira, 12 de maio de 2009
Novos Discos na Trem Azul
John Tchicai
Coltrane in Spring
John Tchicai saxofone tenor e voz
Jonas Muller Corneta e piano
Nikolaj Nunch-Hansen contrabaixo
Kresten Osgood bateria
No Inverno da sua longa vida, John Tchicai presta homenagem a John Coltrane, identificando a música deste com as renovações da Primavera, seja pelo título do disco como pela leitura que faz do poema de John Stewart de onde o mesmo foi retirado. A metáfora parece ter caído bem no saxofonista dinamarquês de ascendência africana e ligações filiais aos EUA, pois esteve envolvido na gravação de “Ascension” e experimentou pessoalmente essa abertura de cores e possibilidades. E ainda que o “Ascension” de Tchicai tenha sido “Afrodisiaca”, com a Cadentia Nova Danica, este é um álbum meritório. O curioso é pouco haver de especificamente coltraneano nele, alinhando regra geral a música tocada com Jonas Muller, Nikolaj Munch-Hansen e Kresten Osgood, nomes da nova geração do jazz dinamarquês, com o modelo fornecido pelo quarteto de Ornette Coleman nos anos de ouro deste. Embora o mentor desta sessão não repita o brilhantismo de outros tempos, ouvimo-lo aqui a tocar muito bem num formato free bop. Pouco se sabendo da cena jazz dinamarquesa, que infelizmente não tem tido a mesma projecção internacional das da Suécia e da Noruega, é com agrado que ficamos a conhecer estes músicos: Muller tem a sonoridade quente de Don Cherry na corneta e um som mais encorpado, desenvolvendo interessantes estratégias dialogantes com o tenor do líder, em muitos casos contrapontisticamente; Munch-Hansen sabe impor-se com o contrabaixo, revelando uma boa noção do espaço e do modo como deve deslocar-se nele; Osgood tem “swing”, mas nunca se deixa subjugar pelas imposições da métrica. Ficamos convencidos.
Steven Bernstein
Tattos and Mushrooms
Steven Bernstein trompete
Marcus Rojas tuba
Kresten Osgood bateria
Steven Bernstein continua apostado em revisitar de forma intrigante a história do trompete no jazz desde os tempos das “brass bands” de New Orleans, com passagem pelo swing e incorporações não só dos blues como da folk e do klezmer. Desta feita com um trio invulgar com tuba e bateria, cabendo a Marcus Rojas o papel de “atractor estranho” (vidé a Teoria do Caos) no conjunto. O tubista faz as vezes do contrabaixo, surge como o segundo sopro, vinca as conotações patrimoniais da música de “Tattoos and Mushrooms” e ainda acrescenta alguns contributos inesperados, como a introdução a solo do disco com um “drone” que lembra o didjeridu da Austrália aborígene. A esse nível, a grande surpresa desta edição é de sua inteira responsabilidade. Kresten Osgood desenvolve um notável trabalho de descontinuidade temporal, confirmando a fama que tem como um dos melhores bateristas saídos da cena escandinava. O líder da sessão, esse, parece ter retomado o fulgor do seu projecto Sex Mob. Se bem que insistindo na abordagem algo ilustrativa das suas mais recentes aparições em CD, encontramo-lo aqui particularmente fluente, e até assertivo, nos fraseados. As elaborações são inteligentes e muito objectivas, mas têm uma componente que não costuma estar associada ao jazz que hoje se pratica: são divertidas e delas transparece, até, uma desconcertante ironia. A estratégia de reciclagem musical perseguida inclui, como não podia deixar de ser, algumas “covers”, como “Thelonious”, de Thelonious Monk, e “Eastcoasting”, de Charles Mingus. Neste âmbito, a recriação de “So Lonesome I Could Cry”, de Hank Williams, faz-nos não chorar, mas sorrir.
Transit
Quadrologues
Nate Wooley trompete
Seth Misterka saxofone alto
Reuben Radding contrabaixo
Jeff Arnal percussão
No que respeita a automóveis e pessoas em trânsito nas cidades modernas, sabemos como, regra geral, não há nenhum “ir” que não tenha o correspondente regresso. “Quadrologues” é a segunda edição pela Clean Feed do quarteto Transit, projecto com o qual começamos a ganhar alguma familiaridade. Não significa tal que Jeff Arnal (percussão), Seth Misterka (saxofone alto), Reuben Radding (contrabaixo) e Nate Wooley (trompete) façam mais do mesmo neste novo CD – não, eles podem estar de volta, mas a trajectória que escolheram para se reencontrarem connosco não é a que está cartografada em GPS. A configuração do seu trabalho colectivo é a ideal, até, para não se repetirem: estamos diante de uma colecção inteligente e sensível de operações entre a tradição do jazz e uma abordagem nada óbvia da música. Arnal lida com o tempo e a métrica sem preocupações matemáticas exactas, sempre desafiando o nosso sentido do tempo. Misterka é especialmente criativo na sabotagem dos procedimentos “mainstream” do jazz, seja utilizando quartos-de-tom ou elementos serialistas, e isto sempre DENTRO da herança bop. Radding mostra-nos que o balanço e o “drive” são questões muito mais intrincadas do que a fórmula a que costumamos chamar “swing”. Mais uma vez, Woolley armadilha-nos as expectativas quanto à sua musicalidade: se se trata de um dos mais radicais experimentadores do trompete, é também um virtuoso quando lida com materiais mais “straightahead”. Em suma: a música que aqui vem é fantástica, daquele tipo que pára a circulação nas ruas.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário