terça-feira, 19 de maio de 2009

Black Magic Woman



Lila Downs
17 de Maio, 22.00h
Auditório dos Oceanos (Lisboa)
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Se me permitem o facilitismo do raciocínio, eu diria que mais difícil do que chegar ao topo da popularidade musical é manter-se lá. A história recente está pejada de sucessos meteóricos que desapareceram com a mesma rapidez com que surgiram.
Na verdade perante um enorme sucesso, sobretudo se inesperado, uma de duas soluções se impõe: apostar na fórmula vencedora até à exaustão, ou ir mudando subtilmente, evitando ou melhor, minorando a inevitável erosão.
Se a primeira solução parece mais fácil e apetecível, por isso mesmo executada pela maioria das pop stars, é também a que mais rapidamente eclipsa estas estrelas de aviário. O desgaste é tanto que por vezes mata a galinha dos ovos de ouro logo ao segundo disco!
Já a segunda hipótese, mais inteligente e ponderada, está contudo apenas ao alcance de músicos de inegável qualidade (ou por vezes de produtores de qualidade), capazes de se reinventarem em cada disco, ao sabor das tendências dominantes dos tops mundiais. Em casos extremos pode mesmo garantir décadas de sucesso (vejam a Madonna ou o Prince, só para citar dois dos mais carismáticos exemplos).
Há também quem aposte na coerência e na qualidade acima de quaisquer tendências. Não evita os altos e baixos na carreira, mas deixa a consciência tranquila.
Há por fim aqueles, como Lila Downs, que conseguem ser coerentes e ainda assim reinventarem-se continuamente.



Lila Downs
Ojo de Culebra/Shake Away
Manhattan, 2008

Shake Away/Ojo de Culebra (dicotomia onomástica reveladora do quão segregacional pode ser de facto o melting pot norte americano) é o exemplo perfeito dessa qualidade. Quantos já ouviram Black Magic Woman tocado por uma banda de mariachis? E já pensaram como soaria a Non Smoking Orchestra de Emir Kusturica se o cineasta bósnio (de nacionalidade sérvia) decidisse filmar a revolução mexicana?
A resposta a estas e a muitas outras perguntas igualmente interessantes pode ser encontrada no último trabalho discográfico de Lila Downs, a cantora mexicana, filha de um professor de arte e cinematógrafo britânico e de uma cantora índia mixteca, nascida em Oaxaca no México, criada na Califórnia e licenciada em canto e antropologia pela Universidade do Minnesota, nos Estados Unidos.
Cantora e antropóloga diplomada, esta mexicana de enorme garra não hesita em puxar por ambos os galões nos seus trabalhos, cantando soberbamente (a sua amplitude vocal é desconcertante) e rebuscando nos cantos da memória colectiva os ícones de um passado latino-americano feito de repressão, de migrações e de lutas pelos direitos das minorias.
Lila Downs é a cantora dos índios, dos imigrantes mexicanos que, aos milhões, atravessam ilegalmente as fronteiras norte-americanas em busca do seu pedacito do american dream, dos excluídos que trabalham pelo minimum wage, das verdades inconvenientes da sociedade norte-americana, ambientais e sociológicas. Mas é também a memória bem viva de uma Mercedes Sosa, de uma Chavela Vargas, de uma Lola Beltrán e tantas outras vozes que marcaram a enorme riqueza da cultura musical latino-americana em geral e da mexicana em particular.
Mas até aqui nada de novo. Esta é a Lila Downs que conhecemos desde o primeiro disco e que tão bem identificamos com o espírito de uma Frida Kahlo e de um Diego Rivera que ela musicou no filme Frida de Julie Taymor.
O que Ojo de Culebra trás de novo é uma magnífica produção de Paul Cohen que mistura guitarras eléctricas com charangos, música klezmer com zampoñas e blues com kenachos.
A esta enorme riqueza rítmica e melódica somam-se os poemas intervencionistas (assinados pela própria Lila Downs) e uma magistral presença em palco da cantora mexicana.
Acompanhada pelo próprio Cohen no saxofone, por Yayo Serka na percussão, Carlos Henderson no baixo eléctrico, Rob Curto no acordeão e Dana Leong no trombone, esta mulher de armas levantou o auditório dos oceanos em Lisboa com uma voz fabulosa, uma presença inesquecível e uma entrega inexcedível. Dançou e coreografou os temas aos sabor dos seus poemas incisivos, puxou pelos músicos e pelo público com a acutilância apenas ao dispor dos grandes entertainers, chamou a atenção de todos para as temáticas que a movem sem cair em panfletarismos ou vitimizações, sempre em clima de festa e de enorme alegria de viver.
Um concerto inesquecível e um disco poderoso de uma mulher bela e com “cojones”!

Shake Away


Foi na Travessa da Palha (Fados, de Carlos Saura), com Paul Cohen


Ojo de Culebra (com La Mari, do grupo espanhol Chambao)

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