quarta-feira, 6 de maio de 2009

Novas Edições da Clean Feed



Avram Fefer Trio - Ritual

Avram Fefer - saxofones
Eric Revis - contrabaixo
Chad Taylor - bateria

Não fiquem iludidos com o poema de Jalal ad-Din Muhammad Rumi que encontram no “booklet” do novo álbum do Avram Fefer Trio: o vinho e o haxixe podem elevar-vos as mentes para muito alto, mas até porque os versos “não pensem que todos os êxtases / são o mesmo!” são bem verdadeiros, a própria música que se encontra neste “Ritual” transportá-los-á para outro estado de consciência. O saxofonista Avram Fefer possui esse “inegável sentido espiritual da música”, para citar o que já foi escrito sobre este extraordinario músico na revista online All About Jazz. Sempre posicionado na sequência da tradição do jazz, Fefer é mais um visionário do que um experimentalista no significado científico do termo. Essa circunstância apenas implica que esta proposta não seja de laboratório, mas profundamente ritualística. Não é necessário ser místico ou religioso para sentir que nos liga ao Grande Espírito de todas as coisas terrestres, um conseguimento que poucos antes (e entre eles John Coltrane e Albert Ayler) foram capazes de atingir. Com um estilo pessoal alimentado pelos blues e pelo gospel, podemos reconhecer as raízes do som que produz e ao mesmo tempo compreender o que torna a sua “voz” tão distinta. Para tal, teve a preciosa ajuda de Eric Revis e Chad Taylor, tal como ele “globetrotters” de idiomas musicais e de estéticas – se o percurso de Fefer incluiu algum trabalho nas áreas do trip-hop, do acid jazz, do jungle, do funk, da world music e do rap, Revis está envolvido tanto no jazz “mainstream” (colabora regularmente com Branford Marsalis) como na vanguarda, e Taylor é igualmente reconhecido nos domínios do jazz criativo, da improvisação electroacústica e do rock alternativo, em projectos como Chicago Underground Duo, Trio e Orchestra, Isotope 217, Mouse on Mars, Stereolab e Tortoise. Uma boa parte do cosmos num pequeno combo!



Dennis González / João Paulo - Scape Grace

Dennis González - trompete
João Paulo - piano

Este é o resultado do encontro entre dois grandes músicos que vivem em partes distantes do mundo: o trompetista/cornetista texano Dennis González e o pianista português João Paulo Esteves da Silva não se conheciam antes desta sessão (apenas um par de concertos os preparou para o que aqui se encontra) nem estavam conscientes dos seus respectivos trabalhos. Apenas o formato do jazz e a prática da improvisação permitiriam que algo como o que ouvimos em “Scapegrace” tivesse lugar: uma maravilha de musicalidade, entrosamento e alegria. O facto de as suas respectivas actividades se desenvolverem longe dos principais centros em que a música “acontece” é suficiente explicação dos motivos pelos quais não são ambos devidamente reconhecidos como os mestres que dão provas de ser, mas essa circunstância também explica os estilos muito pessoais que nos apresentam. González tocou já com lendas como Famoudou Don Moye, Charles Brackeen, Reggie Workman, Oliver Lake e Malachi Favor, o que diz muito do seu perfil. Um virtuoso do piano, Esteves da Silva é uma figura incontornável no seu país, com requisições permanentes por parte de artistas dos mais diversos campos além do jazz. Em dueto, fazem uma música delicada, bela e prenhe de espiritualidade, nuance e “drive”, com raízes na tradição pós-bop, mas fluida, livre e universal na dimensão. Algo de muito, muito especial...



Herculaneum - Herculaneum III

John Beard - guitarra
David McDonnell -saxofone alto e clarinete
Nick Broste - trombone
Patrick Newberry - trompete
Nate Lepine - flauta
Greg Danek - contrabaixo
Dylan Ryan - bateria e vibrafone

Herculaneum? Qual – a cidade italiana destruída pelo Vesúvio no ano 79 A.C. ou a população do Missouri, nos EUA, com menos de 4000 cidadãos? Ao que parece, nenhuma delas, mas uma referência directa a Hércules, o herói grego da Antiguidade conhecido pela sua força. Podia ser também a descrição do tipo de música tocado por Nick Broste, John Beard, Greg Danek, Nate Lepine, David McDonnel, Patrick Newberry e Dylan Ryan, mas não é. É certo que a densidade das assemblagens de som deste septeto pode chegar a dimensões orquestrais, mas o grupo interessa-se mais por desconstruir as suas possibilidades tímbricas em duos e trios e mesmo quando todos estão activos o foco é na criação de espaços e não de camadas de materiais. A esse nível, não trazem nada de absolutamente novo: Duke Ellington e Charles Mingus tinham os mesmos objectivos quando lidavam com “big bands”. A diferença está em outros aspectos: os Herculaneum misturam o idioma jazz com a música clássica contemporânea e com as apelativas melodias das bandas de metais ciganas da Roménia. Mas há mais: o projecto nasceu quando o baterista, vibrafonista e compositor Dylan Ryan decidiu fazer algo no contexto da fusão jazz-rock que resultasse da sua admiração pela música de Captain Beefheart. As coisas desenvolveram-se rapidamente a partir dessa primeira intenção (por vezes parece-nos ouvir Messiaen arranjado por Gil Evans!), mas essa identidade permaneceu. É por isso mesmo, aliás, que os Herculaneum associam músicos vindos das cenas do avant-jazz e do avant-rock de Chicago. Assim sendo, ficam desde já avisados: nunca ouviram nada como isto!!



Henry Grimes - Solo

Henry Grimes - contrabaixo

Não há memória de alguma vez um contrabaixista ter editado um duplo álbum a solo. Se Barre Phillips foi o primeiro a gravar um disco deste tipo (“Journal Violone”, em 1968), Henry Grimes atreve-se agora a incluir duas horas e meia de música num único “digipack”, se bem que, além do contrabaixo, também utilize o violino. Mas não é só: trata-se de uma única improvisação, sem indexações, ouvindo-se mesmo o ruído de quando troca de instrumento. “Solo” é claramente um indício do período de graça que Grimes está a viver desde que regressou à música. Depois de ter brilhado no free jazz dos Sixties com gigantes como Albert Ayler e Cecil Taylor, esteve ausente durante mais de três décadas (sem nunca tocar, como o próprio testemunha) e foi, inclusive, dado como morto, simbolizando a sua redescoberta um retomar das premissas da “new thing” de então. O que esta história tem de magnífico é o facto de, com 70 anos de idade, o músico estar em grande forma, apesar de as adversidades da vida lhe terem deixado marcas, entre as quais uma bipolaridade que o torna socialmente frágil. Anda muito perto do sublime o trabalho de Grimes com arco no cordofone mais grave, chegando a produzir harmónicos e microtons, e repare-se que com esse recurso pouco habitual no jazz nunca evidenciando qualquer referência directa na música clássica. Faz-se lembrar a si mesmo no passado, não desdenha a incorporação de processos de alguns contemporâneos seus na revolução free, como Charlie Haden, e pelo meio realiza coisas que nunca antes o ouvimos fazer. Enquanto violinista, uma novidade nestes últimos anos, surge entre a transgressividade de um Leroy Jenkins e o “belo horrível” de Ornette Coleman, também levando o instrumento para lá dos seus limites monofónicos. Como se já não bastassem os marcos históricos que nos deixou, aqui está outro, e fundamental.

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