sexta-feira, 15 de maio de 2009

Miles Ahead



Miles Ahead
4ª feira, 13 de Maio de 2009
Hot Club de Portugal (Lisboa)
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João Moreira, trompete
Daniel Bernardes, piano
César Cardoso, saxofone
António Quintino, contrabaixo
Diogo Moreira, bateria

Miles Davis foi um dos mais influentes músicos do século XX. Esteve na vanguarda de quase todos os desenvolvimentos do jazz desde a 2ª Guerra Mundial até à década de 90: começou no bebop, criou o cool jazz, desenvolveu o jazz modal e foi pioneiro na fusão.
Se me é permitida a comparação eu diria que Miles Davis está para a música como Pablo Picasso esteve para a pintura do século XX: revolucionário, genial, vanguardista.
Reveste-se pois do maior interesse este justo tributo prestado por um quinteto de jovens músicos, liderados pelo trompete de João Moreira.
Mas o risco é enorme.
Não tanto por se estar mexer no repertório de um dos maiores génios musicais do século XX. Quem tem seguido estas páginas sabe bem o que penso sobre a cristalização reverencial dos clássicos e a idolatria musical. Nada melhor do que pegar nos clássicos para lhe trocar as voltas: é a melhor escola para os jovens e simultaneamente a melhor maneira de manter tais legados vivos e permanentemente actualizados e apelativos para as gerações mais novas.
Até aqui só tenho razões para aplaudir a iniciativa.
O problema é que não houve um Miles Davis. Houveram vários… Um Miles bopista, que participou, na senda de Charlie Parker, na revolução do Bebop. Um Miles cool, que, a partir do final dos anos 50, revolucionou a estética jazzística e recolocou o trompete no centro do ensemble de jazz. E finalmente um Miles de fusão que, a partir do álbum Bitches Brew gravado em 1969, reinventou o jazz, adaptando-o aos novos gostos eléctricos da geração de 70.
Todos eles foram revolucionários e extraordinariamente influentes. Todos eles têm lugar numa evocação do mestre Miles.
Mas nem todos eles estiveram esta noite no Hot.
João Moreira é um dos mais promissores músicos do jazz nacional e indiscutivelmente um dos seus mais proeminentes trompetistas. Já tive oportunidade de o ouvir em diversos contextos e reconheço-lhe qualidades evocativas de qualquer um dos supracitados Miles Davis.
E no entanto fiquei claramente com a sensação de que a homenagem se cingiu ao Miles bopista.
É certo que a configuração escolhida não privilegiava a evocação das fantasias eclécticas do Miles Davis de 70 e de 80. Faltavam-lhe os plugs…
Em contrapartida o repertório assentou sobretudo na obra do Quinteto sessentista do trompetista norte-americano, sobretudo em originais de Wayne Shorter. Pelo que pedia algumas incursões pelo cool jazz, para mim a fase mais bela e criativa da riquíssima obra do mestre.
Assim soube a pouco.
Gostámos do primeiro capítulo, falta agora ouvir os restantes.
Ainda assim não posso deixar de prestar homenagem ao bem conseguido trabalho dos músicos envolvidos. A secundar João Moreira estiveram um seguro César Cardoso no saxofone, uma exuberante secção rítmica constituída por António Quintino no contrabaixo e um inspirado Diogo Moreira na bateria e ainda o competente e criativo Daniel Bernardes no piano. Tudo gente jovem mas com muito talento.
Fico pois à espera do segundo capítulo deste concerto, aquele em que surja o Miles cool que tanto admiro (se calhar era esta noite com Gonçalo Marques no trompete…)!

3 comentários:

Inês L. disse...

Olá! Curiosamente, e sem querer despromover de forma alguma a sua opinião, sinto que o Miles "bopista" esteve pouco presente na noite que descreveu. A escolha de repertorio certamente que não foi para aí direccionada e em particular no João Moreira que por ter crescido a ouvir este quinteto, claramente solou dentro do espírito dos anos 60 do grupo. Eventualmente nos restantes membros solistas tenha sentido mais o tipo de solo bop. (Este comentário está a soar extremamente intelectual, longe de mim... não me leve a sério se assim for!!)

Já agora é de acrescentar que o João Moreira, apesar de líder natural do grupo e professor na escola não foi quem o criou. A ideia do grupo, a escolha dos músicos e dos temas foi do Diogo Moreira.

Um beijinho e parabéns pelo blog, já o tinha espreitado!

Ricardo Ramalho disse...

Minha Cara Inês L.,
Antes de mais muito obrigado por teres deixado o teu comentário e opinião, que muito prezo.
Também eu não quero, de todo, alimentar debates intelectuais sobre jazz. Desde logo porque não os domino, mas também porque acho que a música é essencialmente para se sentir, para se desfrutar. E aí não há teorias que nos convençam a gostar, a captar ou não os sentimentos que a música tão bem nos sabe transmitir.
Reconheço que o repertório foi sessentista (e parabéns ao Diogo pela escolha. Aliás notou-se bem que ele estava como "peixe na água"). O meu único lamento foi de não ter sentido o Miles de "Kind of Blue"... O Miles "cool" das colaborações com Bill Evans.
Na verdade o repertório da noite assentou no segundo grande quinteto de Miles Davis, com Wayne Shorter, Herbie Hancock, etc.
Quando falei em bop, estava naturalmente a referir-me a este novo bop dos anos sessenta (freebop?) e bão ao bebop de Charlie Parker e companhia (que o Miles Davis também tocou nos anos 40 e 50).
Um beijo e uma vez mais muito obrigado por leres o blogue e por participares com o teu comentário.
Ricardo

Inês L. disse...

Ok ok, então fui só eu que não percebi! :) Continua com o blog, alto nível. Tenho pena por não ter tempo nem disponibilidade mental para alimentar o meu com regularidade!

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