segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Up2Nine
Desbundixie
Featuring Maria João e Filipe Melo
Up2Nine
Ed. Autor, 2009
A Dixieland constitui uma das mais antigas formas conhecidas de se tocar o jazz.
Terá surgido na cidade de Nova Orleans, na Louisiana, por volta de 1910, a Original Dixieland Jass Band, liderada pelo trompetista Dominick James La Rocca, a qual, segundo as palavras de Louis Armstrong, registadas em 1936, “were the hottest five pieces that had ever been known before”.
Com este quinteto o Jazz entrava para a história.
Em 1916 actuava com enorme sucesso, fazendo digressões e até gravando um primeiro disco, espalhando o novo género musical rapidamente até Chicago e Nova Iorque, ao longo da década.
Muitas vezes considerado como o verdadeiro jazz (é a primeira banda que usa o termo jazz – jass até 1917) o estilo Dixieland combinava o Ragtime e o Blues com a improvisação colectiva. Os seus Combos incluíam uma secção rítmica, baixo, trombone, trompete e clarinete. O som definitivo deste novo estilo é criado pela improvisação simultânea dos sopros.
Apesar de constituir um género nascido no seio da comunidade negra e recém libertada da Louisiana, desde cedo que a Dixieland atraiu igualmente músicos brancos, com um som melhor acabado do que os negros, mas menos expressivo. Era a técnica branca contra a alma negra. Era esse o caso da Original Dixieland Jazz Band (ODJB), pioneira desse novo estilo feito pelos brancos de New Orleans, utilizando a improvisação colectiva, sem exageros nos solos. Em 1917 faz sucesso em Nova Iorque e acaba dando o nome de Jazz ao novo género musical surgido no Sul dos Estados Unidos (Jass foi sendo substituído desde então por Jazz).
Foi a 26 de Fevereiro desse mesmo ano que a Original Dixieland Jass Band de Dominick La Rocca se instalou nos estúdios da Victor, em Nova Iorque, e gravou o primeiro disco de Jazz conhecido, intitulado “Livery Stable Blues”. Este vendeu cerca de um milhão de exemplares, batendo todos os recordes de vendas da época.
Os “fundadores” da ODJB, e auto-intitulados, de forma controversa, como os “Criadores do Jazz”, foram “Nick” La Rocca, Larry Shields, Eddie Edwards, Henry Ragas e Tony Spargo (ou Tony Sbarbaro).
A Original Dixieland Jazz Band constitui um marco importante para a história do jazz, pois para além de ser a responsável pelo uso do termo Jazz, foi também pioneira em diferentes sectores: foi a primeira banda a efectuar uma gravação em disco (em 1917, para Columbia e Victor); a vender mais de 1,5 milhões de discos; a viajar pela Europa em 1919 tocando o novo estilo musical; a aparecer num filme (“ The Good for Nothing”, em 1917, dirigido por Carlyle Blackwell e produzido por William Brady); e finalmente a tocar para os militares durante a primeira guerra mundial.
Não terão sido os criadores do jazz, porquanto este nasceu espontaneamente no seio da comunidade negra de Nova Orleans, mas foram os seus principais impulsionadores e divulgadores durante a década de 1910, contribuindo enormemente para o sucesso e implantação do género.
O desenvolvimento deste, primeiro através da Big Bands dos anos 20 e 30 e mais tarde com o nascimento do bop, do cool, do free jazz, e por aí adiante, nunca matou a Dixieland, relegando-a contudo para um controverso papel menor no seio da comunidade do Jazz. Uma espécie de curiosidade arqueológica, um vestígio dos primórdios mais populares do género.
A verdade é que nenhum dos sub-géneros posteriores do Jazz conseguiu transmitir alegria e comunicar com o público como a Dixieland, que ainda hoje constitui um dos mais seguros veículos de divulgação e aprendizagem da estética jazzística aos neófitos. Razão mais do que suficiente para que tantos músicos, um pouco por todo o mundo, a mantenham viva e a ela se dediquem com paixão.
Portugal não é excepção existindo dezenas de grupos de Dixieland, de norte a sul do país, com o Festival de Cantanhede a constituir, desde há 7 anos a esta parte, o ponto de encontro privilegiado para esta comunidade em expansão.
A Desbundixie – New Orleans Traditional Jazz Band – nasceu em Leiria há cerca de 9 anos atrás. Formaram-na jovens músicos oriundos das escolas e bandas locais que procuraram, sobretudo, uma forma divertida e estimulante de exprimirem a sua paixão pela música. Intuitos que a Dixieland serve na perfeição.
Os sete magníficos da Desbundixie são, presentemente, os irmãos César e Flávio Cardoso (saxofone e clarinete), Manuel Sousa (trompete), Ricardo Carreira (trombone), Pedro Santos (banjo e voz), Daniel Marques (tuba) e João Maneta (bateria), a que se juntaram, para este disco, dois convidados de luxo: a mediática voz de Maria João e a irreverência do pianista Filipe Melo.
Depois da estreia discográfica em 2007 com “Kick’n Blow” este “Up2Nine” é um trabalho de continuidade, mas consegue também ser muito mais do que isso. Além da forte aposta em dois nomes consagrados do nosso jazz, seguramente capazes de aumentar a visibilidade do projecto dentro e fora de portas, é notório o amadurecimento musical de alguns dos membros da banda, de que o exemplo do saxofonista César Cardoso será porventura o mais evidente. Nestes dois anos César rumou a Lisboa, passou pela Escola de Jazz Luís Villas-Boas, frequenta presentemente a ESML e fundou o seu próprio quinteto (com Filipe Melo, Bruno Santos, Bruno Pedroso e Demian Cabaud), que deixou já excelentes indicações na sua apresentação no Hot Club de Portugal, seguramente confirmadas no seu primeiro trabalho discográfico, a gravar já este mês de Janeiro, constituído quase exclusivamente por originais do saxofonista.
Tais circunstâncias reflectem-se essencialmente a dois níveis neste novo disco da banda: por um lado no alargamento do repertório, que deixa de incidir exclusivamente na Dixieland para aflorar, ainda que esporadicamente, outras fontes jazzísticas (aproveitando talvez os novos horizontes abertos pela inclusão do piano e da voz de Maria João); mas também pela maior criatividade e protagonismo expressos pelo saxofone, ainda que, na maioria dos temas, as funções melódicas continuem a ser entregues ao excelente trompetista Manuel Sousa.
Se a alegria contagiante da Dixieland continua a brotar, em temas como “The Original Dixieland One-Step”, “Sweet Georgia Brown”, “Rose Hill”, ou “Muskrat Ramble”, já em “Baby, Won’t You Please Como Home?”, a introdução de “After You’ve Gone”, “West End Blues” ou principalmente “What a Wonderful World” não se cingem à Dixieland e buscam novos caminhos para o som do grupo, fruto não apenas da adição do piano mas também da assumpção pelo saxofone de funções por vezes quase bopistas.
Ao aumento da visibilidade do saxofone correspondeu contudo algum apagamento do clarinete, o que é de lamentar atentas as enormes qualidades como solista de Flávio Cardoso, já demonstradas no trabalho anterior e nas apresentações ao vivo da banda. Ainda assim destacam-se alguns solos dignos de registo, como no tema que encerra o disco “China Boy”.
É pois um novo passo seguro na carreira da Desbundixie, a quem é fácil antever amplos sucessos face à qualidade, consistência e ambição do seu trabalho.
São os meus votos sinceros.
Sobre a história da Dixieland:
AS RAÍZES DO JAZZ E A ORIGINAL DIXIELAND JAZZ BAND
MARIA CRISTINA AGUIAR
CLÁUDIA CRISTINA MARQUES VASCONCELOS BORGES
http://www.ipv.pt/millenium/millenium29/19.pdf
Desbundixie – That’s a Plenty
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