domingo, 28 de dezembro de 2008

A Matéria Prima do Jazz



Carlos Bica & Matéria-Prima
27 de Dezembro de 2008, 23.00h
Hot Club de Portugal
*****

O ano de 2008 fechou em grande no Hot com a apresentação do quarteto Matéria Prima, liderado pelo contrabaixista Carlos Bica a que se juntaram João Paulo Esteves da Silva no piano, acordeão e Rhodes, João Lobo na bateria e Mário Delgado na guitarra. Uma das mais originais e criativas formações do jazz nacional.
O concerto seguiu de perto a apresentação de 21 de Junho passado no Grande Auditório da Culturgest, embora o ambiente mais intimista do clube da Praça da Alegria tenha contribuído para revelar uma faceta mais informal e experimentalista do quarteto. João Paulo juntou ao piano o Fender Rhodes, que adicionou à apresentação uma sonoridade mais próxima da fusão, a que respondeu Mário Delgado com a sua habitual panóplia de efeitos aplicados magistralmente à guitarra eléctrica, mas também o acordeão que contribuiu, no sentido inverso, para imprimir um carácter de world jazz a alguns dos temas mais lentos e de inspiração popular, a que Carlos Bica sabe dar a volta como ninguém. Também João Lobo se mostrou em grande nível. Este jovem baterista, tido por muitos como um dos mais promissores da sua geração, que o levou já a projectos internacionais de relevo, como a colaboração com Enrico Rava a que assistimos em 16 de Fevereiro passado no CCB, mostrou porque razão é hoje um dos mais requisitados percussionistas do jazz nacional, rubricando uma actuação notável a todos os níveis: pela enorme capacidade técnica demonstrada e pela invejável criatividade na exploração do universo textural adequado à difícil obra de Bica, capaz de saltar do blues para o tango e do pop para a música étnica africana ou oriental, num abrir e fechar de olhos. Uma exibição notável de João Lobo.
Carlos Bica esteve igual a si mesmo, isto é, surpreendente em cada movimento, irreverente e audaz na composição e na interpretação apaixonada de cada tema. Um músico notável com uma incapacidade natural para a banalidade. Nas suas mãos o kitsch atinge níveis inconcebíveis de criatividade e complexidade, pleno de ritmo, de sentido de humor e de ousadia conceptual. Indiscutivelmente um grande músico português que permanece, inexplicavelmente, mais conhecido e admirado no estrangeiro do que no seu próprio país.
Falta apenas falar de Mário Delgado, também ele uma fonte inesgotável de experimentação e irreverência, a que junta uma técnica assombrosa na guitarra. De uma versatilidade inusitada Delgado é uma constante fonte de inspiração, para os ouvintes e para os seus companheiros de palco. Partilha com Frank Möbus, o guitarrista habitual nas formações de Bica, a paixão pelo experimental, pelo som sujo e complexo que tão bem serve o universo criativo das composições e arranjos de Bica, mas junta-lhe uma energia electrizante, uma paixão arrebatadora, um timbre poderoso e único. Outro músico maior do nosso jazz, responsável por inúmeros projectos de outros (foi dele a direcção musical do álbum João, lançado em 2007 por Maria João), mas que permanece uma pérola escondida do grande público, excepção feita aos jazzómanos convictos, que há muito o conhecem e admiram.
O Hot agradeceu com uma enchente como há muito não se via, numa apresentação memorável que terminou já bem depois das duas da madrugada.
À falta de registos do projecto Matéria Prima aqui fica um vídeo de Password, um tema gravado com o projecto Azul de Carlos Bica (com Jim Black na bateria e Frank Möbus na guitarra).

Carlos Bica & Azul - Password

Sem comentários: