sábado, 6 de dezembro de 2008
Depois da Chuva
Daniel Mille
Aprés La Pluie
Universal 2005
O acordeão não será dos instrumentos de maior tradição no jazz. O que não impediu que a renovação do tango, inventada por Piazzolla no seu bandoneon, seduzisse os seguidores da estética jazzística, abrindo caminhos à colaboração de músicos de jazz com o mestre argentino, que ficaram nos anais do género norte-americano. Também em França, país onde o acordeão goza de merecida reputação, pois representa a alma da valse musette, muitos tentaram adaptar as palhetas ao jazz. E porque não? Não será o jazz uma derivação do blues e a harmónica um dos instrumentos que melhor representa a essência deste fado, nascido na Louisiana?
Um dos melhores exemplos da aplicação do acordeão ao jazz é, indiscutivelmente, o franco-italiano Richard Galliano. Nas mãos de Galliano as palhetas livres multiplicam-se e o tango vira jazz, enquanto o jazz vira valsa. Virtuoso como poucos, tem colaborado com alguns dos melhores músicos de jazz do mundo e conseguiu provar, sem sombra de dúvida, a pertinência do jazz tocado ao ritmo do fole.
Tamanho sucesso não passou despercebido e Galliano fez escola. Em França muitos acordeonistas têm-lhe seguido os passos e um dos que mais deu nas vistas, nos últimos tempos, foi Daniel Mille.
Um encontro fortuito com Richard Galliano nos corredores do metro de Paris mudou a vida deste jovem músico francês, nascido em Grenoble. Com 10 anos de carreira Daniel Mille começou por casar o seu acordeão apenas com a guitarra. Mas o seu enorme talento começou a exigir mais e as colaborações com grandes músicos, oriundos do jazz, da música popular ou clássica, não tardaram. Nomes como Salif Keita, Georges Moustaki, Jacques Higelin, Maurane, Lokua Kanza, Claude Nougaro, Baden Powel, David Linx, Minelo Cinelu, Marcio Faraco, Richard Bona e Helen Merril fazem parte do seu currículo de colaborações. O culminar desse processo foi a atribuição em 2006 do prestigiado prémio Victoires du Jazz.
Neste Aprés La Pluie, gravado em 2005, Mille faz-se acompanhar por Stéphane Belmondo no trompete, Remy Vignolo no baixo, Eric Legnini no piano e Pascal Rey na bateria, sem esquecer a presença ocasional de um quarteto de cordas. O resultado é lento e belo. A valsa, o jazz, o tango e a bossanova fundem-se nas sedosas notas extraídas do acordeão de Mille, com o trompete de Belmondo a glosar, em blues, as intemporais melodias que vão saindo dos instrumentos. Do inevitável Piazzolla (Oblivion) ao brasileiro Cartola (As Rosas Não Falam) passando pelos originais de sua autoria (Aprés la pluie, La valse des adieux, Les soirs de pleine lune e L’ultimo giorno), de Jean-Pierre Mas (Juste avant) e de Daniel Goyone (Ouro Preto), a música de Mille parte da tradição francesa em busca das Américas.
Desiludam-se os que gostariam de encontrar neste disco a sede da experimentação, as ousadias ou a erudição da contemporaneidade. A música de Daniel Mille busca, pelo contrário, a beleza da simplicidade, a poesia da melodia, o arrepio do silêncio. Para o puro prazer do ouvinte.
É assim um disco intemporal. Capaz de agradar aos saudosistas com a mesma apelabilidade com que seduz os mais avisados modernistas.
Merece por isso uma enorme chapelada.
Deixo-vos com o tema Ouro Preto, uma homenagem de Daniel Goyone à belíssima cidade mineira, de tal forma perspicaz que poderia ter sido escrita por um músico brasileiro (o nome de Milton Nascimento veio-me à lembrança quando ouvi o tema pela primeira vez), brilhantemente interpretada por Daniel Mille e pelos seus pares com fotos do brasileiro Flávio Veloso, a quem deixo igualmente a minha homenagem e agradecimento. Podem ver os seus trabalhos em http://www.pbase.com/flavioveloso
Daniel Mille – Ouro Preto
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