sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Miguel Zenón em Carnaxide


Miguel Zenón Quartet
5 de Novembro de 2009, 22.00h
Auditório Municipal Ruy de Carvalho (Carnaxide)

Nas suas próprias palavras, Esta Plena representa, para Miguel Zenón, não apenas mais uma viagem a casa, mas uma verdadeira redescoberta da música de Porto Rico.
Galardoado em 2008 com duas importantes bolsas de investigação, da Guggenheim e da MacArthur Foundation, Miguel Zenón regressou às origens, que já tinha visitado no seu projecto Jíbaro, de 2005, com o objectivo expresso de aprofundar o estudo e a pesquisa das raízes afro-europeias da música tradicional de Porto Rico.
Esta viagem levou-o à Plena, um género nascido no século XIX na cidade de Ponce, fruto do cruzamento dos ritmos africanos levados pelos escravos para o Caribe, com as melodias e harmonias europeias introduzidas em Porto Rico, ao tempo sua colónia, pelos espanhóis.
Mas Miguel Zenón é, antes de mais, um músico de jazz. Pelo que este trabalho, se bem que assente numa sólida investigação etno-musical e por isso incorporando diversos elementos directamente extraídos do folclore porto-riquenho, sobretudo na área rítmica (pelo uso das palmas e do pandeiro) e na inclusão da voz em cerca de metade dos temas, é essencialmente uma obra de jazz.
No entanto, longe dos estereótipos do jazz latino-americano, aqui não há salsa nem rhumbas, apenas uma ou outra incursão, por sinal feliz, no território do bolero que, como não podia deixar de ser, também integra o imaginário musical popular deste Estado Livre Associado dos Estados Unidos da América, desde 1898 (os porto-riquenhos recusaram, por referendo realizado em 1998, a sua integração plena na União que faria de Porto Rico o 51º Estado Norte-Americano).
Se em Jíbaro Zenón tinha realizado uma viagem mais genérica pelo seu próprio imaginário musical de infância, passada em Porto Rico, em Esta Plena assume-se como musicólogo dedicado expressamente ao estudo e desenvolvimento da Plena, associando-a à sua cultura musical do jazz, adquirida nos Estados Unidos da América (Zenón estudou no Berklee College of Music de Boston e obteve o masters na Manhattan School of Music, em 2001).
Para tal usa essencialmente dois grupos, um conjunto de pleneros, formado por músicos porto-riquenhos, e o seu quarteto de jazz composto por ele próprio no saxofone, pelo venezuelano Luis Perdomo no piano, o austríaco, radicado nos EUA, Hans Glawischnig no contrabaixo, e o baterista norte-americano Henry Cole, com um percurso musical quase idêntico ao de Zenón, pois formou-se no Conservatório de San Juan em Porto Rico antes de rumar ao Berklee College de Boston e à Manhattan School of Music, onde foi aluno de John Riley. Um quarteto com uma consistência adquirida ao longo de mais de cinco anos de colaboração.


Miguel Zenón
Esta Plena
Marsalis Music, 2009

O resultado é uma clara aproximação à pureza tradicional do património musical porto-riquenho que não impede porém, quer Zenón quer os restantes músicos do seu quarteto, de o desenvolverem, técnica e artisticamente, em arranjos e solos de elevada complexidade e onde os seus reconhecidos talentos podem efectivamente brilhar.
Porém, nesta apresentação no âmbito do Festival Som da Supresa, o músico apresentou-se apenas em quarteto, o que claramente reforçou o carácter jazzístico do projecto, sem que este alguma vez tenha perdido as referências populares e étnicas, sobretudo ao nível melódico e rítmico.
Luís Perdomo, no piano, esteve em evidência, com uma mão direita fabulosa nos solos. O mesmo sucedeu com Henry Cole na bateria, manifestamente loquaz na exploração rítmica das composições. Afinal de contas este homem não só estudou percussão em Porto Rico como está habituado a acompanhar alguns dos mais importantes músicos do jazz latino-americano da actualidade: Jerry Gonzalez, Claudia Acuña, Danilo Perez, William Cepeda, Chico O'Farril, Ray Barreto e Paquito d’ Rivera, entre muitos outros. A acompanhá-lo no contrabaixo Hans Glawischnig demostrou que os germânicos também podem tocar, e bem, jazz latino-americano, revelando um entendimento notável com os restantes membros do quarteto, fruto de muito trabalho em conjunto ao longo destes cinco anos de colaboração.
Mas o prato forte, sem dúvida, sobretudo para os jazzómanos, foram os solos fabulosos de Miguel Zenón. Um artista do saxofone dotado de uma técnica invulgar e de uma notável capacidade interpretativa.
Uma extraordinária noite de jazz, que aliou o privilégio de ouvir alguns dos seus melhores intérpretes à descoberta de novos sons e ritmos vindos das Caraíbas.

Miguel Zenón - Esta Plena

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