sábado, 24 de janeiro de 2009

One Man Show



Julian Argüelles
Inner Voices
TOAP/OJM, 2009

Julian Argüelles é um dos mais reputados saxofonistas britânicos do momento, com um vasto historial de colaborações com os mais conceituados músicos de jazz de todo o mundo e uma invulgar experiência no que toca a Big Bands.
Em 2007 fez parte da hr-Bigband (a orquestra de jazz da Rádio Frankfurt, na Alemanha). Durante a noite, longe dos afazeres contratuais com a orquestra alemã, improvisou sozinho, com o auxílio de um microfone e de um computador, integralmente o presente álbum. Um disco gravado quase ao mesmo tempo que ia sendo composto. Para isso Argüelles teve de puxar pelos seus vastos conhecimentos musicais e interpretar sozinho todos os instrumentos utilizados na gravação. Desde os seus saxofones de eleição (soprano, tenor, barítono e contrabaixo) até ao piano preparado e à voz, passando pelos clarinetes (incluindo o baixo), pelas flautas (piccolo, normal e alto) e até pela percussão (incluindo harpa de boca e percussão de saxofone, i.é. bater e soprar em tudo o que estava à mão…). Alguns destes instrumentos utilizados por si pela primeira vez, caso da flauta piccolo e do saxofone contrabaixo.
O disco foi assim integralmente gravado nos estúdios da HR em Frankfurt pelo próprio Julian Argüelles, a que se seguiu a mistura em Paris, nos estúdios Plushspace, a cargo do irmão Steve Argüelles. É composto exclusivamente por originais do saxofonista, que se encarregou igualmente da sua produção.
Durante algum tempo ficou na gaveta, à espera de uma oportunidade de edição, a qual acabou por surgir em Portugal pela mão da Tone of a Pitch de André Fernandes e com o apoio da Orquestra Jazz de Matosinhos.
O repertório incluído é extremamente diversificado e está longe de protagonizar uma mera sucessão de solos de saxofone, como se poderia supor de um disco a solo (na verdade há apenas um solo “convencional” de saxofone, o tema Monologue). Como já referi Argüelles fez uso de todos os instrumentos a que pôde deitar a mão e quando não pôde inventou, batendo e soprando em busca de efeitos sonoros que se assumissem como uma nova forma de percussão. O resultado é surpreendentemente conseguido porquanto cria a ilusão, em diversas ocasiões, de estarmos perante um ensemble de assinalável dimensão e não apenas de “one man show”. Mas o experimentalismo e a diversidade não se resumiram à escolha dos instrumentos. Também a composição, fruto talvez do original processo criativo assente na improvisação, aparece marcada pela experiência e pela variedade. Desde a música contemporânea e o expressionismo até ao folclore africano, oriental ou caribenho surge de tudo um pouco neste disco marcado sobretudo por uma invejável diversidade. Destaco contudo o ritmo contagiante e exótico de “Brushes”, a profundidade da balada dedicada ao pai, John Cook, “From One JC to Another” (que Argüelles apresentou em quarteto no seu mais recente espectáculo no Hot Club, mas que aqui surge mais minimal, com as várias vozes entregues aos saxofones sobrepostos), a homenagem melancólica à cidade de Lisboa no tema homónimo. Um toque de nostalgia num disco muito pouco depressivo. De realçar também as conseguidas incursões pelo universo do world jazz: a viagem africana protagonizada pelo tema “Ghana”, às Caraíbas em “Disatease” e ao oriente musical em “Conversation”. Muito interessante também a homenagem ao classicismo britânico de Elgar ou Pachelbel, em Cannon Fodder.
Uma obra à Stephan Micus a que Julian Argüelles soube adicionar o seu característico swing.
Em suma, uma obra maior de um grande músico contemporâneo que, por uma série de coincidências, veio parar a uma editora portuguesa. Assim a saibamos apreciar e merecer…
Desfrutem uma vez mais do belíssimo tema “Brushes” extraído deste álbum e que surge acompanhado das inimitáveis fotos urbanas de Guenter Eh. Vejam-nas em http://www.pbase.com/guenter123/root

Julian Argüelles - Brushes

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